Assim que o primeiro turno das eleições terminou, no início de outubro de 2018, Marcia Tiburi começou a escrever os ensaios do recém-publicado Delírio do poder – Psicopoder e loucura coletiva na era da desinformação. Em janeiro, colocou o ponto-final. Ela já havia iniciado um programa de residência literária nos Estados Unidos, para onde se mudou, após receber ameaças de morte. A filósofa e escritora acredita que o livro era tão urgente quanto sua mudança de país. Marcia foi candidata ao governo do Rio de Janeiro pelo Partido dos Trabalhadores (PT) nas últimas eleições e foi alvo de ameaças antes de deixar o Brasil.
Foi uma candidatura quase experimental, porque era um terreno praticamente desconhecido para a candidata. E uma das motivações para escrever Delírio do poder veio da experiência da campanha. “Vivi muitas coisas que considero importantes do ponto de vista do testemunho. As pessoas não sabem o que significa fazer uma campanha política. Elas estão muito distantes da política e existe um imaginário popular em torno do que é política, campanha e jogo de poder”, afirma. “Com o livro, quis partilhar uma reflexão sobre essa experiência para que a gente possa ultrapassar a condição meramente imaginária. Em vez de apenas imaginar o que acontece nos jogos de poder, fui lá ver como era para entender.” Marcia foi filiada ao Psol durante muito tempo, mas foi pelo PT que decidiu concorrer, depois da desistência do ex-chanceler Celso Amorim.
Com prefácio de Luiz Inácio Lula da Silva, Delírio do poder traz 77 ensaios nos quais a autora reflete sobre política, fake news, ideologia, capitalismo, radicalismos, eleições, democracia e o mundo digital. Para Marcia, a era da desinformação entrou em um momento de loucura coletiva na qual a reflexão e a razão ficaram de fora. É preciso recuperar a capacidade e a vontade de refletir para poder compreender como o Brasil chegou ao momento atual, defende ela.
DESCAMINHOS O termo delírio, ao qual dedica alguns dos textos iniciais, vem da psicologia, mas Marcia acredita que pode ser perfeitamente aplicado à política brasileira e, especialmente, às eleições de 2018 e aos descaminhos do atual governo. “Resolvi escrever esse livro porque acho que a população brasileira realmente caiu no delírio. Comecei a usar essas categorias do campo psíquico com um viés político para tentar entender esse cenário do ‘psicopoder’, que é justamente a construção de um delírio de massa, de uma loucura coletiva”, diz. Para a filósofa, apenas o delírio poderia explicar a adesão de 39% do eleitorado a um candidato com traços machistas e que defende a tortura e a ditadura militar.
Marcia dedicou alguns textos a explicar também o porquê de sua candidatura e a contar como viveu a experiência, mas boa parte do livro nasce do esforço de tentar compreender como se articulam a política e seus praticantes. “Eu me dei conta de que o ódio, o nojo e a raiva que as pessoas têm da política são, na verdade, raiva dos jogos de poder. Precisamos recuperar a política e não confundi-la com os jogos de poder. Precisamos ultrapassar os jogos de poder para fazer política”, diz.
As mesmas temáticas que rondam a escrita de Marcia quando se trata de filosofia e política também aparecem em sua obra ficcional. O último romance, lançado quando encerrava Delírio do poder, traz um cenário distópico no qual autoritarismo, machismo e violência se encontram numa personagem sobrevivente de uma ditadura. Sob os pés, meu corpo inteiro é também uma maneira de olhar para o Brasil de hoje.
Delírio do poder
• De Marcia Tiburi
• Record (252 págs)
• R$ 42,90