No cinema, a rivalidade entre duas mulheres frequentemente cai na briga por um homem ou por um casamento (como esquecer de Noivas em guerra?). Duas rainhas, escrito por Beau Willimon (House of cards) e dirigido por Josie Rourke, premiada no teatro, foi buscar na Grã-Bretanha do século 16 o jogo de duas mulheres pelo trono: Elizabeth I da Inglaterra (interpretada por Margot Robbie) e Mary Stuart da Escócia (Saoirse Ronan).
“Normalmente, quando falamos de rivalidade entre homens, é o início de uma conversa em que também discutimos sua ambição, seu poder, seu fascínio, sua obsessão. E quando dizemos que duas mulheres são rivais, é ponto e parágrafo, outro assunto”, diz Rourke. “Queria mostrar que, sim, essas mulheres eram rivais na política, mas também tinham um grande fascínio uma pela outra.” O longa estreou na quinta-feira passada no Brasil.
Não foi à toa que Rourke pediu ao roteirista de House of cards para escrever a história. “Meu desejo era levar as duas a sério como políticas e entender o que a liderança significava para cada uma e o custo do poder”, afirma a diretora. A rainha da Inglaterra era filha de Henrique VIII, que tinha levado o país do catolicismo ao protestantismo para poder anular seu matrimônio com Catarina de Aragão e se casar com Ana Bolena, mãe de Elizabeth I.
Mais tarde, Ana foi acusada de adultério e executada a mando de Henrique VIII, que se casou outras quatro vezes. Elizabeth I, portanto, podia ser considerada filha ilegítima. Mary era católica e sobrinha-neta de Henrique VIII, que tinha feito de tudo para excluir a família dela (os Stuart) da linha sucessória. Mas muitos acreditavam que ela era a legítima herdeira do trono inglês.
PRESENTE
O século 16 ganhou relevância moderna em Duas rainhas. “Qualquer versão do passado é uma representação. Para mim, qualquer história que contamos sobre nosso passado precisa conversar com o presente. Se não, o que estamos fazendo?”, indaga Josie Rourke. Não é difícil encontrar paralelos com as discussões levantadas por movimentos como #MeToo e #Time’sUp, mesmo que o roteiro tenha sido escrito bem antes. “Ainda estamos falando sobre os mesmos temas, como política de gênero, como é estar em posição de poder, a escolha entre família e carreira”, cita Margot Robbie.
Uma questão bastante atual é como uma mulher deve se comportar. Elizabeth I se fechou atrás de uma máscara de pesada maquiagem e divulgou a imagem de rainha virgem. Em dado momento do filme, ela diz que é mais homem do que mulher. “É algo muito comum em mulheres líderes”, diz Saoirse Ronan. “Não sei se elas decidem se comportar mais como homens, mas certamente são ridicularizadas se não fazem isso. Esperam muito mais das mulheres que são políticas ou CEOs do que dos homens, com certeza. Por alguma razão, traços vistos como femininos são considerados fraqueza.” Para Margot Robbie, “é aquela velha história: homens são fortes, mulheres são mandonas; homens são confiantes, mulheres são cheias de opinião”.
Mary Stuart foi quase o oposto de Elizabeth I: pressionada como todos os monarcas a ter herdeiros, foi acusada de libertinagem por ter tido vários maridos – nem todos por escolha própria. “Gritavam: ‘Morte à prostituta!’, comenta Ronan. “E era tudo propaganda ou, como diríamos hoje, fake news.” Para as duas atrizes, ter mais mulheres por trás das câmeras é a resposta para contar histórias que não caiam em armadilhas do tipo mostrar a rivalidade entre mulheres como uma briga de unhadas e puxões de cabelos. (Estadão Conteúdo)