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'Deslembro' mostra crise de adolescente filha de militantes políticos

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Deslembro, primeiro longa de ficção de Flávia Castro, que estreia nesta quinta (20) nos cines Belas Artes e Ponteio, em Belo Horizonte, nasceu de seu primeiro documentário, Diário de uma busca (2010). O tema de ambos os projetos é a memória; e seu pano de fundo, a ditadura militar. “Queria contar uma história que fosse além da minha própria. Por isso, a ficção”, afirma a cineasta de 53 anos, nascida em Porto Alegre, criada entre Chile, Argentina, Bélgica e França e radicada, desde 2010, no Rio de Janeiro.

Voltando no tempo: no longa documental, Flávia buscava entender o mistério em torno da morte de seu pai, o militante de esquerda Celso Afonso Gay de Castro. Em 1984, ao lado de Nestor Herédia, Celso entrou na casa de um cidadão alemão em Porto Alegre. Os invasores acabaram mortos numa operação policial que não foi devidamente esclarecida. Para o projeto, Flávia lidou com a própria lembrança do período; a de seu pai, por meio de cartas; e a de sua mãe, uma das entrevistadas do filme.

“Fiquei com a sensação (a partir dos relatos) de que as histórias não eram as mesmas. Resolvi então trabalhar a memória de forma mais livre”, afirma a diretora.
Deslembro tem muito da própria Flávia, mas é também uma narrativa totalmente independente. Joana (a estreante Jeanne Boudier, que chama a atenção pela segurança em cena) vive em Paris com a família exilada, quando a anistia é decretada no Brasil.

A contragosto, ela se vê obrigada a acompanhar a mãe, o padrasto e os irmãos mais novos ao Rio de Janeiro, que só conheceu na infância. Em meio às lembranças (delas e de outros), a adolescente tenta encontrar seu lugar no mundo. “No início do projeto, achava que não tinha nada a ver com a Joana. Com o passar do tempo, a personagem foi alimentando sensações que eu mesma experimentei. Coisas ligadas à volta ao Brasil, um certo desconforto e, ao mesmo tempo, um encantamento que vem com a natureza. Eu me identifico com a parte sensorial do filme, mas não com o resto”, diz Flávia.

Ela não tem um pai desaparecido político, como a personagem Joana.
“Esse é um tema que ficou invisível na nossa história”, acrescenta a diretora. A adaptação de uma família trilíngue (todos falam português, francês e castelhano) no Rio de Janeiro entre o final dos anos 1970 e o início dos 1980 (o tempo da narrativa não é especificado) é muito mais relevante no filme do que o pano de fundo político.

OLHO ARREGALADO 

Flávia trabalhou com um elenco infantil de maneira bastante subjetiva. Os dois garotos, Hugo Abranches e Arthur Raynaud, não tinham o roteiro. “Eles não leram, achei mais importante deixá-los descobrir a história. Só contava o necessário (para cada cena). O que eu queria era apresentar situações banais do cotidiano, mais das relações entre eles do que essa história de 'somos filhos de militantes', de olhão arregalado, como o cinema costuma mostrar.”

Com delicadeza e atenção aos detalhes, Flávia vai construindo uma narrativa de afeto e perda. Mesmo sem a intenção, a Joana da ficção tem muito da Flávia. “Tem muita gente comentando comigo de uma entrevista que dei para o Roberto Dávila quando ia voltar da França para o Brasil.
Tinha 14 anos, estava com um grupo de exilados e ele me pergunta: 'Você quer voltar?'. Eu falo: 'Não, porque os homens são machistas.'” Algo que Joana, ao chegar desgostosa a seu país, também poderia comentar.

Deslembro, título tirado do poema homônimo de Fernando Pessoa por sugestão da filha mais velha de Flávia, foi coproduzido por Walter Salles. O longa teve première na edição 2018 do Festival de Veneza. No Brasil, participou, entre outros, da Mostra de São Paulo e do Festival do Rio (de onde saiu com dois prêmios, inclusive o de público).

“No Brasil, ele passou pela primeira vez na Mostra de São Paulo. As sessões foram entre os dois turnos (da eleição presidencial). O filme provocou uma coisa catártica, com pessoas saindo chorando das sessões. Houve jovens que me abraçaram falando daquele momento de absoluto desespero. O filme trata tanto da memória pessoal quanto da memória de um país. Ele chega num momento de resistência feroz à negação da história, pois hoje vemos pessoas enaltecendo torturadores. O filme acabou se tornando uma fresta que tem que ser aberta mais do que nunca”, afirma.


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