Joaquim Maria Machado de Assis nasceu em 21 de junho de 1839, no Morro do Livramento, na região portuária do Rio de Janeiro, filho de um pintor de paredes negro e uma lavadeira branca. O talento para as palavras começou a se manifestar ainda na adolescência – e não demorou para que ele se tornasse escritor reconhecido. Considerado por muitos críticos o maior nome da literatura brasileira, Machado é o patrono da oitava edição do Festival Literário de Araxá (Fliaraxá), que será realizado de quarta-feira (19) a domingo (23).
Na sexta-feira, dia em que Machado completaria 180 anos, ele vai ganhar homenagem no Tauá Grande Hotel, reunindo os escritores Antonio Carlos Secchin, Antônio Torres, Zuenir Ventura, Ignácio de Loyola Brandão e Marco Lucchesi, presidente da Academia Brasileira de Letras (ABL). O "Bruxo do Cosme Velho" fundou e foi o primeiro presidente da instituição. O ator Thiago Lacerda fará a leitura de textos de Machado.
Marco Lucchesi diz que a constelação de escritores reunida em Araxá representa uma forma plural de celebrar o legado desse grande autor brasileiro. "Cada qual forma um algoritmo, uma soma de ideias, e redesenha a melodia do pensamento sob as potências infinitas da leitura. Ao tratarmos de Machado de Assis, não podemos não referir nosso processo de aventura e descoberta, autores e leitores inseparáveis", ressalta.
A ABL também homenageará seu criador com uma série de manifestações ao longo do ano e "belas surpresas", anuncia Lucchesi. "A ideia é combiná-las com a festa de fundação da Casa de Machado, em julho, que é quando a soma de energias produz uma dinâmica vibrante e afirmativa."
Assim como várias gerações de brasileiros, Marco Lucchesi tem no autor de Memórias póstumas de Bras Cubas uma de suas principais referências. "Machado e Dostoiévski foram amigos da minha adolescência. Ambos representavam as forças profundas e contrárias que pressentia dentro de mim. Um hálito de esperança. Um convite para a liberdade. E a certeza de que a literatura era, desde então, um instrumento para interpretar o mundo. O outro nome da minha trindade autoral foi Dante, cujo canto 25 do Inferno é obra-prima da tradução machadiana", destaca.
O presidente da ABL revela ter dificuldade de escolher um livro ou personagem preferido. Elege "todos os centrais e periféricos; os mais voláteis, os mais demarcados". "Palha e Sofia? Certamente. Mas e o porteiro do Senado? Poderia não pensar em Rubião e esquecer o sineiro da torre da Glória? Marcela ou Capitu? Machado é a cidade do Rio, com todos os seus habitantes, passados e futuros, sonhos e fantasmas. Um grande Aleph borgiano", analisa.
angola Se Machado de Assis é o patrono, o homenageado nesta edição do Fliaraxá é Valter Hugo Mãe, escritor angolano radicado em Portugal, que destaca o quanto o brasileiro foi importante em sua formação. "Não se pode falar português sem saber de Machado de Assis. É principesco. Um cavalheiro em toda a sua obliquidade e cultura. Mestre de disfarces, mestre de sentidos. É lindo demais. Muito inteligente."
Valter Hugo não sabe dizer se há diálogo entre sua obra e a do "Bruxo". De acordo com o autor de A máquina de fazer espanhóis, Machado é mais aristocrata do que ele. "A sua atenção passa por alguma desmistificação dos poderes, da posição de elevação social, levantando dúvidas acerca da dignidade dos importantes. Machado explora a arrogância, a pretensão, tudo quanto pretende inebriar ou subjugar os demais. O tom de Machado de Assis é seco, pragmático, numa reflexão clarividente. Eu sou bem de outra maneira, creio. Sou mais poético, intuitivo, busco atentar em gente muito menos conotada com o brio social, o poder ou a importância. Escrevo sobre os desimportantes. São entre quem me vi", afirma.
DE GRAÇA Com programação gratuita, o Fliaraxá vai reunir cerca de 100 autores durante cinco dias. Além de lançamentos, bate-papos, palestras, sessão de autógrafos e de uma livraria exclusiva, oferecerá programação voltada para música e gastronomia.
No projeto Sempre um Papo, escritores conversarão com o público em clima descontraído, em espaços mais intimistas. "A gente sempre escutou dos frequentadores que queriam ter contato mais estreito com escritores que admiram. Praticamente todos os autores do Fliaraxá terão uma hora de conversa para falar de si mesmos, de seu processo de escrita", comenta Afonso Borges, idealizador do festival. Entre os convidados estão José Eduardo Agualusa, Alice Ruiz, Cristóvão Tezza, Edney Silvestre, Luiz Ruffato, Marina Colasanti, Pedro Bandeira, Conceição Evaristo e Márcia Tiburi.
"Cada vez mais, o evento consolida seus laços com a literatura lusófona. Os festivais brasileiros têm fixação com o autor do momento da Noruega ou o poeta mais jovem da Escócia. O Fliaraxá sempre fez questão de valorizar autores brasileiros e da literatura portuguesa", conclui Afonso.
FLIARAXÁ
De quarta-feira (19) a domingo (23), no Tauá Grande Hotel Termas de Araxá.
Programação completa: www.fliaraxa.com.br
Três perguntas para...
Marco Lucchesi
Presidente da Academia Brasileira de Letras
Quando se fala em Machado de Assis, o que lhe vem primeiro à cabeça?
A memória da leitura convoca o meio ambiente dentro do qual se realizou. O livro e as circunstâncias, a geografia emotiva do leitor e seu destino. Machado é um bem republicano que dispensa títulos de propriedade. Pertence a todos, por usucapião. Pela geração de leitores, que o amaram, em tempos diversos, numa gama interpretativa, cujo horizonte não termina. Como nos quadros de Giorgio de Chirico, marcados de infinito.
Vira e mexe, há discussões sobre o tom de pele de Machado e sobre racismo. Recentemente, houve uma campanha para resgatar a imagem de Machado de Assis negro. Como o senhor vê essa questão?
São propostas de impacto social e alto valor agregado. Uma forma especular de representação étnica. A obra de Machado é uma jazida inesgotável, quase intocada. Alguns sinais de quando em quando são emitidos desde profundidades abissais. Importa a lógica da construção dessa catedral submersa, ao mesmo tempo robusta e sutil.
Qual é o principal legado de Machado de Assis?
Seu legado é inabordável. Não permite que se fechem as portas do futuro, não permite o esquecimento do passado. Trata-se de uma escola fascinante, na qual todos os brasileiros nos matriculamos. É nossa casa comum e nossa língua. A matéria tangível de um sonho de olhos abertos.
Machado é um bem republicano que dispensa títulos de propriedade. Pertence a todos, por usucapião"
Marco Lucchesi,presidente da AcademiaBrasileira de Letras
Não se pode falar português sem saber de Machado de Assis"
Valter Hugo Mãe,escritor angolano
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