As coletâneas Música popular do Nordeste, Música popular do Centro-Oeste e Sudeste, Música popular do Sul e Música popular do Norte, lançadas entre 1973 e 1976, foram feitos marcantes do selo independente paulistano Discos Marcus Pereira, que deixou um precioso legado para a cultura popular brasileira. Mas o que mais chamou a atenção no trabalho desenvolvido pelo bem-sucedido publicitário que se tornou um sonhador produtor artístico, dedicando-se ao resgate de manifestações musicais do Brasil, foi outro lançamento – o do primeiro e histórico LP de Cartola, em 1976. O genial compositor carioca, à época aos 65 anos, trabalhava como lavador de carro, na Zona Sul do Rio de Janeiro.
O selo e seu fundador foram objetos de pesquisa do jornalista paranaense André Picolotto, que resultou no livro Discos Marcus Pereira: uma história musical do Brasil. A narrativa tem por base depoimentos e escritos de personagens centrais daquele empreendimento. Ao falar sobre a obra, Aluízio Falcão diz: “Nesse livro, o enredo foi reconstituído com tamanha verdade que eu próprio, um dos seus protagonistas, experimentei a sensação de visitar o passado”. Ele acrescenta: “Algumas portas foram abertas, pessoas reapareceram. Soaram instrumentos, principalmente violas, rabecas e tambores. Emoções antigas vieram à tona. O sonho não acabou”.
Segundo André Picolatto, o livro busca contar uma história que são várias. “É a de Aluízio Falcão, João Carlos Botezelli (o produtor Pelão), e claro, de Marcus Pereira. É a dos primeiros LPs de Cartola, Donga, Paulo Vanzoloni, Quinteto Armorial. E é, sobretudo, a do registro em disco das trilhas sugeridas por Mário de Andrade, de manifestações folclóricas culturais de todas as regiões do país.”
SEBOS A música popular brasileira passou a ser objeto do interesse de Picolatto na adolescência. Com frequência ele visitava os sebos em Curitiba, onde morava, e nesses lugares descobriu, por exemplo, os míticos LPs de Cartola, Donga e Elomar e um livro sobre a história do Jogral, bar de propriedade de Marcus Pereira, frequentado por músicos e cantores.
Durante a graduação em jornalismo na Universidade Federal de Santa Catarina, Picolatto continuou com as pesquisas. Quando, em 2016, se dedicou ao trabalho de conclusão do curso, não teve dúvida em escolher a Discos Marcus Pereira como tema. “Escrevi uma reportagem e, ao apresentá-la, fui incentivado pelos professores da banca a publicá-la”, conta. “Aí procurei a Revista de Choro, do Rio de Janeiro, e a fundadora e editora Leonor Bianchi decidiu transformá-la num livro.”
O livro reúne seis capítulos. O primeiro conta a história do LP de Cartola. O segundo foca na atuação de Marcus Pereira como publicitário; o terceiro traz a cartografia sonora do Brasil. O quarto capítulo, que cobre o período de 1974 a 1981, destaca os lançamentos do selo. As notícias publicadas em jornais são mostradas no quinto capítulo, enquanto o sexto se dedica ao acervo da gravadora.
“É bom ver um sujeito de vinte e poucos anos, recém-saído da faculdade, entrevistando velhotes para reconstruir a história dolorosa de um fracasso, mas que, antes do fracasso, despertou consciências no Brasil sobre a importância da cultura nativa. A cultura, nas dobras do tempo, aqui ou acolá sofre derrotas fragorosas, porém reage teimosamente, como o povo brasileiro. É ler para crer. Nas páginas deste livro há uma lição de esperança”, diz Aluízio Falcão. O livro está em pré-venda no site da Revista do Choro (www.revistadochoro.com) por R$ 64,90 (incluindo o frete).