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Os 96 anos de vida de Bibi Ferreira, que morreu ontem, em decorrência de um infarto, transcorreram no palco. Foi em 10 de setembro do ano passado, uma segunda-feira, que ela anunciou sua aposentadoria. “Nunca pensei em parar. Esta palavra nunca fez parte do meu vocabulário, mas entender a vida é ser inteligente”, afirmou. Bibi havia completado 96 anos três meses antes (em 1º de junho). E foi também num mês de junho, só que de 1922, que ela estreou. Tinha pouco mais de 20 dias de vida quando entrou no palco nos braços de sua madrinha, Abigail Maia. Abigail, que lhe emprestou o nome, era mulher de Oduvaldo Viana, autor e diretor da peça em cartaz, Manhã de sol.

Chamada de Bibi desde sempre, parece ter estado também desde sempre predestinada para os palcos.

“Não quero mais morrer! Nasceu a primavera da minha vida. Ganhei uma filhinha de nome Abigail, a quem chamarei de Bibi. Ela vai cantar, representar e fazer muitas coisas bonitas em um palco”, escreveu o ator, diretor e dramaturgo Procópio Ferreira a um amigo naquele 1922, dando conta do nascimento de Bibi.

Ainda que tenha nascido no Rio de Janeiro, não foram no Brasil os seus primeiros anos. Filha da bailarina espanhola Aída Izquierdo, ela, com a separação dos pais, acompanhou a mãe, que foi trabalhar na Companhia Velasco, grupo espanhol de teatro de revista. Foi lá que aprendeu o espanhol, seu primeiro idioma, e tornou-se conhecida como “la niña de Velasco” graças a números cantando zarzuelas.

No retorno ao Brasil, aos 7 anos, entrou para a escola de dança do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, onde estudou com Maria Olenewa. Na mesma época, começou a trabalhar na companhia de Procópio Ferreira. Por ser filha de artistas, foi recusada, aos 9, no tradicional Colégio Sion.
Procópio matriculou a filha no Colégio Anglo-Americano.

A figura do pai, considerado o maior artista de seu tempo, a acompanhou desde sempre. A família vivia da bilheteria dos espetáculos da Companhia Procópio Ferreira e não podia se dar ao luxo de um fracasso. Mas foi Bibi uma das primeiras a suplantar o modelo de atuação que Procópio representava.

ENCENAÇÃO Com a chegada da década de 1940, o modelo do teatro em que o ator brilhava e o encenador/diretor era um mero coadjuvante tornou-se obsoleto. O Teatro Brasileiro de Comédia, principalmente, mostrou que havia novas ideias: o ator precisava decorar os seus diálogos, haveria um encenador que decidiria a concepção das montagens, sofisticava-se o repertório. Bibi se alinhou a essa corrente.

E a vida, para ela, há muito ia para além do Rio de Janeiro. Em 1947, com apenas 25 anos, surpreendeu a crítica com a sua estreia na direção do espetáculo Divórcio. Mostrava, com ele, o que havia aprendido na Royal Academy of Dramatic Arts, em Londres.

O teatro era a casa de Bibi, mas ela não devia fidelidade eterna a ele. Havia ingressado no cinema pelas mãos de Humberto Mauro, nos anos 1930 (participou de Cidade mulher, de 1936).
Em 1947, filmou O fim do rio, de Derek Twist, em que dividiu a cena com o ator indiano Sabu. Ainda que presença bissexta no cinema, em 1950, protagonizou o drama Almas adversas, de Leo Marten, com argumento de Lúcio Cardoso.

Em meados dos anos 1940, viu que era também chegada a hora de ter sua própria companhia. Na década de 1950, montou um repertório para o grupo e saiu viajando pelo Brasil com elenco numeroso, grandes cenários e produções caprichadas. Entre seus maiores sucessos está A herdeira, de Henry James, que protagonizou e dirigiu.

Já na década de 1960, chegou à televisão. Primeiramente, participou, na TV Excelsior, do programa Brasil 60, que inaugurou o (na época) moderno recurso do videoteipe (até então, toda a produção televisiva era ao vivo). Comandou, na mesma emissora, o Bibi sempre aos domingos. Já na Tupi, teve outro programa com seu nome, Bibi ao vivo. Ali pôde apresentar, cantar e dançar.

MUSICAIS Foi no teatro musicado que Bibi deixou sua maior contribuição. Será lembrada por suas grandes atuações no gênero, como em My fair lady (1964) e em O homem de La Mancha (1972) – ambos com Paulo Autran. Outra parceria profícua na carreira ela estabeleceu com seu último marido, Paulo Pontes.
Dele, dirigiu o musical Brasileiro: Profissão Esperança, obra de imenso sucesso, e protagonizou Gota d’água (1975). A peça escrita por Pontes e Chico Buarque deu à atriz a oportunidade de viver uma personagem de coloração trágica. Talvez Joana tenha sido sua mais memorável interpretação.

A vida pessoal foi igualmente movimentada. Foi casada seis vezes. Seu primeiro casamento, com o diretor Carlos Martins Lage, foi também o mais longevo. Durou de 1943 (casaram-se em Assunção, capital do Paraguai) a 1953. No ano seguinte, casou-se com o ator Armando Carlos Magno, com quem teve sua única filha, Tereza Cristina Izquierdo Magno, hoje com 64 anos. Em 1956, uniu-se ao ator e diretor Herval Rossano. Viveu ainda com Édson França e Paulo Porto. Viúva de Paulo Pontes desde 1976, teve outros relacionamentos, mas não voltou a se casar.

Bibi cantou quem quis.
Dedicou espetáculos à francesa Edith Piaf e à portuguesa Amália Rodrigues. Cantou também Carlos Gardel, Dolores Duran e Chico Buarque. Tinha 93 anos quando se lançou em um novo projeto: abraçar o cancioneiro de Frank Sinatra. Ao Estado de Minas, disse, em 2015, quando apresentou no Teatro Sesiminas o espetáculo Bibi Ferreira canta Sinatra, que adorava um desafio.

“É só o que me interessa. Ver as coisas de cima, de um ângulo que normalmente você não imagina”, afirmou, justificando a escolha de Sinatra para sua nova investida nos palcos. “Afinal”, acrescentou, “ele é o meu cantor predileto. Não apenas pelo repertório magnífico, mas também porque triunfou em todos os sentidos”.

Abigail Izquierdo Ferreira também triunfou. Fez tudo o que quis e durante toda a sua vida.

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