O designer Augusto Lins Soares nunca esteve frente a frente com Chico Buarque. Ainda assim, atreveu-se a lançar uma biografia do cantor e compositor. Autorizada. Revela-te, Chico percorre os principais episódios da vida e da cultuada carreira do carioca de 74 anos por um ângulo peculiar – o das lentes das câmeras fotográficas.
Soares tem o que chama de “olho treinado” para identificar imagens que rivalizam ou superam o poder das palavras para contar histórias. Com uma longa carreira como editor de arte, ele decidiu ampliar sua atuação, “propondo projetos para o mercado de livros com foco na fotografia”. A ideia é que o texto fosse o complemento das fotos, e não o contrário, como é usual no universo das revistas no qual trabalhava como diretor de arte.
Chico Buarque foi o primeiro nome que lhe ocorreu, porque, “além de ser um grande artista, ele é bastante fotogênico”, diz o organizador, que levou em conta ainda o fato de a larga carreira de Chico ter sido seguida de perto pelas lentes de fotógrafos profissionais e amadores ao longo das décadas, o que garantia a Lins Soares um vasto material de pesquisa.
Para selecionar as 210 fotos que compõem o que ele chama de uma “Chicografia Buarquiana”, lançada neste mês, o autor do projeto estima ter pesquisado em torno de 20 mil imagens. Os acervos consultados foram sobretudo os de jornais, agências de notícias, coleções como as dos institutos Moreira Salles e Antônio Carlos Jobim, da Funarte e do Museu da Imagem e do Som.
Em sua busca nesses arquivos, Lins Soares mirou principalmente nas “sobras”, já que não lhe interessava editar um volume com registros amplamente conhecidos. Foi esse critério que o levou a pinçar do ensaio de David Drew Zingg feito para a reportagem Os novos donos do samba, da revista Realidade, em 1966, a fotografia preterida pelo editor da capa. O mesmo se deu com as imagens de Chico que Lins Soares escolheu para a primeira e a última páginas de sua fotobiobrafia – ambas fazem parte de uma sessão produzida pela edição brasileira da Rolling Stone, quando decidiu dedicar sua capa ao carioca, em 2008 – as fotos são de Daryan Dornelles, que autorizou Lins Soares a convertê-las para o preto e branco e mudar seu enquadramento.
Além de vasculhar as “sobras” de arquivo, o organizador adotou a diretriz geral de privilegiar imagens que contivessem três requisitos: memória afetiva, valor histórico e qualidade estética. Com a intenção de apresentar ao leitor um personagem multifacetado – “O Chico jogador, pai, filho, marido, amigo, politizado, intelectual” –, Lins Soares entregou ao jornalista Joaquim Ferreira dos Santos a tarefa de escrever os pequenos textos que pontuam cada par de fotos, alinhavando informações em torno das cenas e personagens retratados, assim como do período a que se referem.
TOM Em suas “pílulas”, Ferreira dos Santos encontra espaço para mencionar curiosidades, além de dar informações importantes e saborosas. Entre as últimas, está o registro da camaradagem marota entre Chico e Tom Jobim, com um episódio em torno da composição de Piano na Mangueira. “Tom implicou, ao seu estilo bem-humorado, com o trecho ‘Já mandei subir o piano pra Mangueira’. Achava que a tônica no ‘a’ de ‘mandei’ resultava num ‘mân-dei’ – e cantava: ‘Já Monday, Tuesday, Wednesday’. Chico respondeu com o mesmo humor: ‘Ô, Tom, é ‘Já mândei’ porque o piano está subindo o morro puxado naquelas cordas, está indo todo torto, então ele vai desconjuntar, e tem que ter essa sílaba tônica no lugar errado’”.
Sobre a relação com Caetano Veloso, Ferreira dos Santos aborda o “ritual de paz” selado em 1972 entre ambos, com um show conjunto no Teatro Castro Alves, em Salvador: “Chico diz ter se tornado, a partir dali, um novo intérprete, porque Caetano o forçou a soltar a voz. Havia no repertório uma música, Cotidiano, que os dois cantavam num tom altíssimo. Outros problemas foram superados naquela noite. Chico diz que buscou uma presença mais agressiva no palco, onde Caetano brilhava pela extroversão, e ‘quebrar aquela coisa de garotinho grande’”.
O garotinho nem tão comportado assim aparece antes no livro, na foto de sua ‘ficha’ na polícia paulistana, que o deteve pelo furto de um carro. Chico tinha 17 anos e, conforme anota o prontuário, ao descrever suas feições, “olhos ardósias” e “lábios espessos”.
As fotos de Revela-te, Chico vão desde flagrantes de sua infância (em São Paulo e em Roma) até a estreia de sua mais recente turnê, Caravanas, no Palácio das Artes, em Belo Horizonte, em dezembro de 2017. O organizador convidou 22 artistas a retratar Chico Buarque à sua maneira. Os trabalhos feitos sob encomenda vêm na sequência do retrato de Chico – Sem título – feito por Di Cavalcanti, em 1972. Cada um dos artistas convidados escreveu um pequeno texto sobre sua leitura do artista brasileiro Chico Buarque e aquilo que em seus olhos também podem ver.
Revela-te, Chico
• Organização: Augusto Lins Soares
• Textos: Joaquim Ferreira dos Santos
• Bem-Te-Vi (240 págs.)
• R$ 145