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Os (im)perdoáveis

Um ano após a emergência do movimento #MeToo, Hollywood releva acusações contra diretor de Bohemian rhapsody e premia filme com cinco indicações ao Oscar. Pensadores ouvidos pelo EM apontam "confusão generalizada" e necessidade de "cuidado" no tratamento dessa questão no âmbito das redes sociais


postado em 27/01/2019 05:08

A indicação do filme Bohemian rhapsody a cinco Oscars não foi comemorada por todos. Um dia após o anúncio dos concorrentes à 91ª edição do prêmio da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, o diretor da cinebiografia do Queen, Bryan Singer, enfrentou novas acusações de má conduta sexual.

A revista cultural norte-americana The Atlantic revelou que quatro homens acusaram Singer de abuso sexual – na época, todos eram menores de idade. Apenas um deles, Victor Valdovinos, autorizou a revelação de sua identidade.

Valdovinos afirmou que tinha 13 anos quando Singer o acariciou no set de O aprendiz (1998). O advogado de Singer disse à revista que o cineasta “nega categoricamente ter feito sexo ou ter preferência por homens menores de idade”. Singer, a despeito do prestígio de Bohemian rhapsody (a cinebiografia musical mais vista da história), não tem recebido loas pelo trabalho. Foi demitido duas semanas antes do fim das filmagens, mas seu nome foi mantido nos créditos. Na temporada atual de prêmios, em que o filme vem somando diversos troféus, o nome do cineasta é mantido fora de todos os discursos de agradecimento.

A mancha no nome do diretor fez com que muita gente duvidasse das chances de Bohemian rhapsody no Oscar. No entanto, o longa emplacou cinco indicações à estatueta, incluindo a de melhor filme. Seria este um sinal de que a Academia está separando o joio do trigo?

Passado pouco mais de um ano desde as primeiras denúncias de assédio sexual contra o produtor Harvey Weinstein – que culminaram no movimento de repercussão mundial #MeToo – a situação é diversa para muitos dos envolvidos nas acusações.

DEMISSÃO O mais célebre dos atores acusados, Kevin Spacey, vencedor de dois Oscars, foi demitido da Netflix (o que redundou numa produção apressada, sem a presença dele, da risível temporada de encerramento da série House of cards); foi “apagado” de um filme pronto (Todo o dinheiro do mundo, já finalizado na época das acusações, teve as cenas de Spacey refilmadas por Christopher Plummer, que acabou sendo indicado ao Oscar); e teve outro filme engavetado (a Netflix, que produziu a cinebiografia Gore, com Spacey no papel de Gore Vidal, cancelou seu lançamento).

Outro filme que provavelmente nunca virá a público é A rainy day in New York, de Woody Allen. A produção, de 2017, foi arquivada pelo Amazon Studios depois de o nome de Allen ter voltado às manchetes no caso que envolve um suposto abuso cometido pelo cineasta contra sua filha Dylan Farrow quando ela era criança – ele nega, e a investigação feita pela polícia na época apontou que não havia evidências do crime. A imensa maioria dos atores de Hollywood tomou distância de Allen, mas Alec Baldwin e Javier Bardem saíram em sua defesa. O fato é que, desde o ressurgimento das acusações, a carreira do diretor está em suspenso.

Há, no entanto, nomes que estão voltando à cena depois de terem reconhecido comportamentos inadequados. John Lasseter, ex-chefe criativo da Pixar e da Disney Animation, que deixou a empresa na esteira de acusações de assédio sexual para buscar tratamento, conseguiu um novo emprego. No início deste mês, o estúdio Skydance Animation anunciou Lasseter como seu novo diretor.

Por aqui, o caso de maior repercussão foi o de José Mayer. Na geladeira desde 2017, quando foi denunciado por uma figurinista da Globo, o veterano ator teve seu vínculo com a emissora encerrado neste mês, após 35 anos.

Esses são alguns nomes, há muitos outros. Após um ano de #MeToo, o jornal The New York Times publicou levantamento segundo o qual 201 homens perderam seus empregos, em diversas áreas, depois que foram denunciados.

“Essa lista reúne casos radicalmente diferentes entre si. Não há termo de comparação entre, por exemplo, Harvey Weinstein (um assediador sistemático) e Woody Allen (vítima, justamente, da auto-santificação de mulheres como Natalie Portman e Oprah Winfrey). Botar tudo no mesmo saco é um dos problemas dessas lutas”, afirma o filósofo e ensaísta Francisco Bosco. No livro A vítima tem sempre razão? (2017), Bosco analisou casos em que pessoas foram repudiadas por ofender minorias – na opinião do autor, por vezes, injustamente.

“A exposição pública dos casos é uma maneira de sancionar, mas não é suficiente. Na maior parte das vezes, a judicialização dos casos é necessária. É possível hoje falar de assédio, de abuso contra mulheres como crimes, como atitudes inaceitáveis, injustas, por causa das lutas feministas. O gênero hoje é um campo de estudos científicos, acadêmicos, completamente institucionalizado no Brasil e no mundo”, comenta Marlise Matos, coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre a Mulher (Nepem), da UFMG. Confira, ao lado, entrevista com Francisco Bosco e Marlise Matos, feitas separadamente.

Dias antes de ser dispensado da Globo (o que ocorreu em 15 deste mês), o ator José Mayer foi defendido publicamente. “Não há crime se não há queixa à polícia nem denúncia na justiça”, tuitou o dramaturgo Aguinaldo Silva. “Errou? Errou, mas quem somos nós para julgar o outro? Muitas vezes as pessoas julgam e até condenam sem saber direito o que aconteceu e ninguém sabe o que realmente aconteceu”, afirmou o ator Humberto Martins. Acredita que, fora do calor da hora, as pessoas tendam a repensar as questões?

Francisco Bosco – Vamos examinar as declarações acima. “Não há crime se não houver denúncia na Justiça” é o comentário de alguém que não entendeu nada do que estava acontecendo. Afinal, uma das premissas (dificilmente refutável) da atuação feminista é que os casos de assédio, pelo efeito da própria opressão de gênero, raramente chegavam à Justiça. Por outro lado, a declaração de Humberto Martins traz uma crítica pertinente a essa mesma atuação: via de regra as denúncias se transformavam em linchamentos digitais, sem direito ao contraditório. Aí a premissa era basicamente a de que um indivíduo homem, por pertencer ao gênero socialmente privilegiado, deveria ter contra si o ônus da prova. Partia-se do princípio de que a palavra da mulher deveria ser tomada como verdadeira, incondicionalmente. Isso invertia a injustiça histórica contra as mulheres, pois tradicionalmente a palavra delas era tomada como falsa, também incondicionalmente. Mas isso fere o princípio fundamental da Justiça, que é analisar cada caso na sua singularidade.

Nomes envolvidos em denúncias foram banidos (ou, dependendo da acusação, “punidos”) da produção artística. O exílio é a solução?
Marlise Matos – Acho que a produção artística não está desvinculada das demais formas de organização do mundo e da sociedade. Se estamos em um projeto de civilização que deseja igualdade, justiça e oportunidades iguais, o abuso e a violência são formas de controle e dominação que a gente deve abominar. Não acho a palavra exílio adequada, porque fica parecendo uma punição excessiva, arbitrária. Ela não é arbitrária. A pessoa que comete um crime, um abuso, precisa ser punida. A sanção tem que ser de muitas formas, a exposição pública dos casos é uma maneira de sancionar, mas não é suficiente. Na maior parte das vezes, a judicialização dos casos é necessária. Outro caminho possível e necessário é fazer debate, trazer casos à tona, fazer a mídia discuti-los, educar a população para que se desmonte a engrenagem da banalização do abuso.

Separar o joio do trigo. A antiga máxima vem sendo utilizada com bastante frequência quando se fala de casos de grande repercussão, que elevam o tom do debate. Acredita que as redes sociais saibam separar o joio do trigo ou o “tribunal do Facebook” não aceita discordância?
Francisco Bosco – Sem dúvida. É difícil pensar nas redes sociais. Há uma confusão generalizada entre os papéis do intelectual público, do militante e do ativista. Certas bolhas – especialmente as de uma elite cultural de esquerda – ficaram mesmerizadas com as recompensas narcísicas da lógica de grupo. Chafurdaram no gozo da aprovação recíproca. Ora, é evidente que nesse contexto as formulações do grupo se transformam em dogmas. E dogmas são, por definição, inquestionáveis. Como disse o (filósofo e sociólogo esloveno Slavoj) Zizek recentemente, nada mais difícil do que uma pessoa deixar de fazer algo quando ela está convencida de que está fazendo o bem.

Marlise Matos – É necessário tomar muito cuidado e ter muita atenção aos tribunais que as redes sociais promovem. Como quase não há controle e as informações circulam com uma rapidez absurda, às vezes é impossível retornar. Tem que se tomar muito cuidado com situações específicas. Não são apenas os casos das celebridades, tanto em Hollywood quanto no Brasil ou em qualquer lugar do planeta, o assédio sexual no campo da cultura é tão comum quanto no campo do trabalho. Não há mulher neste país que não tenha passado por uma cantada indesejada, que não tenha sido submetida a um tipo de constrangimento no seu local de trabalho. O assédio que vem sendo denunciado com frequência é real. Não acho que se deve duvidar da palavra das mulheres – mesmo que possam existir casos eventuais de uma pessoa que queira se promover. É muito difícil para as próprias mulheres tornar os casos públicos, pois isto traz um custo social, psicológico, emocional.


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