Jornal Estado de Minas

Operários da folia fazem maratona em vários blocos de Belo Horizonte

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Músicos que fazem do carnaval de Belo Horizonte um dos maiores do país abraçam a pluralidade. Os “funcionários da folia” não se prendem a preferências por regiões da cidade ou estilos, atuando em baterias de blocos com variados repertórios. Para eles, não se trata apenas de curtição, mas de muito trabalho.

Baiano de Eunápolis, Jhonatan Melo chegou à capital mineira para estudar arquitetura, há cerca de 10 anos. Trouxe na bagagem a paixão pela música e se encantou com o caráter político da festa belo-horizontina. “Encontrei aqui uma abordagem que me chamou mais a atenção do que a própria música. BH tem um carnaval de rua e de luta que consegue, sobretudo, pautar movimentos sociais e diversas bandeiras”, afirma Jhonatan.

Depois de se formar, ele virou arquiteto e carnavalesco. “Dedico grande parte do meu tempo tanto aos estudos quanto à elaboração de projetos como oficinas de percussão e organização do backstage dos blocos”, conta.

O “currículo folião” de Jhonatan começou em 2012, quando o carnaval de BH era feito por pequenos grupos que saíam pelas ruas. Naquela época, ele teve o primeiro contato com empreendedores de futuros grandes blocos da capital.

Foi convidado a integrar bandas. Jhonatan participou da fundação do Garotas Solteiras e Spiro Giro.

Este ano, ele é o regente principal do Alô Abacaxi, além de sub-regente e vocalista do Juventude Bronzeada. Também integra as baterias do Então Brilha!, Pisa no Fulô, É o Amô, Pula Catraca e Pega no Piston. Jhonatan não abre mão de participar de grupos menores, assumindo vários instrumentos no Manjericão, Bloco da Praia e Pula Catraca.

Na segunda-feira, ele resgatará suas raízes baianas com a estreia do bloco Daquele Jeito, destacando ritmos do Recôncavo, cujo desfile ocorrerá na Avenida Álvares Cabral, a partir das 8h30. “Geralmente, os blocos nascem da vontade de grupos de amigos de trazer para o carnaval um universo musical específico, que geralmente fica de fora da festa”, diz. “No caso do Alô Abacaxi (que homenageará a Tropicália, no domingo) e do Garotas Solteiras (de repertório pop, na segunda), a causa LGBT também é muito latente”, acrescenta.

BRILHA Na manhã deste sábado (2), Jhonatan vai se encontrar, no Então Brilha!, com Mateus Jacob, que integra a bateria desde 2013. “É um bloco gigantesco, o maior de todos dos quais participo.
Tomou essa proporção por vários motivos. O primeiro, acredito, é o estilo musical. Axé é um ritmo muito vinculado ao carnaval, que tende a atrair mais pessoas. Além disso, o Brilha foi um dos pioneiros em BH. Saiu pela primeira vez em 2011, sempre com muita organização e responsabilidade”, comenta Jacob.

Com a expectativa de atrair mais de 100 mil pessoas, o cortejo sairá da esquina da Rua Curitiba com a Avenida do Contorno, no Centro, rumo à Avenida dos Andradas.

A festa de Mateus Jacob começou há três semanas, com o Unidos do Queima Largada. Ele também bateu ponto no Como Te Lhamas, Spiro Giro, Bloco da Bicicletinha e O Pior Bloco do Mundo. Além do Brilha, este sábado será dia do Bloco da Praia. A partir de amanhã, Jacob encara É o Amô, Seu Vizinho, Juventude Bronzeada e Bloco do Manjericão.
A maratona só acabará no fim da semana que vem, com o Vira o Santo e a estreia do Todo Carnaval Tem Bonfim. Em cada participação, ele assume um instrumento diferente – do surdo ao gonguê.

Durante o ano, o arquiteto e urbanista Jacob gerencia o Bar Juramento 202, na Pompeia. “Meu envolvimento com o carnaval surgiu na faculdade, durante discussões sobre a ocupação do espaço público, com o entendimento de que a cidade deve ser das pessoas e das festas, não só do lucro”, conta.

Carnavalesco há cerca de uma década, o mineiro ressalta que a crescente adesão do povo à festa nas ruas evidencia a necessidade de maior investimento público na folia.

“O carnaval de BH está uma loucura, cada vez mais cheio, numa escalada que parece não ter fim. As autoridades precisam se ligar que os responsáveis pelos blocos são aqueles que fazem o carnaval de fato. Só com caixa de som e DJ, esta festa não acontece”, adverte.

CORTE “Gosto da mistura que o carnaval oferece. Por isso, participo de blocos bem diversos em estética, linguagem e estilo musical”, afirma a atriz Lira Ribas. Ela é diretora artística e porta-estandarte do bloco de jazz Magnólia, que desfila na terça-feira (5), além de fundadora, coordenadora e regente da Corte Devassa, de repertório eclético, cujo cortejo ocorrerá na segunda-feira (4). Lira também costuma acompanhar desfiles do Angola Janga e do Chama o Síndico.

A Corte Devassa surgiu em 2011, como performance de um grupo de alunos de teatro para receber os calouros. “A ideia era fazer uma sátira dos lugares de poder e conservadorismo. Trouxemos as marchinhas para dar caráter mais bufão à brincadeira”, explica Lira.
Os amigos curtiram tanto que transformaram a iniciativa em um bloco de carnaval, que saiu às ruas pela primeira vez em 2012.

Com seu trabalho à frente dos blocos, a atriz busca assegurar espaço igualitário para as mulheres na folia. “Aos poucos, fomos ocupando lugares de liderança no carnaval. Não somos coadjuvantes”, avisa. Ela cita Nara Torres, fundadora do bloco feminista Sagrada Profana, que fez seu desfile no último domingo (24), e a artista e ativista trans Cristal Lopez, presença ilustre em seis blocos, homenageada pelo Lua de Crixtal, na última segunda-feira (25).

Lira é uma das idealizadoras da convocação de musicistas mulheres para o Magnólia, que promove oficinas e aulas visando à formação de novas participantes. “Ao falar sobre a presença feminina, é preciso entender recortes para as negras, travestis, lésbicas... Além da participação nos desfiles, as pautas dessas mulheres precisam ser discutidas dentro de cada bloco”, defende Lira Ribas..