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Autores repudiam Festival de Literatura Marginal e deixam programação

Segundo grupo que divulgou nota de repúdio ao evento que começa nesta quinta (21) em BH, organização ignorou a relevância da cena local


postado em 21/02/2019 05:13

O Festival de Literatura Marginal (Felim) realiza a partir desta quinta-feira (21) sua primeira edição em Belo Horizonte, tendo a autora de Quarto de despejo, Carolina Maria de Jesus (1914-1977), como homenageada, o carioca Chacal como convidado e 67 autores e/ou coletivos literários de Belo Horizonte manifestando publicamente – com uma “nota de repúdio” divulgada ontem via redes sociais – sua discordância com a condução da iniciativa.

“Convidamos os idealizadores do festival para vivenciar a cena de poesia falada de perto, conhecer o trabalho que há anos é realizado nas escolas, nas ruas e espaços da cidade. Conhecer a realidade dos poetas marginais e sentir na pele a dificuldade que é publicar, ir e vir, tomar pulão, pular catraca, manguiar no rolê e ainda elaborar todas essas violências através dos versos. Convidamos os idealizadores do festival a construir coletivamente, como temos feito, e compreender que a oralidade, nossa maior riqueza, parte do diálogo, da escuta e é parte fundamental da memória de povos que historicamente são negligenciados neste país. Em respeito à memória viva de Maria Carolina de Jesus, nós repudiamos a realização do Festival”, diz a nota.

O Felim é uma realização do rapper Flávio Renegado, por meio de sua associação, Arebeldia. Com uma programação que se estende até domingo (24), o festival prevê atividades no Barreiro, Aglomerado da Serra e Alto Vera Cruz. Renegado diz achar que, de fato, faltou diálogo entre a organização do Felim e a cena da literatura marginal na capital mineira. “Concordo que foi convidado um curador que não criou a ponte com os movimentos locais. Sou um dos idealizadores. Estava fora da cidade quando o evento foi lançado. A programação não passou pela gente, foi divulgada sem consultar. Quando voltei de viagem, retomei a situação. Foram convidados a Pieta (Poeta) e o João (Paiva)”, diz o rapper.
Listados como participantes da programação de hoje, Pieta Poeta e João Paiva aderiram à nota de repúdio ao Felim e anunciaram que não tomarão parte no evento. Dalva Soares, que ministraria a palestra “Diários e memórias – Carolina Maria de Jesus”, às 19h de hoje, abrindo o evento, também anunciou sua retirada. Os signatários da nota advogam pelo cancelamento do festival.

CONTRAPOSIÇÃO
“Se eles fizerem (o festival) vamos fazer uma contracultura, porque esses espaços são nossos. Vamos contrapor, fazer programação paralela, como sempre fazemos. Eles não vão se apropriar de um movimento ao qual não têm pertencimento”, afirma a poetisa, ativista e educadora social Nívea Sabino. Nívea aponta que “essa história não começou hoje. São mais de 20 coletivos de sarau e slam em BH neste momento. Temos um público formado e BH é referência nacional de poesia falada”. E questiona: “Como as pessoas que movimentam a cidade nem sequer sabiam (do festival) e não foram convidadas?”.

No último dia 5, houve uma tentativa de aproximação entre representantes da cena local da poesia e da organização do Felim, numa reunião que durou mais de seis horas, segundo um dos participantes contou ao Estado de Minas. Os autores belo-horizontinos reivindicavam ser ouvidos pela curadoria e a maior participação de nomes locais na programação. De acordo com um dos participantes, a organização do Felim assumiu o compromisso de dialogar com a cena local, mas não o fez. Houve também um desentendimento quanto ao pagamento de cachê aos convidados.

Segundo Nívea, após a reunião do dia 5, o Felim convidou poetas de Belo Horizonte para mediar rodas de conversas, oferecendo apenas passagem e alimentação, enquanto aos poetas de outros estados é oferecido cachê. Renegado nega a diferença de tratamento. “Tratamos todos de forma horizontal. Os palestrantes também estão recebendo cachê. A Arebeldia é uma entidade aberta. Eles podem ir lá e conversar com os nossos projetos, nós prestamos conta.” O rapper diz que o Felim está sendo realizado com recursos captados via editais públicos, mas se recusou a revelar o orçamento e lamentou a ação do que chama de “forças paralelas” que seriam contrárias ao Felim.

“Estamos fazendo um festival pela primeira vez e estamos aprendendo como construir melhor. A (produtora) Danusa Carvalho foi à reunião (de negociação com a cena local). Quando voltei, assumi e fiz essa conversa com todos. Só que senti que, ao mesmo tempo, existem outras forças paralelas a essas que são colocadas. Por exemplo, Pieta e João estavam na programação e, de uma hora para outra, pediram para sair. Senti que teve algo que não foi uma consulta compartilhada. Foi algo meio opressor”, diz Renegado.

CIRCUITO
Para Nívea Sabino, o modo como o Felim foi organizado lembra o de outra iniciativa do rapper, o Circuito Gastronômico de Favelas, ao qual ela dirige críticas por alijar as comunidades que deveriam estar diretamente envolvidas. “Dá uma volta no Alto Vera Cruz e pergunte a algum morador. Era um projeto local da periferia, de economia de quintal, com donas de casa que cozinham. As pessoas que têm poder político pegaram a proposta e,  hoje, o circuito é uma realidade da cidade que acontece no Centro e nenhum favelado consegue chegar perto nem comprar um prato”, afirma.

Renegado contesta essa visão, e diz que o Circuito nasceu em seis comunidades como um trabalho de geração de renda. “É um equívoco tão grande, porque temos famílias que atendemos, pessoas que estavam passando fome e hoje possuem renda. O projeto veio para o Centro, onde fazemos o encontro com a comunidade,  e eles comparecem, sim.”

“BH precisa, sim, de um festival, mas já existe. Precisamos é dos recursos”, afirma Nívea. Flávio Renegado garante que o evento não será cancelado e convida os opositores a participar e se reunir para um debate de ideias. Em entrevista ao Estado de Minas antes da divulgação da nota de repúdio, o rapper havia dito que o objetivo era empoderar os novos poetas. “A juventude está falando o que sente, o que pensa e o que vive. Por isso nosso trabalho é focado nas escolas públicas. É necessário que mais pessoas tenham acesso à literatura.”

A programação do festival prevê “saraus do conhecimento”, competições com premiações financeiras. Para o poeta e pesquisador Rogério Coelho, articulador do Coletivoz, a atividade demonstra o desconhecimento dos organizadores do Felim sobre a composição dos movimentos. “Ou é uma competição, um concurso de poesia ou é um slam. Você é convidado para um sarau e, de repente, tem uma competição. Sarau é uma troca de ideias, encontro, escuta. Competição implica jogo. Então, deve ser dado outro nome”, afirma.

Em relação a esse aspecto, Renegado responde: “Se as pessoas virem os critérios de inscrição, verão que o evento é para estudantes. A premiação é para os estudantes e para as escolas”. O rapper afirma que a associação Arebeldia é um espaço democrático e aberto a críticas. “Quando eles quiserem formalizar uma carta e falar que querem sentar conosco, vamos fazer isso. Mas se eu for olhar tudo o que é falado na rede social, não vivo. A vida tem que ser mais real e menos virtual.”

* Estagiária sob a supervisão da editora Silvana Arantes


1º FELIM
Festival de Literatura Marginal. Até domingo (24). Programação de hoje, na Escola Municipal Professor Mello Cançado (Rua das Petúnias, 2.058, Lindeia, Barreiro), com performances de Chacal (RJ), Mel Duarte (SP), Leticia Brito (RJ), Nelson Maka (BA) e Berê MC (BH), às 20h; Manu Dias canta Carolina Maria de Jesus, às 21h; ensaio da bateria do bloco Pena de Pavão de Krishna, às 21h.


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