Em 10 de dezembro, completaram-se os 70 anos da adoção pela Organização das Nações Unidas da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), documento-norma elaborado por representantes de diferentes países. Com 30 artigos, a DUDH estabelece a proteção universal aos cidadãos, abordando de direitos, como à vida, à segurança e à liberdade, e também de proibições, como à escravidão e à tortura.
A chegada dos 70 anos da adoção do documento motivou um grupo de ilustradores de Recife, o coletivo Mutirão, idealizado por Celso Hartkopf e Raul Souza, a fazer um projeto em celebração ao aniversário com ilustrações representando cada um dos 30 artigos ao lado do texto original da DUDH. “Ainda no início do ano me dei conta do aniversário de 70 anos e pensei em bolar alguma ação do Mutirão, a partir daí, conversando com o Raul, a ideia da publicação veio naturalmente: 30 artigos, 30 artistas e 30 cartazes”, lembra Hartkopf.
Na ativa desde 2016, o coletivo contou com a parceria voluntária dos artistas. Segundo Raul Souza, “absolutamente ninguém ganhou dinheiro algum nesse projeto”. O objetivo foi celebrar e difundir as mensagens da Declaração Universal dos Direitos Humanos. “Esse trabalho é, na verdade, um instrumento do discurso coletivo, feito para que ideias mais humanas possam ecoar”, completa Celso Hartkopf.
A partir daí, o coletivo chegou ao nome dos 30 ilustradores que fariam parte do projeto. “Optamos por dar preferência à galera que participou nas ações anteriores com a gente, por questões de prazos e de acesso mesmo”, explica Souza. Cada ilustrador ganhou um artigo para fazer uma ilustração. A escolha foi aleatória, por meio de sorteio. “Jogamos todos os nomes num desses sites de sorteio, apertamos o botão, e pronto. Engraçado que calhou de muitos artistas terem se identificado com os artigos sorteados”, afirma.
O ilustrador Wictor Bernardo, mais conhecido pelos trabalhos de grafite em que assina como Wictor Outro, ficou responsável pela ilustração do artigo 19º, que trata do direito à liberdade de opinião e expressão, o que dialoga com o trabalho dele, o único “ilustrador-pichador” – como ele se denomina – dos 30 participantes. “O artigo 19º da DUDH, em resumo, é a garantia de que todas e todos desfrutem do direito de comunicar e se expressar como quiser, onde quiser, por qualquer meio que preferir, sem sofrer nenhuma coação por tal atitude. Eu, como artista de rua, no momento que recebi a minha parte só conseguia visualizar uma parede com muito picho”, conta.
Em sua ilustração, Wictor Outro retrata um prédio com grafites em frente à Ocupação Marielle Franco, na Praça do Diário, no Centro de Recife. “Decidi que era ali que deveriam estar todos os pichos que tinha imaginado anteriormente e fiz uma foto pra fixar bem aquele momento que eu queria levar para o desenho. Daí começou o processo mais demorado: reunir pichações das manas e dos manos, palavras de ordem, movimentos sociais, crews de grafite, grifes de picho, apelo pelos amigos encarcerados injustamente e o que mais o momento permitisse; e depois diagramar tudo isso dentro da ‘ordem da desordem’”, declara.
A situação foi semelhante para Celso Hartkopf. O ilustrador ficou com o 24º, sobre o direito ao repouso e ao lazer. “Representar esse artigo foi uma alegria para mim, pois como a produção do material todo já estava sendo bem puxada, foi uma oportunidade de abraçar esse direito, ir à praia, tomar sol, desenhar e relaxar um pouco”, afirma.
Para os ilustradores, o projeto permite disseminar a declaração. “As artes visuais são certamente mais rápidas e diretas em comunicar. A miscelânea própria do projeto também contribui para isso, pois a diversidade de linguagens estéticas engrandece a possibilidade de troca com pessoas diversas. Também escolhemos usar o texto da declaração na íntegra, exatamente para que as imagens se tornem vias de acesso para as mensagens originais e, de certo modo, facilitadores dessa transmissão”, explica Celso Hartkopf. Wictor Outro conta que participar do projeto o obrigou a estudar a DUDH. “Acredito que a linguagem não verbal, e muitas vezes abstrata, trazida nas ilustrações, pode – e certamente irá – aguçar o senso crítico das pessoas que também não sabem muito sobre este documento”, defende.