Jornal Estado de Minas

CIÊNCIA

Cientistas querem usar poeira da Lua para 'esfriar a Terra'

Um grupo de cientistas americanos propôs no início de fevereiro um método não ortodoxo de combate ao aquecimento global: criar grandes nuvens de poeira lunar no espaço para refletir a luz do Sol e resfriar a Terra.

 

O plano dos cientistas é extrair poeira da Lua e lançá-la em direção ao Sol. A poeira ficaria entre o Sol e a Terra por cerca de uma semana, reduzindo a luz solar na superfície terrestre em cerca de 2%. Depois, ela se dispersaria e nós lançaríamos mais poeira lunar.





 

A proposta envolve o lançamento de cerca de 10 milhões de toneladas de poeira lunar no espaço todos os anos. De certa forma, é uma ideia criativa. Se funcionar como anunciado do ponto de vista técnico, ela poderá fazer com que o mundo ganhe um tempo vital para controlar as emissões de carbono.

 

Mas, infelizmente, não é surpresa para ninguém que essa história de reflexão da poeira lunar não é tão simples quanto parece.

Por que a poeira da Lua?

As medidas propostas para resfriar a Terra reduzindo a quantidade de luz solar que atinge a superfície do nosso planeta costumam ser chamadas de “geoengenharia solar” ou “gestão da radiação solar”.

 

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O método mais discutido envolve a injeção de uma fina camada de partículas de aerossol na atmosfera superior da Terra. Mas mexer com a atmosfera desta forma provavelmente irá afetar os padrões de chuva e seca e pode ter outras consequências inesperadas, como danos à camada de ozônio. A poeira lunar no espaço deveria eliminar essas armadilhas, já que nossa atmosfera permaneceria intocada.





 

Outros sugeriram refletir a luz solar com espelhos ou filtros gigantescos no espaço, ou com enormes grupos de satélites artificiais.

 

A poeira lunar parece uma boa solução em comparação com essas ideias. Ela existe em grande quantidade e o lançamento de nuvens de poeira com a menor gravidade da Lua exigiria muito menos energia do que os lançamentos similares na Terra.

 

Mas, então, qual é o problema?

 

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Lento e complicado demais

Um dos principais pontos dos defensores da geoengenharia solar é a sua suposta rapidez.

 

Refletir a luz solar, na melhor das hipóteses, é uma forma de evitar rapidamente os catastróficos impactos de curto prazo do aquecimento global, ganhando tempo para a transição para energias renováveis e a remoção de gases do efeito estufa da atmosfera.





 

A injeção global de aerossóis na atmosfera, por exemplo, pode precisar do desenvolvimento de aeronaves especiais. Esta certamente não é uma tarefa simples, mas pode definitivamente ser realizada na próxima década.

 

Já as ambições lunares seriam muito mais lentas. Existem diversas barreiras logísticas e de engenharia importantes que precisariam ser transpostas.

 

Construir as ferramentas necessárias para lançar milhões de toneladas de poeira lunar no espaço seria muito demorado (foto: Getty Images)

 

Precisaríamos, pelo menos, de bases na Lua, infraestrutura de mineração lunar, armazenagem em larga escala e de uma forma de lançar a poeira no espaço.

 

Nenhum ser humano coloca os pés na Lua há mais de 50 anos. A China pretende construir uma base lunar até 2028, seguida pelos Estados Unidos em 2034. Um sistema operativo de mineração e lançamento de poeira provavelmente ainda está a décadas de distância.





 

Outra vantagem da geoengenharia solar seria a possibilidade de ajustes.

 

A injeção de aerossóis na atmosfera, em tese, pode ser ajustada para reduzir os efeitos negativos. Mudar os locais onde ocorrem as injeções de aerossóis, por exemplo, pode alterar drasticamente os possíveis efeitos colaterais e seu perfil de risco.

 

Já uma nuvem gigante no espaço não oferece este nível de precisão.

 

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Vácuo legal e político

Para piorar ainda mais as coisas, o mundo dispõe atualmente de pouca governança ou políticas abrangentes sobre o espaço e a Lua.

 

Muitas questões fundamentais sobre as atividades humanas no espaço, como o gerenciamento da quantidade crescente de lixo espacial que orbita a Terra em altíssima velocidade, permanecem sem resposta.

 

Também segue sem resposta outra questão fundamental: a lei permite minerar na Lua? Quem é o “dono” do espaço e dos seus recursos?

 

O que temos atualmente é uma colcha de retalhos de políticas contraditórias.





 

O Tratado do Espaço Sideral de 1967 proíbe a “apropriação” dos recursos espaciais, o que pressupõe a proibição da mineração. Já o Artigo 11.3 do Tratado da Lua de 1979 afirma que os recursos lunares não podem ser propriedade de um país, grupo ou pessoa.

 

Mas os Estados Unidos, a Rússia e a China não assinaram o Tratado da Lua. Na verdade, os Estados Unidos têm uma lei da época do presidente Obama, um decreto do governo Trump e um acordo internacional não compulsório – o Acordo Artemis. Todos eles tratam da extração de recursos comerciais.

 

Esta política contraditória em vigor faz com que a mineração lunar seja uma zona cinzenta do potno de vista jurídico. Lançar a poeira da Lua no espaço é outro dilema jurídico que ainda está vários degraus à frente.





Problemas no céu e na terra

Essa colcha de retalhos jurídica só existe devido a barreiras políticas mais abrangentes. Da mesma forma que a corrida espacial do século 20 refletia a geopolítica da Guerra Fria, a governança espacial contemporânea é moldada pelas divergências políticas atuais.

 

A Rússia e a China não assinaram o Acordo Artemis e decidiram (ironicamente, juntos) permanecer sozinhos. Mas os conflitos sobre um acordo não obrigatório são apenas a ponta do iceberg.

 

As divergências políticas sobre a extração de poeira da Lua podem ser muito mais perigosas. Diferentes países podem preferir diferentes graus de resfriamento ou discordar se o resfriamento com a poeira lunar deve realmente ser adotado.

 

 


Como na corrida espacial do século 20, o desenvolvimento de bases lunares será influenciado pela política terrestre (foto: Brandon Hancock / Nasa)

Até o “sistema de lançamento” de poeira proposto – essencialmente, um canhão eletromagnético gigante do tipo usado atualmente para lançar caças de combate – pode despertar preocupações com a segurança e armamentos.





 

Estas divergências podem infiltrar-se na política terrestre, exacerbando ainda mais as divisões políticas. E, o que é pior, elas podem resultar em conflitos armados ou sabotagem da infraestrutura lunar.

 

O espaço é outra fronteira para os conflitos políticos, que podem ser agravados pelo sistema de reflexão da poeira lunar. Esses conflitos também comprometem o desenvolvimento cooperativo e altruísta do projeto.

Local nobre do espaço sideral

Mesmo se as questões políticas e de implementação fossem resolvidas, existem ainda muitas outras barreiras a serem transpostas.

 

A poeira da Lua ficaria no chamado “ponto de Lagrange” entre a Terra e o Sol, onde as forças gravitacionais do planeta e da estrela se equilibram.





 

Infelizmente, esse trecho valioso do espaço sideral já está ocupado por satélites, como o Observatório Solar e Heliosférico e o Observatório do Clima do Espaço Sideral. Eles talvez pudessem ser deslocados ou desativados, mas o processo seria caro e criaria novos riscos.

 

Em resumo, a proposta da poeira lunar, de fato, resolve alguns dos problemas da geoengenharia solar centralizada na Terra. Mas provavelmente seria um processo lento demais para atenuar os impactos de curto prazo das mudanças climáticas e, de qualquer forma, enfrentaria obstáculos diplomáticos que podem ser intransponíveis.

 

É preciso ressaltar que os autores, de fato, reconhecem que seu trabalho tem limitações. No seu comunicado à imprensa, eles dizem:

 

“Não somos especialistas em mudanças climáticas, nem na ciência de foguetes necessária para movimentar massa de um lugar para outro. Estamos apenas explorando diferentes tipos de poeira em uma série de órbitas diferentes para ver qual seria a eficácia desta abordagem.”





 

Por isso, em vez de nos preocuparmos em deslocar satélites, é melhor nos concentrarmos na substituição dos combustíveis fósseis. As soluções para as mudanças climáticas estão bem à nossa frente, não nas estrelas.

 

* Aaron Tang é estudante de PhD em governança do clima da Universidade Nacional da Austrália.


Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado sob licença Creative Commons. Leia aqui a versão original em inglês.