Três estudantes na faixa dos 15 anos param diante de um objeto do acervo do Museu de Artes e Ofícios (MAO), na Praça da Estação. É uma balança do século 18 que era utilizada para pesar escravos. “Achei que era para bicho”, espanta-se uma garota. “Que tristeza pensar que gente era comercializada”, comenta outra. “Me bateu até um peso no coração”, lamenta um rapaz. Nesse momento, surge a figura do historiador Rafael Pereira Santos para participar da conversa e dá mais explicações sobre a peça. O debate vai longe... “É interessante como um único objeto suscita vários tipos de discussão e reflexão. Esse é o nosso papel. Como o próprio nome sugere, somos mediadores entre o público e o acervo e colocamos o visitante como protagonista”, destaca Rafael.
Há nove anos no MAO, ele é hoje analista de mediação museológica e atua também como mediador ou educador. É essa a denominação correta que designa o profissional que realiza visitas com o público em espaços culturais e/ou museus. “Esse conceito de educador foi um ganho muito grande para a área porque valoriza o profissional e o coloca num lugar realmente de importância. O guia é uma coisa mais passiva, engessada. É aquele que conduz a visita de forma discursiva, em que o público tem papel apenas de ouvinte. Já o monitor/educador de museu é muitos mais do que a pessoa que vai simplesmente orientar um percurso ou fornecer um dado. Ele trabalha a experiência, curiosidades e potencializa a visita”, detalha.
Esse aprendizado e a troca de conhecimento contínua são um dos aspectos que mais fascinam Douglas Gonçalves, educador do Inhotim. Há cinco anos no Instituto de Arte Contemporânea e Jardim Botânico, localizado em Brumadinho, ele não se esquece de um comentário feito por uma criança durante uma das visitas educativas. Usando camisa verde do uniforme e uma calça vermelha, ele escutou: “Você está vestido de planta”, reparou o garoto, associando o educador a uma palmeira que tinha o caule vermelho e as folhas verdes. “Criança é sempre espontânea. Aquilo acabou sendo o ponto de partida para uma explicação sobre as palmeiras, sua coloração, origem. A gente tem de estar preparado para tudo, se reinventar o tempo todo e cultivar o interesse dos visitantes. E não é só ter conhecimento empírico. Temos de ter jogo de cintura, saber gerenciar pessoas e mediar situações”.
Não há cursos de formação de educador museológico no Brasil. A preparação acaba sendo feita por cada instituição. Por isso, esse ofício abrange todo o tipo de área. Depende do conceito de cada museu. “Em Inhotim temos fotógrafos, turismólogos, historiadores. Eu sou formado em ciências biológicas e gastronomia. Uma equipe multidisciplinar acaba sendo positiva tanto para o próprio museu quanto para os visitantes. O nosso processo de formação é semanal, porque o acervo está sempre se renovando, seja o artístico ou o botânico”, diz Douglas.
Desde que Inhotim foi inaugurado, em 2006, arte e educação sempre caminharam juntas, como ressalta a gerente de educação do Instituto, Janaína Melo. O espaço já realizou 908.504 atendimentos – internos, a visitantes e junto à comunidade –, incluindo visitas panorâmicas e temáticas, programas de formação e de democratização do acesso. Entre as ações estão uma programação educativa consolidada e programas em prol da disseminação da arte, cultura e dos conhecimentos disponíveis na instituição, como Jovens agentes, laboratório, biblioteca, escola de música e Inhotim para todxs. “A plataforma de educação se torna mais que do urgente nas instituições culturais do país. A visita, que é o primeiro contato com o frequentador, é apenas um dos pilares educativos. É extremamente importante pensar junto não só o papel da instituição, como também seu acervo e o relacionamento com o território em que ele se insere”, defende.
INTEGRAÇÃO
Janaína enfatiza os desdobramentos das visitas e outras atividades educativas em salas de aula, como “integração do processo pedagógico”, incluindo embasamento para professores. Assim como as demais instituições, as idas em grupo a Inhotim têm de ser agendadas.
Olhar múltiplo, abordagem rica
Coordenador de arte do Museu Inimá de Paula, no Centro de BH, André Caviola acredita que o aspecto mais importante de uma instituição museológica é justamente ser um espaço de educação não formal. Por isso, ele acha fundamental que os educadores tenham as mais variadas formações. “Você acaba tendo perspectivas diferentes de aprendizado e de discursos. A própria substituição do conceito de guia para mediador é levar em consideração o conhecimento prévio e a bagagem de quem nos visita também”, diz. Mesmo para quem não faz agendamento é possível contar com o auxílio do profissional durante os passeios pelo espaço. “A nossa equipe fica disponível para quem vem conhecer e tirar uma dúvida ou saber um pouco mais sobre o acervo”, revela.
Educadora do Museu de Artes e Ofícios há apenas seis meses, Thais Martins Costa – formada em arte e cursando pedagogia – salienta que trabalhar com educação de uma maneira tão inusitada e livre é um dos principais atrativos de sua atividade. Além disso, a cada dia aprende algo novo. “Aprendo muito mais do que ensino. Não só por causa da troca com os visitantes, mas porque estudamos constantemente. Trabalhar com algo que você está aprendendo o tempo todo não tem preço”, frisa. O colega Rafael Pereira ressalta que as visitas são únicas, não só em razão da especificidade de cada pessoa, mas pelos próprios roteiros e demandas de que quem vai ao Museu. “Podemos fazer recortes temáticos, já que, por ser um espaço associado à história do trabalho, as possibilidades são múltiplas. Um grupo de universitários solicita aprender mais sobre leis do trabalho. Um outro, de fisioterapia, quer focar na ergonomia no trabalho. Eles vêm conhecer as histórias dos ofícios, mas também querem pensar um pouco além da exposição. E como é uma mediação, essas discussões engradecem o nosso trabalho e vão fazendo do museu um espaço cheio de camadas diferentes”, opina.
Para o educador, sua maior satisfação é ver que o visitante foi tocado pelo acervo e sai dali com uma compreensão de que aquilo de alguma maneira está conectado a seu tempo. “Por mais que esteja deslocado temporalmente da vida dele – já que são objetos antigos –, ele se reconhece aqui. É muito gratificante ver que o visitante sair dali transformado. Ele usa o passado para pensar o presente e refletir sobre o futuro”, interpreta.
INHOTIM: INSTITUTO DE ARTE CONTEMPORÂNEA E JARDIM BOTÂNICO
Rua B, 20, Brumadinho. (31) 3571-9700 e 31 3194-7300. De terça a sexta, das 9h30 às 16h30. Sábado, domingo e feriado: das 9h30 às 17h30. Entrada: Terça, quinta, sexta, sábado, domingo e feriado: R$ 44 (inteira), R$ 22 (meia). Quarta-feira (exceto feriado): entrada gratuita. Moradores de Brumadinho cadastrados (pelo e-mail nossoinhotim@inhotim.org.br) entram de graça e tem 50% de desconto nos eventos especiais realizados pelo Inhotim. Visitas mediadas ou educativas devem se agendadas. Visitas panorâmicas (fornecem um panorama do espaço), acontecem diariamente às 11h e às 14h.
MUSEU DE ARTES E OFÍCIOS (MAO)
Praça Rui Barbosa, 600, Centro. (31) 3248-8600. De quarta a sexta, das 11h às 17h. Sábado, das 9h às 17h. Terças, só com agendamento. Entrada franca.
MUSEU INIMÁ DE PAULA
Rua da Bahia, 1.201, Centro. (31)3213-4320. Terça, quarta, sexta e sábado, das 10h às 18h30. Quinta, das 12h às 20h30; domingo e feriado, das 10h às 16h30. Entrada franca.