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O centenário do crítico literário, sociólogo e professor Antonio Candido (1918-2017) será celebrado em palestra hoje (20), na Academia Mineira de Letras. À frente do encontro, o escritor Fabio de Sousa Coutinho vai abordar tópicos determinantes na trajetória do homenageado. Classificado como primus inter pares (o primeiro entre seus iguais), Candido fez sua estreia como ensaísta na década de 1940, lançou nomes de peso na literatura brasileira e manteve forte atuação política ao longo da vida.

O evento lembra a importância de prestar tributos a críticos e estudiosos da literatura. “Antonio Candido não foi romancista nem poeta nem cronista, mas, ainda assim, um escritor extraordinário, possivelmente a maior figura da crítica literária brasileira. Ainda que não tenha sido ficcionista, foi um completo homem de letras”, define Coutinho.

Candido nasceu no Rio de Janeiro, foi criado no interior de Minas Gerais e passou toda a fase adulta em São Paulo. Entre as décadas de 1930 e 1940, formou-se em ciências sociais pela Universidade de São Paulo (USP). O destaque, ainda como aluno, rendeu-lhe o convite para ser assistente do professor e sociólogo Florestan Fernandes (1920-1995).

“Ele desenvolveu um tratamento sociológico da literatura, de enfoque nos fenômenos sociais. Não que sua crítica tenha esquecido outros aspectos das obras, como estruturalistas e o casamento entre estética e ética, mas a formação em sociologia se reflete em todo o legado de Candido”, aponta Coutinho.

Sua estreia em publicações foi aos 27 anos, com um ensaio sobre Eça de Queiroz (1845-1900) para o livro que comemorava o centenário do escritor português, em 1945, organizado pela prima deste, Lucia Miguel Pereira (1901-1959).

O primoroso trabalho impulsionou sua carreira como ensaísta, que viria a se consolidar com a publicação de Formação da literatura brasileira: momentos decisivos (1959), livro definitivo no segmento.

BRASIL
Apesar da estreia, em que se debruçou sobre a obra do autor europeu, Antonio Candido se dedicou principalmente à análise da literatura brasileira. Trabalhando para o jornal O Estado de S. Paulo, criou o Suplemento Literário, marco para a crítica brasileira. “Foi um projeto que durou duas décadas e, quando acabou, gerou uma grande lacuna na cultura brasileira”. O caderno, que Fabio Coutinho define como uma “ilha de ideais”, moldou iniciativas semelhantes, como o Pensar, do Estado de Minas, e outras já extintos.

Candido fez a primeira resenha de nomes como Clarice Lispector (1920-1977) e João Cabral de Melo Neto (1920-1999), lançando-os para o grande público em ensaios lapidadores, segundo Coutinho. Também é de Candido, de acordo com o estudioso, a primeira grande resenha de Grande sertão: veredas (1956), clássico de Guimarães Rosa, reconhecido pelo crítico, logo no ano de lançamento, como um monumento literário. “Ele identificou, prontamente, aquele romance como definitivo, um dos maiores títulos do século.”

“Candido não era muito chegado às hipérboles, era mais contido.
Mas o que ele dizia era definitivo. Além do que li ao longo da vida, convivi com ele em seus últimos 10 anos de vida, quando notei sua contenção, com a qual sabia dizer pontualmente a importância de um autor e o que ele representava para a sociedade, cultural e intelectualmente”, avalia Coutinho. “Quando faleceu, há dois anos, vários artigos o tratavam como o maior brasileiro vivo, tamanha a sua dimensão humana, cultural e política.”

SOCIALISTA
Na década de 1940, Antonio Candido ingressou no magistério pela USP, onde lecionou por quatro décadas. O trabalho como professor foi concomitante à atuação política, afirmada, em especial, em dois processos de redemocratização do Brasil.

Em meados dos anos 1940, com o fim da Era Vargas, integrou a formação do Partido Socialista Brasileiro (PSB). Já na década de 1980, nos últimos anos do regime militar, contribuiu com o início do Partido dos Trabalhadores (PT). “Na ocasião, esteve ao lado de um timaço de intelectuais na contramão da ditadura, que incluía o antigo mestre Florestan Fernandes e Sérgio Buarque de Holanda”, observa Coutinho.

A aposentadoria na USP, também nos anos 1980, foi um ato político de solidariedade aos colegas punidos pela repressão da época. “Candido era humanista e levava isso para sua atuação política. Não era político, mas um intelectual engajado, que não se omitia diante das questões nacionais”, salienta o estudioso.

Para Coutinho, se o crítico estivesse vivo teria papel importante na discussão sobre o programa Escola sem Partido, que propõe limitar a atuação de professores em sala de aula a fim de evitar possíveis “doutrinações ideológicas” dos alunos.
“Imagino que seria uma discussão em que o Candido se envolveria. Tem a ver com a sua biografia. Não que ele fizesse proselitismo político-partidário em sala de aula, mas as pessoas o identificavam por sua postura ideológica socialista e por ser um professor engajado politicamente.”



Antonio Candido não foi romancista nem poeta nem cronista mas, ainda assim, um escritor extraordinário, possivelmente a maior figura da crítica literária brasileira

Fabio Coutinho, advogado e escritor   

ANTONIO CANDIDO: PRIMUS INTER PARES

Palestra de Fabio de Sousa Coutinho. Terça (20), às 19h30. Academia Mineira de Letras. Rua da Bahia, 1.466, Lourdes. (31) 3222-5764. Entrada franca.

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