A capital do país tem diversos motivos para se orgulhar. Um deles é que nela residem estudiosos empenhados em fazer descobertas notórias. Um desses marcos foi a redescoberta de uma espécie em extinção: a Bachia psamophila — um pequeno lagarto de corpo como o de uma serpente — depois de cerca de 20 anos.
O estudo é uma parceria da Universidade de Brasília (UnB) com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e a Universidade Federal do Tocantins.
A expedição ocorreu de 26 de setembro a 6 de outubro de 2023, no município de Miracema do Tocantins, próximo ao local, onde há décadas a especie foi vista e registrada. A Bachia psamophila estava ameaçada pela perda e alteração dos ambientes naturais, porque a localidade que ela foi encontrada, depois foi inundada pela criação da represa para a usina hidrelétrica Luís Eduardo Magalhães.
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Nanocamaleão: cientistas descobrem o 'menor réptil da Terra'Asteroide que dizimou dinossauros determinou sucesso das cobras, aponta estudoMuito sexo e pouco sono podem explicar morte de mamífero ameaçado de extinção, diz pesquisa Para o professor, essa descoberta foi fantástica. "Encontrar a espécie era uma das atividades de conservação previstas pelo ICMBio e pelo Pró-Espécies, projeto que financiou os estudos em campo. Encontrar a espécie representa a certeza de que é possível implantar políticas de conservação que evitem a sua extinção, já que temos certeza de que ela ainda está lá", diz o biólogo. Para Reuber, a principal política de conservação para essa espécie peculiar é a criação de unidades de conservação de proteção integral, visando garantir a proteção de seu habitat diante do avanço da ocupação humana.
Participante da expedição, o biólogo e aluno de mestrado em Ecologia na UnB Humberto Coelho Nappo classifica a experiência em campo como "incrível". Ele relata que foi o trabalho pesado e que passaram dois dias inteiros instalando as armadilhas sob temperaturas muito altas e seis dias coletando dados ambientais (temperatura, umidade relativa, luminosidade, velocidade do vento, dados do solo, etc) e registrando as espécies da herpetofauna (répteis e anfíbios) capturadas.
"Passamos muito tempo em campo trabalhando sob temperaturas maiores que 45°C. Porém, o trabalho foi muito bem recompensado com a redescoberta da Bachia psamophila. "A alegria de encontrar uma espécie que poderia estar extinta — ainda mais depois de tanto trabalho — é indescritível", conta o mestrando.
Humberto acredita que esses registros de espécies são passos importantes para complementar o conhecimento sobre a biodiversidade do país, e também sobre os fatores que influenciam a distribuição geográfica das espécies. "Esse conhecimento é fundamental, por exemplo, para entender como as mudanças climáticas e a perda de habitat afetam os organismos hoje, e como os afetarão no futuro. Permanece uma preocupação, porém, porque não há nenhuma área de conservação dentro da distribuição geográfica dessa espécie, o que faz com ela esteja vulnerável aos impactos causados pelo homem."
Um dos pesquisadores, Guarino Colli, do Departamento de Zoologia da UnB, conta que a expedição foi incentivada a verificar se a espécie ainda ocorre em áreas próximas aos locais onde ela foi originalmente descrita. "Foi uma grande satisfação entender que a especie ainda ocorre na região, agora estamos juntando esforços que possamos sensibilizar a sociedade e as agências estaduais e federais para que seja estabelecidas áreas de proteção integral que possam assegurar a conservação da espécie", conta o docente.
A expedição faz parte do Plano de Ação Nacional para a Conservação das Espécies Ameaçadas de Extinção da Ictiofauna, Herpetofauna e Primatas do Cerrado e Pantanal (Cerpan) viabilizada pelo Projeto Estratégia Nacional para a Conservação de Espécies Ameaçadas de Extinção (GEF Pró-Espécies). Esse plano de ação tem uma ação voltada exclusivamente para identificar e reduzir as lacunas de conhecimento sobre as espécies-alvo do Cerpan e seus habitats.
A espécie
Bachia psamophila é um pequeno lagarto de corpo serpentiforme. Membros muito reduzidos e cauda alongada, adaptações ao estilo de vida subterrâneo. Muito seletiva em relação ao habitat, até o momento, sabe-se que a espécie vive somente nos chamados "tombadores de areia", como são localmente denominadas as dunas do rio Tocantins. Essas áreas de fina areia branca, cobertas por vegetação aberta de Cerrado, foram formadas no passado pela deposição de areia do rio em seu curso pretérito e ajudam a compreender a história do rio Tocantins. E a Bachia psamophila escrever essa história em seus rastros deixados nessas areias.