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Ópera do Palácio atualiza o velho problema do amor não correspondido

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Um imenso quadro-negro com a palavra test (prova), cadeiras escolares e até uma quadra de basquete tomam conta do palco do Grande Teatro do Palácio das Artes. Aparentemente, é estranho associar esse cenário a uma produção operística. Mas isso está presente na versão do diretor cênico argentino Pablo Maritano para O elixir do amor, considerada a ópera mais popular e conhecida do compositor italiano Gaetano Donizetti (1797-1848). A montagem da Fundação Clóvis Salgado estreia no próximo sábado (20), no Grande Teatro.

A história original se passa numa aldeia basca no final do século 18, onde Nemorino, um rapaz ingênuo e pobre, apaixona-se por Adina, moça rica, que está interessada em Belcore, um militar de passagem pela região. Essa trama foi transportada para a realidade de uma escola de ensino médio, sem definição exata de tempo e localização, apesar de trazer referências fortes das high school norte-americanas do fim dos anos 1960 e começo dos 1970.

Em seu quarto trabalho na Fundação Clóvis Salgado, Maritano afirma que é uma tendência na Europa trazer essas versões “mais modernas”. Não é a primeira vez que Maritano faz essa abordagem na FCS. Ao lado do maestro Silvio Viegas, responsável pela direção musical e regência de O elixir do amor, ele já encenou a trágica Norma, de Vincenzo Bellini, numa visão futurista e distópica. “No caso dessa nova produção, a gente procurou entender por que os personagens eram tão inexperientes.

Na verdade, é porque eles são muito novos, adolescentes. Essa ópera fala de como aprender a lidar com a mecânica do amor, essa coisa de tudo ou nada, da intensidade. Por isso acho que tinha tudo a ver transpor para essa nova realidade”, afirma.

A ideia do diretor cênico, que define a produção como uma “high school comedy”, era tratar de um período conturbado da vida das pessoas de uma maneira leve e divertida. “A adolescência é complicada. Muitas vezes deixa marcas e por isso eu queria dar esse olhar mais amoroso, solar e cômico. É um espetáculo no qual todos os corpos artísticos do teatro estão muito engajados e tem sido uma experiência interessante para todos. Acredito que possa atrair até um público não habitual da ópera, como os jovens, pois certamente vão se identificar com tudo.”

FILTRO MÁGICO A montagem tem dois atos.
A história começa na escola em que Adina (a soprano paulista Carla Cottini) encontra o tímido e complexado Nemorino (o tenor argentino Santiago Martínez), que sofre com seu amor não correspondido. Ao ouvi-la narrar a história mítica de Tristão e Isolda, convence-se da existência no mundo de um filtro mágico, capaz de mudar o sentimento de sua amada. Temendo a rivalidade do valentão e arrogante Belcore (o barítono Homero Velho), por quem Adina se mostra encantada, Nemorino aproxima-se de Dulcamara (baixo/barítono Homero Pérez-Miranda), um charlatão itinerante, que se diz capaz de curar tudo. O jovem rapaz revela que sofre de amor e pergunta sobre a poção de Isolda. Dulcamara então lhe vende o “elixir do amor”, uma garrafa de um guaraná, que, misturado ao vinho, gera um efeito encorajador em Nemorino.

Para Silvio Viegas, a concepção de Pablo Maritano casou como uma luva na trama juvenil e pueril. “Quando se coloca esse enredo dentro da high school, às vezes, faz até mais sentido. Quando você vê o Nemorino como um adolescente inseguro, que sofre bullying, sem amigos que o amparem, diante da Adina, tudo ganha mais lógica. A adolescência é um período de muito medo, incerteza, por isso essa nova visão se encaixa”, diz.
O regente afirma que, a partir do momento em que se sai do lugar-comum, existe um risco. Mas ele acredita que a competência e a desenvoltura de Pablo Maritano farão com que o público aprove a novidade. “Ele faz isso com muito conhecimento, com justificativas inquestionáveis. Não tem por que não dar certo.”

O elenco também aprovou a nova roupagem. “Hoje em dia, os régisseurs (diretor de óperas) querem inovar, conceber a ópera de diferentes maneiras e, muitas vezes, eles fazem isso sem embasamento. Mas o Pablo faz tudo isso de uma maneira magnífica. Ele encontra uma forma para justificar suas escolhas, sejam no cenário, nos figurinos, nas marcações, na forma de dizer o texto, mas com muito respeito à interpretação”, diz Carla Cottini.

Paulista radicada em Berlim, a soprano diz que Belo Horizonte é uma cidade especial para ela. A primeira ópera de que participou foi uma montagem da Fundação Clóvis Salgado. “Era A viúva alegre (2012) e marcou minha grande transição entre o musical e a ópera. Quem me deu aquela oportunidade foi o Silvio (Viegas).
Por isso eu não poderia estar mais feliz”, diz a cantora, que retorna à capital mineira em maio para dois concertos ao lado da Orquestra Filarmônica, na Sala Minas Gerais.

REBELDE Outra que é só elogios a Pablo Maritano é a soprano mineira Fabíola Protzner. No palco, ela é Gianetta, a melhor amiga de Adina. Na versão atual, ela é uma menina rebelde, cheerleader (líder de torcida) e que dá notícias da vida de todos. “Nessa concepção, ela é uma garota popular, mas do mal. Faz intrigas, fuma escondido no banheiro e fica com todo mundo. Com essa nova versão, tive a possibilidade de trabalhar muito o meu lado de atriz. A Gianetta não tem uma participação musical muito grande na ópera. Por isso essa oportunidade de atuar, de coordenar as entradas e saídas do coro. Está sendo muito bacana”, afirma Fabíola, que se sente em casa no palco do Palácio das Artes. “Comecei a cantar com apenas 8 anos no coral infantil da Fundação Clóvis Salgado.
Morei dois anos na Alemanha, mas, desde que retornei, em 2016, tenho feito muitos trabalhos aqui.”

Natural de La Plata, que fica a 60 quilômetros  de Buenos Aires, o tenor Santiago Martínez está encantando com sua experiência brasileira. Ele nunca esteve no país e nuncaparticipou de nenhuma outra produção fora de sua terra natal. “Belo Horizonte é o melhor lugar em que eu poderia imaginar cantar. É tudo muito organizado, eficiente, as pessoas muito solícitas, competentes. Encontrei aqui as melhores condições de trabalho. Minha primeira impressão do Brasil está sendo maravilhosa”, diz. Santiago diz que há algum tempo estava à procura de novos papéis, distantes de seu repertório mais habitual. “Tinha feito muita coisa de Rossini e outros compositores italianos, mas Donizetti é a primeira vez. Cantar é sempre um desafio técnico. Pegar uma partitura, aprendê-la, entender todo aquele contexto e o que o compositor queria dizer e depois trabalhar isso com o diretor cênico e o maestro é fascinante. E, no caso do Pablo e do Silvio, eles conseguem tirar o melhor de nós.”

O repertório de O elixir do amor traz uma das árias mais famosas do mundo operístico, Una furtiva lacrima, que ficou bastante conhecida na voz do tenor italiano Enrico Caruso. Mas a parte musical vai bem além. O maestro Silvio Viegas destaca que a música de Donizetti representa muito bem o universo juvenil e é muito teatral. “Ela é viva, alegre e nos dá possibilidade de leituras muito interessantes. Como estamos fazendo a ópera num ambiente de escola, acabamos escolhendo andamentos mais ágeis, exatamente para que essa representação fosse ainda mais fiel ao sentimento que está presente ali. Quando você ouve a obra de Donizetti pela primeira vez, já se encanta, porque é leve, de fácil absorção e direta. Tenho certeza de que o público vai se encantar com esse espetáculo, que é bem vibrante.”

O ELIXIR DO AMOR
Ópera de Gaetano Donizetti. Montagem da Fundação Clóvis Salgado. Récitas: 20, 22, 24 e 26 de abril, às 20h. 28 de abril (domingo), às 19h. Local: Grande Teatro do Palácio das Artes. Av. Afonso Pena, 1.537, Centro. (31) 3236-7400. Ingressos: R$ 60 e R$ 30 (meia). Vendas na bilheteria e pelo site www.ingressorapido.com.br.




Una lacrima no mercado

A divulgação da estreia de O elixir do amor realiza ações como a apresentação nesta quarta (17), a partir do meio-dia, do tenor argentino Santiago Martínez em pleno Mercado Central. Ele vai interpretar a ária Una furtiva lacrima. “Estou bem ansioso, porque, assim que cheguei a BH, lá foi o primeiro lugar onde me levaram. É um dos pontos mais importantes da cidade. Achei essa ideia fascinante. Nunca fiz nada parecido. Acho que vai ser mais surpreendente para mim do que para quem estiver no mercado (risos)”, diz Santiago. Antes das récitas, o maestro Silvio Viegas vai participar do projeto Conversando sobre a Ópera, no foyer do Grande Teatro do Palácio das Artes, nos dias 20, 22, 24 e 26, às 19h, e no dia 28, às 18h. A entrada será permitida mediante apresentação do ingresso para a ópera..