Um outro vídeo aterrorizante de ataque de cachorro se tornou viral nas redes sociais no Reino Unido. Ele mostra três cães de raça bull de grande porte pulando e agarrando uma mulher que grita em um parque.
É compreensível que quando esses vídeos e relatos midiáticos se espalham, há um novo clamor para proibir certas raças. A mais recente é a do American Bully XL (uma versão maior da raça), uma evolução originada do pit bull terrier, que pode pesar até 60 kg.
Mas será que raças como essa são realmente responsáveis pelo aumento do problema de mordidas de cachorro?
Pesquisas mostram que uma em cada quatro pessoas já foi mordida por um cachorro durante sua vida, mas menos de 1% das mordidas resultam em internação hospitalar. Nossa pesquisa revelou que as internações hospitalares na Inglaterra por "mordida ou ataque de cachorro" aumentaram ao longo de um período de 20 anos, de 1998 a 2018.
Esses dados dizem respeito a mordidas graves o suficiente para exigir internação hospitalar, e não apenas atendimento na emergência. Durante um período semelhante, as mordidas fatais de cachorro na Inglaterra e no País de Gales tiveram uma média de cerca de três por ano.Em 2022, ocorreram dez fatalidades. Não está claro se isso é uma nova tendência, ou se 2022 foi um ano tragicamente anômalo.
O aumento na incidência de mordidas de cachorro parece estar concentrado em adultos, onde os números triplicaram ao longo de 20 anos.
Em geral, os homens têm mais probabilidade de serem mordidos e os trabalhadores de entrega são vítimas comuns. Os ataques de cachorro em mulheres de meia-idade estão aumentando de forma mais rápida. Não sabemos o motivo disso, mas poderia ser devido a mudanças no perfil das pessoas que possuem e passam tempo com cachorros.
Encontramos taxas mais elevadas em comunidades mais carentes. As razões para isso são desconhecidas, mas tendências semelhantes são observadas em outros tipos de lesões também.
Algumas raças são mais agressivas do que outras?
Há poucas evidências científicas consistentes de que algumas raças são inerentemente mais agressivas do que outras. Nossas avaliações sugerem que as raças relatadas em casos de mordidas são simplesmente as raças mais populares naquela região.
No entanto, quando examinamos as raças envolvidas em fatalidades, fica claro que a maioria delas é grande e poderosa. Isso não significa que raças menores não possam causar mortes — elas já foram conhecidas por isso.
Como os American Bully XL são uma nova sub-raça do American bulldog, não houve nenhum estudo científico sobre o risco de mordida deles, e as taxas de mordida estavam aumentando muito antes de eles existirem.
Eles e outros American bulldog e os pit bulls relacionados estão frequentemente presentes em listas de fatalidades. Mas rottweilers, pastores alemães e Malamutes também estão.
Kenneth Baker, membro do parlamento britânico e responsável pela "Dangerous Dogs Act" (Lei de Cães Perigosos), lei de 1991 que proibiu os pit bull terriers no Reino Unido, admitiu em sua autobiografia que uma proibição de rottweilers, dobermans e pastores-alemães teria "irritado" a classe média.
Um fator complicador aqui é a distribuição das raças, já que raças poderosas sempre estiveram ligadas a comunidades carentes, onde a violência e lesões já são centrais. Algumas evidências relacionam essas raças ao status ou uso criminal, mas a maioria é de animais de estimação da família.
A maioria das mordidas de cachorro é de um cachorro conhecido da vítima. Muitas vezes, esse é o animal de estimação da família, e as mordidas acontecem durante carícias, contenção ou simplesmente brincadeiras. O cachorro muitas vezes está respondendo ao desconforto, seja dor ou medo.
O que podemos fazer para prevenir mordidas de cachorro?
As tendências genéticas nas linhas de reprodução são um fator importante, portanto, ao escolher um cachorro, é importante ver e avaliar os pais do filhote. Cães da mesma raça variam muito em seu comportamento. As tendências de comportamento são herdadas dos pais.
Procure sinais de nervosismo ou timidez em relação às pessoas, bem como agressão direta (latidos, rosnados, mordidas). Cães provenientes de criações de filhotes, em particular, são propensos a problemas de saúde e comportamentais. Infelizmente, muitos filhotes que vêm desses criadores inescrupulosos de produção em massa são comercializados fraudulentamente como sendo de um lar amoroso.
Proibir mais raças não funcionará. Novas variedades preencherão o vazio, como aconteceu com os pit bulls.
As mordidas de cachorro são um problema complexo da sociedade, e não podemos esperar uma solução legislativa rápida (como proibir uma raça ou reintroduzir licenças para cães) para resolvê-lo. A licença para cães seria proibitivamente cara de administrar e, sem uma fiscalização rigorosa, seria fácil de contornar.
O design ambiental inteligente poderia contribuir muito para evitar que pessoas e cachorros sejam expostos a situações arriscadas, por exemplo, instalando caixas de correio externas como padrão.
As pessoas frequentemente destacam a educação como a resposta. Mas é uma pequena parte da solução. A educação pública precisa de medidas de fiscalização e políticas de apoio para funcionar.
Melhorar as expectativas das pessoas sobre como é o bom cuidado do bem-estar dos cães é fundamental para minimizar situações de medo e frustração para os cães. Isso inclui não abusar dos cães em nome do treinamento e fornecer exercícios e espaço suficientes.
Os métodos de treinamento devem ser gentis e baseados em recompensas, pois os métodos baseados em punição estão associados a menor sucesso e maior estresse, medo e agressão.
Os esforços educacionais devem se concentrar em abordar a percepção de que "isso não aconteceria comigo" e introduzir novas normas sociais, como nunca deixar crianças sozinhas com cães. Há muitos recursos sobre interações seguras com cães no site Mersey Dog Safe (em inglês).
Não caia na armadilha de pensar que "meu cachorro não morderia ninguém". Todos os dias, cães que nunca morderam alguém antes, mordem.
*Carri Westgarth e John Tulloch são professores na Universidade de Liverpool (Reino Unido).
Este texto foi originalmente publicado no site de notícias científicas The Conversation e foi reproduzido aqui sob a licença creative commons. Leia aqui a versão original (em inglês).