Jornal Estado de Minas

COVID-19

Coronavírus pode ter surgido em grandes cidades poluídas, afirma estudo

O surgimento de novas espécies do coronavírus é mais frequente em grandes cidades, com alta densidade populacional, altos índices de poluição e padrões de desenvolvimento insustentáveis, indica um estudo de um grupo internacional de pesquisadores, com participação de professores da Univerdade Federal . A descoberta é inovadora, pois altera a percepção de que foram nas zonas rurais, de desmatamento recente, que o vírus surgiu.




 
A pesquisa foi publicada na revista Environmental Microbiology no mês passado.
 
O estudo, feito em escala global, observou a ocorrência e transmissão do coronavírus, levando em conta fatores como influência do tamanho da população humana de uma região, sua densidade, o índice de desenvolvimento econômico (IDH) do local, emissões de CO2, a precipitação total da região, a precipitação no mês mais seco, a área de remanescentes florestais e o desmatamento, segundo o professor Aristóteles Goés-Neto, professor do Departamento de Microbiologia da UFMG.
 
"Analisamos todas essas informações por meio de modelos científicos quantitativos rigorosos e testes estatísticos robustos. Conseguimos provar a associação entre os fatores ambientais com a ocorrência desses vírus e a transmissão de novos vírus. Agora sabemos que ambientes mais populosos e mais úmidos ajudam na transmissão de vírus da família do coronavírus", explica o professor.




 
Góes-Neto conta que 60% das doenças são causadas por patógenos que originalmente vivem em animais, que, por meio da chamada transmissão interespecífica, rompem a barreira dos hospedeiros específicos e chegam a outras espécies, como a humana. O artigo trata especificamente de um vírus de uma subfamília do coronavírus, e sua escolha se deu por se tratar de um grupo com tendência ou propensão à transmissão interespecífica.
 
"Os vírus da família coronavírus ocorrem em vários mamíferos e aves. Eles podem ocorrer em morcegos e migrar para outra espécie como o humana, por exemplo, ocasionando a transmissão interespecífica. Foi o que ocorreu com o Sars-CoV-2, coronavírus que desencadeou a pandemia de COVID-19", exemplifica o pesquisador.
 
Como essa família de vírus tem mais propensão a "pular" de uma espécie para outra, os pesquisadores buscaram entender quais fatores ambientais poderiam acelerar ou contribuir para essa passagem do animal para o ser humano. Para isso, eles analisaram 85 amostras de genomas de vírus da família do coronavírus e mapearam as relações de parentesco entre elas.




 
"Esse mapeamento mostrou que existem quatro regiões do planeta onde todos esses vírus se originaram, ou seja, há padrões e áreas principais de ocorrência no mundo. Além disso, constatamos que, ao observar gêneros ou espécies, temos distribuições mais restritas e heterogêneas", conta o pesquisador. 

Consumo de carne e desmatamento

A pesquisa mostrou que o parentesco dos vírus não tem uma correlação direta com a distância geográfica. Goés-Neto afirma que essa falta de correlação reforça a hipótese de que os seres humanos movem os hospedeiros do vírus por meio do comércio e consumo de carne, além do tráfico de animais, espalhando-os por longas distâncias.
 
A destruição do ambiente habitado pelos animais hospedeiros é outro fator importante para o espalhamento do vírus. Os pesquisadores compararam lugares urbanizados e mais desenvolvidos, com populações densas e de pouca floresta, com lugares de perfil oposto. Ao fazer essas comparações nas quatro áreas principais, eles perceberam que havia correlações altamente significativas entre a presença desses vírus e lugares com maior desflorestamento.




 
"Sabíamos que, principalmente para animais selvagens, as fronteiras de desmatamento – áreas de muitas florestas com o ser humano chegando – eram as mais propensas para o vírus migrar dos animais para os humanos. Porém, os estudos mostraram que, para a família específica do coronavírus analisada, a relação é maior nas áreas que não são de fronteiras de desmatamento, ou seja, nas cidades", explica Góes-Neto.
 
No caso específico do coronavírus causador da covid-19, o pesquisador aponta que o mercado de animais vivos da China pode ter sido o responsável por fazer o vírus chegar à população humana. Por isso, ele alerta que é urgente a mudança de paradigma atual de desenvolvimento da sociedade, que é altamente consumista, destrói as florestas e aumenta o índice de emissão de CO2.