Os passos são medidos e vagarosos, como se evitasse a queda sempre iminente. O olhar permanece fixo à sua frente, indiferente ao que se passa ao seu redor. É com um aspecto discretamente fragilizado que Martin Amis chega ao estande do Frankfurter Allgemeine Zeitung, respeitado jornal alemão diário de circulação nacional, instalado na Feira do Livro de Frankfurt. O escritor inglês veio para falar sobre o livro Im vulkan (No vulcão), seleção de seus ensaios escolhidos por Daniel Kehlmann, seu grande admirador e um dos autores alemães contemporâneos mais lidos.
É grande a circulação de pessoas nesse que é o maior evento do mercado editorial do planeta, mas a presença de público para acompanhar as palavras de Amis é até reduzida em comparação à sua importância na literatura mundial. Aos 69 anos, o inglês radicado em Nova York revela-se um escritor cuja argumentação se torna mais incisiva à medida que seu estilo ganha mais sofisticação. Figura proeminente do período do renascimento da prosa britânica, nos anos 1980, membro de um grupo formado ainda por Julian Barnes e Graham Swift, entre outros, Amis é exemplo precioso da fina ironia inglesa.
É o que se observa em Im vulkan, cujos ensaios revelam o olhar arguto de um repórter e a prosa absorvente de um estilista. Amis acompanhou a campanha presidencial de Donald Trump, estava presente no momento em que o então primeiro-ministro inglês Tony Blair se encontrou pela primeira vez com a chanceler alemã Angela Merkel, fez contundentes observações cinematográficas a Steven Spielberg e escreveu de maneira pungente sobre a carreira de Madonna.
Para não se prender apenas a celebridades, o livro traz ainda artigos sobre a proliferação nuclear, o corpo e a morte. Até aspectos curiosos, como a invasão de visitantes estrangeiros que chegam anualmente a Munique para a Oktoberfest, a tradicional festa da cerveja, não escapam de seu radar.
“É curioso, porém, que aqui você pouco se refere a um autor que sempre considerou essencial, Philip Roth, que morreu em maio”, cutuca Patrick Bahners, o jornalista alemão do Frankfurter Allgemeine, que conversa com Amis.
Amis impressiona, à primeira vista, pela figura sisuda e diminuta. A fala imponente, porém, torna maior sua estatura e a fina ironia logo relaxa qualquer ambiente, além de revelar um sorriso à la Ney Matogrosso – os dentes superiores são ligeiramente separados. Trata-se de um homem que nunca considerou criar uma carreira que não envolvesse a escrita. E isso não apenas por ser filho de um dos mais prestigiados autores britânicos, Kingsley Amis, morto em 1995, mas pelo conteúdo e pela forma de seus livros.
XENOFOBIA
Novamente, isso é posto à prova quando Bahners o questiona sobre Lolita, obra-prima do russo-americano Vladimir Nabokov (1899-1977) lançada em 1955 e que trata, numa rápida leitura, da compulsão sexual provocada por uma adolescente em um renomado professor.
Nas pausas, Amis fuma discretamente um cigarro eletrônico, o que lhe dá mais ânimo para falar de um tema atual, o drama dos refugiados, e como isso se aplica à Oktoberfest, que lhe inspirou o conto Oktober, publicado em 2015 pela revista New Yorker. “Fiquei impressionado com a visão que tive em Munique, tomada por foliões de todo o mundo e, ao mesmo tempo, pressionada pela presença de refugiados. Hoje, isso se torna ainda mais grave, pois a xenofobia vem crescendo no mundo na mesma medida que o populismo”, observa Amis, que dá uma última tragada antes de ir embora, passos medidos, olhar fixo, sem ser importunado no meio da multidão. (Estadão Conteúdo).