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Grupo de pesquisadoras da UFMG documenta em livro o destino de 90 casas construídas nas primeiras décadas da capital mineira. Publicação será lançada hoje, na Escola de Arquitetura


postado em 02/04/2019 08:45 / atualizado em 02/04/2019 08:54

A casa que é sede da Academia Mineira de Letras, na Rua da Bahia, foi construída na década de 1910, para ser a residência e a clínica particular do médico Eduardo Borges da Costa(foto: PEDRO SALES/DIVULGAÇÃO)
A casa que é sede da Academia Mineira de Letras, na Rua da Bahia, foi construída na década de 1910, para ser a residência e a clínica particular do médico Eduardo Borges da Costa (foto: PEDRO SALES/DIVULGAÇÃO)
Quem caminha pelas ruas da Região Centro-Sul e de localidades mais antigas da capital mineira com o olhar atento percebe construções que evidenciam ser tão antigas quanto a cidade. Em meio à verticalização das metrópoles, processo do qual Belo Horizonte não escapa, algumas casas e palacetes sobrevivem na paisagem urbana, preservando a memória da estrutura social das primeiras décadas do jovem centro do poder de Minas Gerais.

O valor histórico e arquitetônico dessas construções virou objeto de pesquisa de um grupo da Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que resultou no livro Casa nobre: significados dos modos de morar nas primeiras décadas de Belo Horizonte, a ser lançado nesta terça-feira (2) pela editora Frente e Verso. Coordenadora do projeto que deu origem à publicação, a professora Celina Borges explica que o trabalho “surgiu devido à preocupação em relação às constantes demolições seguidas de um processo de verticalização verificadas em Belo Horizonte nas últimas décadas”.

“No ir e vir do dia a dia, comecei a sentir falta de uma casa aqui e outra acolá e, simultaneamente, um sentimento de que a escala humana do viver na cidade havia sido substituída por uma outra, a do solo aéreo. Com essa mudança de escala, gradativamente, houve também uma perda de humanidade e do sentimento de pertencimento aos lugares, quarteirões e bairro. O ar se tornou mais contaminado e o tráfico de veículos mais pesado. Com isso tem havido uma rarefação do fluxo de ventos, uma excessiva área de impermeabilidade do solo, que levam, entre outros fatores, ao aquecimento dos ambientes abertos”, aponta Celina.
Escadaria de acesso ao segundo pavimento do Palacete Jeha. Construído na década de 1930 com o fim residencial, esse exemplar de art déco abriga um escritório de advocacia(foto: PEDRO SALES/DIVULGAÇÃO)
Escadaria de acesso ao segundo pavimento do Palacete Jeha. Construído na década de 1930 com o fim residencial, esse exemplar de art déco abriga um escritório de advocacia (foto: PEDRO SALES/DIVULGAÇÃO)

CATALOGAÇÃO Com o questionamento sobre onde estariam aquelas casas aconchegantes, contornadas de jardins e também “aquele passo lento, que favorece os encontros e a prática da sociabilidade”, que muito têm a dizer sobre a sociedade belo-horizontina nos primeiros 50 anos desde sua fundação, em 1897 (ainda chamada Cidade de Minas), a equipe da qual participam também a socióloga Karla Guerra e os arquitetos Mikael Guedes, Danielle Amorim Rodrigues e Sarah Paz catalogou aproximadamente 90 casas, em diferentes estados de conservação. Dessas, 31 foram selecionadas para aparecer nas 249 páginas do livro. Divididas em três capítulos, cada um correspondente à época de construção, as edificações são analisadas em textos e fotografias atuais.

Atualmente, essas casas possuem diferentes ocupações. Algumas se tornaram estabelecimentos comerciais, como a que se transformou na recepção de um hotel, na Avenida João Pinheiro. Outras passaram a abrigar sedes de instituições, a exemplo da residência Dr. Eduardo Borges da Costa, na Rua da Bahia, onde está a Academia Mineira de Letras.

Mas ainda resistem as que prosseguem como moradia. Na primeira sessão do livro, estão as casas nobres construídas entre 1897 e 1920, quando a implantação do Plano Urbanístico da Capital ainda estava em processo. Elas contribuíram para compor a primeira paisagem cultural de Belo Horizonte. “Nesse período, os moradores são os familiares dos senhores, em sua maioria vinculados ao alto escalão dos serviços públicos”, diz a professora. Entre essas moradias está o próprio Palácio da Liberdade, então residência do governador.

Na fase analisada a seguir estão as construções erguidas entre 1920 e 1930. A professora lembra que foi foi nessa fase que surgiram os primeiros clubes, os estabelecimentos comerciais de luxo e os sempre lembrados palácios do cinema. “À arquitetura das casas da nova capital alia-se a presença dos sobrados palacetes vinculados ao ecletismo, dos chalés e dos detalhes de acabamentos advindos do movimento art nouveau”, pontua. Os palacetes Narbona e Dantas, vizinhos na Avenida Cristóvão Colombo, à direita de quem segue rumo à Praça da Liberdade, são dois exemplos.
Escadaria de acesso ao segundo pavimento do Palacete Jeha. Construído na década de 1930 com o fim residencial, esse exemplar de art déco abriga um escritório de advocacia(foto: PEDRO SALES/DIVULGAÇÃO)
Escadaria de acesso ao segundo pavimento do Palacete Jeha. Construído na década de 1930 com o fim residencial, esse exemplar de art déco abriga um escritório de advocacia (foto: PEDRO SALES/DIVULGAÇÃO)

SOLIDEZ Já na última fase abordada pelo livro, que se encerra na década de 1940, quando Belo Horizonte completa seu cinquentenário, e coincide com o surgimento do Complexo da Pampulha, uma nova característica aparece. “Ao contrário dos palacetes construídos no início do século, no Bairro Funcionários, as residências sofisticadas nessa época foram implantadas em terrenos mais amplos, para atender a uma arquitetura dotada de um programa mais diverso e detalhado. A arquitetura, de estética protomoderna diversa, como o art déco e o neocolonial, materializa a eficiência construtiva e a solidez”, explica Celina. Entre essas casas está uma na Avenida do Contorno, próximo ao bairro Serra, que segue como residência, e outra na Getúlio Vargas, na esquina com Rua Maranhão, que está desocupada.

Estudiosa da relação do indivíduo com o espaço, a socióloga Karla Guerra, que fez seu doutorado na UFMG sob orientação de Celina Borges, afirma que a compreensão da evolução da arquitetura urbana é essencial para entender melhor as transformações na sociedade. “A perspectiva da pesquisa relaciona a arquitetura ao modo de vida daquela época. Percebemos como esteticamente e em técnicas construtivas e processuais ela evoluía e se adaptava. A ideia de privacidade e domesticidade, por exemplo, era uma nos anos 1920 e é outra totalmente diferente hoje. Antes, havia um quarto dos meninos e um das meninas e um único banheiro para uma família de 15 pessoas. Hoje, os apartamentos desse padrão social têm muitos quartos e mais de uma suíte”, cita Karla.

Ela ainda lembra que “a arquitetura do início do século passado era mais generosa no contato entre público e privado”. Segundo a socióloga, “a rua também era um espaço onde se brincava e onde a sociedade se encontrava. Hoje, a rua é um espaço de medo, perigo e prioritariamente dos carros.”

Celina Borges também enfatiza a característica de documentação histórica do livro.  “A importância da memória elucidada por meio dessas casas e das vivências que elas proporcionaram se relaciona ao fato de assegurar às gerações que se sucedem um pouco da maneira como viveram nossos antepassados. As memórias e as identidades suscitadas pelas casas conformam legados fundamentais, que modulam e dão sentido à sociedade. Esses arcabouços de lembranças – como as casas, suas arquiteturas, seus objetos, seus mobiliários e seus hábitos – podem se transmutar em aprendizados, que propiciam leveza e poesia em uma sociedade tão sofrida e espoliada”, diz a professora.

Casa nobre: significados dos modos de morar nas primeiras décadas de Belo Horizonte.
Lançamento do livro nesta terça-feira (2), às 19h, na Escola de Arquitetura da UFMG (Rua Paraíba, 697, Savassi) e sábado (20), às 11h, na Livraria Quixote (Rua Fernandes Tourinho, 274, Savassi). Entrada franca.  

Casa nobre: significados dos modos de morar nas primeiras décadas de Belo Horizonte.
Celina Borges Lemos, Danielle Amorim Rodrigues, Mikael Guedes e Sarah Paz. Organização: Celina Borges Lemos e Karla Bilharinho Guerra
Editora Frente e Verso (249 págs.)
R$ 40


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