Jornal Estado de Minas

VIDA SELVAGEM

Pombos: a surpreendente inteligência dos heróis de guerra tratados como praga urbana

Se você perguntar a alguém por que determinado animal é seu favorito, a pessoa provavelmente vai falar sobre as coisas incríveis que a criatura é capaz de fazer, mencionar suas características ou aparência interessante.





Pouca gente citaria, no entanto, o pombo como seu animal favorito.

Muitos consideram estas aves como pragas, e não como vida selvagem.


O total desdém das pessoas em relação aos pombos parte meu coração. Se você sentar em um parque na hora do almoço, em qualquer lugar do mundo, é quase certo que testemunhará pessoas crucificando os pombos.

Vejo gente batendo os pés no chão e dando chutes enquanto as aves passam entre suas pernas para pegar as migalhas que sobraram.

Mas pouca gente se pergunta por que há pombos debaixo do banco onde estão sentadas.

Nós trouxemos os pombos para nossas cidades, e ainda assim muitos de nós os desprezam. Mas nem sempre foi assim: temos um longo e próspero relacionamento com o pobre pombo.





Os pombos urbanos são descendentes de pombos selvagens. Nós os domesticamos séculos atrás, para servir de alimento e por conta de sua capacidade de navegação. Eles prosperam em nossas cidades porque nossos prédios altos e parapeitos de janela reproduzem seu habitat natural: cavernas e falésias. Nossos resíduos fornecem alimentos abundantes.


As crianças estão entre os poucos que gostam de brincar com pombos, já que para a maioria dos adultos estas aves são uma praga (foto: Getty Images)

As pessoas ficam entusiasmadas com os pombos-correio, mas não há muita diferença entre pombos-correio e pombos urbanos. Depende apenas se moram no pombal de alguém como uma ave em cativeiro ou na praça da cidade.

Quem você está chamando de desmiolado?

A capacidade de orientação dos pombos é lendária. Ainda estamos aprendendo sobre como estas aves são incríveis. Elas são capazes de fazer contas matemáticas básicas, no mesmo nível que os macacos, e podem distinguir palavras reais de palavras inventadas.





Os pombos-correio podem encontrar seu caminho usando o olfato, pontos de referência, o campo magnético da Terra e os infrassons (ondas sonoras com uma frequência baixa demais para ser captada pelo ouvido humano).

Também podem seguir uns aos outros e são capazes de aprender as rotas uns dos outros. Os pombos urbanos geralmente formam casais para a vida toda — e são pais muito atenciosos. Os adultos produzem um leite de papo, com o qual gentilmente alimentam seus filhotes.

Nosso fascínio por sua capacidade de orientação continua até hoje — há dezenas de milhares de corridas de pombos ao redor do mundo todos os anos. Os vencedores são vendidos por mais de £ 1 milhão.


Até hoje são realizadas competições de pombos em vários países (foto: Getty Images)

Problemas de imagem

Temos muito desdém pelos pombos que vivem entre nós em vilas e cidades. Mas não faz muito tempo, éramos fascinados por essas criaturas.





Em meados do século 19, os seres humanos apreciavam os pombos por sua boa aparência. Durante este período, surgiram muitas raças novas, incluindo o rabo-de-leque, jacobino, tumbler e barb.

Suas características exageradas atraíram a atenção de Charles Darwin. Ele era um aficionado por pombos e usou esse exemplo dramático de diversidade dentro de uma espécie para transmitir suas ideias sobre a seleção natural em A Origem das Espécies.

É um pouco como se tivéssemos visto tantos pombos urbanos que já não conseguimos apreciar suas penas de arco-íris no pescoço e corpos fofos e rechonchudos. Essas características seriam valorizadas em uma espécie rara.


Charles Darwin usou pombos para sustentar suas teorias sobre a evolução das espécies (foto: Getty Images)

Aves guerreiras

Os pombos urbanos são verdadeiros sobreviventes. Tendo passado muitas horas observando pombos no St James Park, em Londres, já os vi cobertos de óleo, leite e vômito humano. Já observei pombos sem uma pata, sem as duas patas e presos em pedaços de lixo. No entanto, eles seguem em frente.





Os pombos carecem da simpatia habitual em relação aos animais em perigo. Muitas pessoas me disseram que, longe de inspirar simpatia, as cicatrizes de batalha dos pombos só aumentam sua antipatia: os pássaros parecem "desleixados".

Acredita-se que os pombos urbanos sejam propensos a perder as patas porque o cabelo humano e as redes se emaranham ao redor deles, cortando o fornecimento de sangue. Eles também podem ficar com os pés presos em chicletes. Nosso lixo prejudica os pombos — e os tratamos com desprezo por sua aparência.

Os pombos são alguns dos animais mais condecorados da história. Nada menos que 32 pombos ganharam a prestigiada Medalha Dickin, equivalente no mundo animal à Cruz Vitória (a mais alta condecoração que o governo britânico concede aos seus militares por enfrentar o inimigo).





Os pombos-correio foram usados %u200B%u200Bintensivamente durante a Primeira e a Segunda Guerra Mundial, para entregar mensagens vitais entre os batalhões e voar com câmeras para missões de reconhecimento.


As habilidades de navegação dos pombos foram usadas pelos exércitos das grandes potências para travar diferentes batalhas (foto: Getty Images)

Talvez o pombo de guerra mais famoso seja Cher Ami, que em 1918 recebeu a medalha francesa Croix de Guerre, por entregar mensagens de um batalhão cercado sob fogo pesado.

Cher Ami tinha sido baleado no peito, estava cego de um olho, e sua perna direita estava pendurada apenas por um tendão no momento em que entregou suas mensagens.

Para muita gente, os pombos são alguns dos únicos representantes da vida selvagem com os quais interagem regularmente. Estas aves interessantes vivem bem à nossa porta.

Da próxima vez que estiver ao ar livre, dedique aos pombos 30 segundos do seu tempo. Observe-os. Testemunhe suas intrincadas interações sociais e os momentos de ternura entre os casais enquanto limpam as penas um do outro e trazem material de nidificação como presentes.





No entanto, se você realmente não os quer por perto durante o almoço, o melhor conselho é: não deixe cair restos de comida no chão.

*Steve Portugal é professor de biologia e fisiologia animal na Royal Holloway University of London, no Reino Unido.

Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado aqui sob uma licença Creative Commons. Leia aqui a versão original (em inglês).

- Este texto foi publicado originalmente em https://www.bbc.com/portuguese/geral-62715322

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