Convivi pouco tempo com minha sogra, Cecilia Siqueira, que era uma pessoa excepcional. Tinha inteligência e qualidades raras e, como era uma das líderes mais conhecidas da Igreja Presbiteriana do país (seu marido foi pastor), desceu do Nordeste com a família e criou na Zona da Mata mineira um colégio que se tornou tradição em ensino, frequentado por várias alunos que depois militavam em posições políticas nacionais. Falava um inglês fluente, porque passou um tempo nos Estados Unidos, como representante de sua igreja, e mantinha em casa uma professora inglesa com quem batia longos papos.
A primeira vez que ela se hospedou comigo foi quando veio a BH para fazer uma consulta com Hilton Rocha, o superoftalmologista da época. Como tinha um certo relacionamento com ele, consegui a consulta furando a fila que tinha meses de espera. Correu tudo às mil maravilhas e da hospedagem que se repetiu em sua casa em Alto Jequitibá nasceu uma amizade rara, que ela cultivou por uma razão de coração de mãe: ela conhecia o grau de sentimento que me ligava a seu filho querido e caçula, e era isso que importava.
Voltei à cidade quando ela faleceu, e foi um acontecimento inesquecível, não houve católico ou evangélico que não participasse das homenagens finais a uma mulher que colocou a cidade no mapa com sua fé e sua força. Tenho vários cartões que ela me enviou depois que ficamos amigas, nos quais ela sempre me chamava de “minha filha querida”. E me dirigia palavras de amizade e calor humano. Mais do que as convenções sociais que marcavam o mundo naquela época, ela tinha aquela sabedoria de entender que o que valia era o sentimento, o amor cristão.
Durante os 50 anos que durou nossa vida em comum, suas bençãos cobriam uma relação que se completa agora, com esse texto que guardei, escrito por seu filho. Dá um retrato fiel de um relacionamento que vai além das palavras, dos clichês, das mensagens que não partem do coração, enfeitam apenas datas especiais. Guardei durante muitos anos esse texto que seu filho criou para marcar o Dia das Mães – mesmo depois que ela já tinha partido:
O choro silencioso
“As vezes em que o menino viu sua mãe furiosa foram quando queria consertar o comportamento do menino. Nunca houve agressão pessoal, palmadas, coisas assim. Ela se limitava a lhe pedir que cortasse um galho do pessegueiro ou da jabuticabeira, que havia na casa do menino. Ele cortava, obediente que era. Com os galhos, ela lhe dava uma surra, sem rancor, mas com energia.
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Quando, já não era tão menino, seu filho mais novo teve que abandonar a casa de que tanto gostava para enfrentar a vida na grande cidade, ela preparou com todo carinho sua mala. Alegre, sorridente, ela e seu marido foram levá-lo à estação, onde ele iria pegar o noturno da Leopoldina.
Na primeira vez que voltou à casa no contraforte da serra, Cremilda, a empregada, que ajudou a criá-lo, lhe contou que, da estação, sua mãe foi para o seu quarto de dormir que também era seu escritório. Lá, Cremilda a surpreendeu chorando silenciosamente. Ela lhe disse:
– Cremilda, lá se foi o meu caçula!
E continuou chorando silenciosamente.
Minha mãe.” (13 de maio de 2000)