Brutalidade e delicadeza são, aparentemente, coisas completamente contraditórias. Não foi isso que constatou o fotógrafo baiano Alexandre Augusto, de 47 anos, em suas andanças pelo sertão da Bahia. Morando em Londres há três anos, ele decidiu voltar à sua terra natal e fotografar a esmo. Inicialmente, a ideia era registrar imagens que relacionassem dignidade com dificuldade. “Isso ocorre muito na fotografia. A gente sai com um tema na cabeça e, na maioria das vezes, surge outra coisa no meio do caminho. O acaso está muito forte no meu ofício”, diz.
Ao se deparar com muitos trabalhadores de mangues e olarias, o fotógrafo cogitou fazer um ensaio ligado ao barro. Mas, ao chegar à região do Morro do Tigre, no município de Milagres, praticamente tropeçou em pessoas que fazem da extração de pedra o seu ganha-pão.
De início, a presença da mulher naquele ambiente não chamou a atenção de Alexandre. Quando revelou algumas das imagens, ele teve um insight. “Achei a foto de uma mulher quebrando pedra. Foi como se um raio tivesse me atingido.
Alexandre Augusto decidiu que este seria o seu foco: as mulheres de pedra. Passou dois anos nos arredores de duas cidades – Itaetê e Itatim que, curiosamente, significam “pedra duríssima” e “bico de pedra”, respectivamente. “Fui pesquisar e descobri que, na Bahia, existem cerca de 30 lugares com esse prefixo ‘ita’, que significa pedra. Tinha tudo a ver com o meu trabalho.” Dois anos depois dos cliques, entre idas e vidas, ele obteve cerca de 6 mil imagens e decidiu que aquilo deveria ser divulgado.
Pela primeira vez em sua carreira como jornalista, escritor e fotógrafo, Alexandre Augusto mostrou seu trabalho numa exposição – Mulheres de pedra (Stone women), que apresentou 22 fotografias. A mostra foi exibida em Salvador e em São Paulo.
FEMININO Um dos aspectos que mais o encantaram foi que, apesar de se dedicar a um trabalho extremamente duro e braçal, as mulheres não perdem sua feminilidade e vaidade. Vários dos registros capturam esse aspecto, com o detalhe de uma unha benfeita e cheia de mosaicos, do cabelo arrumado ou das roupas que combinam com o chinelo. “Aquilo tem uma força tão grande que não tem ninguém que não olhe para as fotos e não entenda o projeto. O feminino está ali, vivo, intenso, mesmo no meio da brutalidade. Roberto Pompeu de Toledo (jornalista) tem uma frase no texto de apresentação que resume essa história: ‘O esmalte trabalha contra a lógica da pedra, da dureza, da pobreza, e berra aos céus que se trata de mulheres’”, ressalta o fotógrafo, que dedicou o livro à avó Horádia, que, embora não tenha trabalhado em pedreiras, é natural da Chapada e foi umas das mulheres mais fortes que Alexandre conheceu na vida, segundo conta.
O fotógrafo admite que sua primeira impressão do lugar o fez enxergar ali uma grande exploração, já que as trabalhadoras recebem apenas R$ 55 a cada mil paralelepípedos talhados.
Segundo o fotógrafo, há fiscalização das pedreiras por parte do Ministério Público do Trabalho e a atividade é regularizada. Ele acrescenta que, apesar de ser uma tarefá árdua – trabalham praticamente desde o nascer do sol até o poente – não percebeu um sentimento de frustração ou vitimização. “Claro que ninguém gosta de acordar às 5h e trabalhar até de tardinha. Mas não senti nenhuma lamentação. O que constatei é que são pessoas muito batalhadoras, aguerridas e dignas.
DIEGO RIVERA Alexandre Augusto já tinha material suficiente para a exposição e quis aprofundar sua pesquisa. Foi quando descobriu uma das pinturas mais impactantes do artista plástico mexicano Diego Rivera (1886-1957), Stone worker, criada em 1943. Na tela, um homem com o rosto tampado por um chapéu quebra pedras com as mesmas ferramentas hoje utilizadas pelos trabalhadores na Chapada Diamantina. “Na hora, pensei: tenho que fazer essa foto, tenho que pegar isso. Por uma dessas coincidências que a gente não explica, voltei pra lá e encontrei uma mulher com roupas num tom parecido ao da pintura e também com um chapelão enorme para se proteger do sol. Foi a única foto em que interferi. Eu a orientei para ficar parecido. E acabou se tornando a capa do meu livro. É uma imagem plástica forte, que mostra a coisa da estética feminina e também a força.”
O profissional acompanhou não apenas o trabalho diário, mas também a vida além das pedreiras, como a rotina com a família, a religiosidade, as visitas ao salão de beleza, as brincadeiras das crianças. “Nenhuma das pessoas retratadas chegou a ir à exposição, mas fiz questão de enviar a cada uma delas um catálogo da mostra. Queria fazer também um lançamento do livro lá na região e dar de presente o maior número de exemplares possível. Elas realmente são mulheres de pedra, como se fossem estátuas, por sua grandeza física e interior.”
Mulheres de pedra
• Alexandre Augusto
• Editora Noir (120 págs.)
• R$ 200.