Em seu primeiro romance, o escritor Zé McGill conta uma história de obsessão e suspense ambientada entre Paris e Saquarema. Jovem tradutor brasileiro em temporada na capital francesa, o protagonista José é abordado por um homem no metrô, que revela ter cometido assassinato no município fluminense, em 1973. “Sei que você não me conhece nem me perguntou nada, mas é que eu precisava tirar isso de dentro do peito”, explica o desconhecido.
Instigado pelo inusitado episódio, José inicia uma investigação a fim de verificar a veracidade do relato. As buscas o levam à história do Brasil, mais especificamente ao período da ditadura militar, quando o suposto crime foi cometido. A ação ocorre em 2015, dias depois do massacre de funcionários do jornal francês Charlie Hebdo. Ao longo da trama, há citações sobre o processo de impeachment de Dilma Rousseff, então presidente do Brasil.
“Esses fatos históricos foram acrescentados para enriquecer e contextualizar a trama. São elementos que dão força e dramaticidade à perseguição iniciada pelo narrador”, afirma Zé McGill. O autor nasceu em Oregon, nos Estados Unidos, e mora no Rio de Janeiro.
“Cheguei naquele período do ano que alguns chamam de ‘fase da depressão’, devido ao frio intenso e à ausência da luz do sol. Paris estava cinza, não havia cor de natureza nas ruas. O massacre acentuou esse cenário, com o clima pesado de medo e terror”, revela McGill. “Ainda por lá, comecei a ouvir notícias sobre a onda neorreacionária que começava a pintar no Brasil, com a ameaça de impeachment. Coloquei muito sobre a política brasileira nos primeiros escritos, mas acabei tirando para manter o foco na trama.”
METRÔ O argumento do livro surgiu em suas viagens no metrô parisiense. Enquanto observava as pessoas na movimentada estação Châtelet, McGill se perguntava como elas reagiriam se alguém, repentinamente, lhes revelasse um segredo macabro. O romance teve início naquela época, mas só foi finalizado um ano depois da volta do autor ao Rio de Janeiro.
Saquarema sete três não é um romance policial, mas um thriller, cujo fio condutor é a obsessão do protagonista pelo assassinato do qual se tornou cúmplice, explica o escritor.
“Fala-se muito sobre a parte ruim da obsessão, como ela machuca, domina e é opressora. Para os artistas, obsessão também é algo saudável e necessário. Obsessões fazem parte da criação artística, permitem buscar caminhos para um tema e lapidá-lo, ir até o caroço”, defende McGill.
Nesse thriller há leves toques de humor, marca dos contos de McGill. Ele já publicou duas coletâneas: Na barriga do boi (2011) e Fantasmas de carne e osso (2014). O novo livro foi um desafio que propôs a si mesmo: investir em narrativa mais longa para testar o próprio fôlego como criador de histórias.
“É um caminho natural, quase um clichê entre escritores, começar com os contos e ir para o romance. Não significa que tenha abandonado o conto. Continuo escrevendo e não sei dizer se meu próximo livro será uma nova coletânea ou outro romance”, diz.
Ao narrador José, o autor emprestou não apenas o próprio nome, como diversas características e vivências.
retrato Saquarema sete três descreve com precisão os locais parisienses visitados pelo escritor. A intenção foi compor um retrato da cidade sem deslumbramentos, ao contrário do que geralmente ocorre na literatura e no cinema. Essa “Cidade-Luz” vai muito além da Torre Eiffel, do Louvre e da Champs-Élysées. “Não tentei subverter a imagem da Paris glamourosa, mas quis fugir dos lugares-comuns”, conta.
Antes de embarcar rumo à Europa, conta ele, vários amigos torceram o nariz para a viagem, por terem visão limitada aos cartões-postais. “Fui a cantos que poucas pessoas têm a oportunidade de conhecer, como o Butte-aux-Cailles, bairro bucólico que parece parado no tempo, como se ainda vivesse no pós-guerra. Também me deparei com uma comunidade africana enorme. Notei a convergência de culturas abissal e quis isso no meu livro.”
Já a relação com Saquarema é distante. Apesar da proximidade geográfica – McGill vive na capital fluminense –, ele jamais foi à cidade.