É fato que a indústria da música dos Estados Unidos valoriza e protege a produção nacional, tornando-se raros os casos de artistas não americanos que ganham holofotes em seus domínios. E não estamos falando de um mercado qualquer. Ainda hoje, o sucesso de um artista nos EUA é trampolim para que conquiste o restante do mundo. Nesse cenário, a música pop sul-coreana – conhecida como K-pop – é responsável por um feito e tanto: furou o bloqueio e chegou à América. Os grandes responsáveis por isso? Os sete rapazes que fazem parte do fenômeno chamado BTS, a boyband número 1 do K-pop.
Nestes tempos de redes sociais, o grupo sul-coreano foi expandindo seu acesso a públicos adolescentes e jovens para muito além da Ásia. Diante dos números impressionantes de visualizações dos clipes do BTS no YouTube, que atingem rapidamente a marca de milhões, a dita “mídia tradicional” norte-americana se viu obrigada a dar mais atenção a esses garotos na faixa dos 20 e poucos anos. Um caso clássico de que a demanda determinou a oferta.
O grupo foi capa da revista Time, deu entrevista nos programas The Ellen DeGeneres show e The tonight show, comandado por Jimmy Fallon, e discursou na Assembleia-Geral da ONU para defender a importância do amor-próprio. Ano passado, os garotos viram seu álbum Love yourself: Answer no primeiro lugar em vendas nos EUA e lideraram a lista da Billboard 200 com o disco Love yourself: Tear.
Neste domingo, o BTS estará na cerimônia do Grammy, em Los Angeles, concorrendo na categoria best recording package (melhor pacote de gravação) com Love yourself: Tear. “O álbum marca o primeiro reconhecimento do grupo e um grande momento de avanço para o cenário musical coreano”, diz um artigo da Billboard, sobre a indicação dos rapazes.
Seguindo os passos do BTS na América, o Black Pink, formado por quatro garotas, será o primeiro girl group de K-pop a se apresentar no Coachella, em 20 anos de história do festival. O evento ocorre em abril, na Califórnia, e terá em seu line-up Ariana Grande, Diplo e Janelle Monáe.
BRASIL O glossário dos fãs de K-pop é bem específico. Eles se referem aos integrantes dos grupos como idols. Quando lança o primeiro clipe, a banda não estreia: debuta. Aliás, não é clipe que se fala, mas MV (music video).
Essa pequena aula foi dada por três fãs brasileiros, em São Paulo, após um evento de dança de K-pop. As estudantes Caroline Umezaki, de 19 anos, e Sayuri Hioki, de 17, fazem parte do Black Energy, grupo cover de K-pop. “Passou de estilo musical para estilo de vida. Comecei a dançar, instiga a gente a conhecer outras culturas, línguas”, diz Sayuri, que descobriu K-pop aos 10 anos.
Já Caroline foi apresentada ao “estilo de vida” aos 11. A faixa etária dos fãs abrange, em média, dos 10 aos 15 anos. Outro “K-fã” brasileiro é mais velho: o estudante Dallson Freitas, de 21. “Não via diferença entre o pop no Brasil e dos EUA”, diz Dallson. Isso até descobrir o K-pop. Hoje, o rapaz faz parte de quatro bandas covers.
Fundador da K.O. Entertainment, Lucas Jötten transformou a admiração pelo K-pop em negócio. A empresa dele, baseada em São Paulo, desenvolve eventos focados em cultura coreana, além de produzir os grupos High Hill (cuja música Não sou obrigada está na trilha da novela As aventuras de Poliana, exibida pelo SBT/Alterosa) e EVE, que se inspiram no K-pop.
A lucrativa fábrica pop
A história do K-pop remonta a 1992, quando o grupo Seo Taiji and Boys participou de um show de talentos na Coreia do Sul. Aquele estilo chocou: não correspondia a nada visto na música do país até então. Os garotos faziam rap, dançavam como b-boys, mesclavam hip-hop, pop-rock, eletronic e dance music. A banda fez grande sucesso e se tornou referência. Ainda na década de 1990, o governo da Coreia do Sul percebeu que tinha uma lucrativa mina nas mãos.
As três empresas sul-coreanas responsáveis por criar a fórmula do K-pop, SM Entertainment, JYP Entertainment e YG Entertainment, lançam bandas como fabricação em série. Para cada grupo que se desfaz, outros surgem.
As produtoras que cuidam da carreira dos jovens astros impõem rígidas regras à vida pessoal deles: não podem assumir namoros em público e precisam ter conduta cotidiana irretocável.
Pode demorar anos para um grupo ser lançado, pois a construção da imagem é segredo de sucesso. “Tem muito ensaio, muita direção, é tudo muito ‘profissa’. Os caras não estão brincando. E por que não pode surgir um talento? Ainda mais nesse esquema em que a maior parte das bandas trabalha”, diz o produtor João Marcello Bôscoli.
O visual colorido, meio lúdico, os clipes bem produzidos e as coreografias sincronizadas são os trunfos deles. “Fazem sucesso porque têm apelo muito pop com a galera mais jovem. Cada integrante representa algo com que a molecada se identifica, um é mais romântico, outro mais esportivo. É o que se fazia nos EUA, no começo dos anos 2000, com Backstreet Boys e ‘N Sync”, explica o produtor Rick Bonadio.
Psy, o pioneiro
Em 2012, o cantor Psy passou como um furacão pelo mundo com seu hit Gangnam style. Pôs a Coreia do Sul no mapa, mas passou. Depois de tantos anos dominando a indústria asiática, o que fez o K-pop atravessar a fronteira para o Ocidente?
O produtor João Marcello Bôscoli aponta a revolução tecnológica digital como um dos possíveis motivos. “Eles fazem música pop de uma forma contemporânea, com ferramentas contemporâneas”, afirma.
Hoje, o grupo BTS lidera a cena, mas as estrelas EXO, Monsta X e Black Pink estão ampliando os respectivos mercados. “O K-pop vem de um ecossistema com muito dinheiro, sobrevive lá por si. Chegou aqui, mas temos de ver se vai permanecer. Um polo a Coreia do Sul já é, mas precisamos ver se essa música vai continuar dialogando com o Ocidente”, pondera Bôscoli. (Estadão Conteúdo)