Com décadas de uma bem-sucedida carreira e uma participação fundamental na Tropicália, um dos mais importantes movimentos da música brasileira, Gil dispensa apresentações. Autor da trilha do novo espetáculo do Grupo Corpo, com estreia marcada para o próximo dia 7 de agosto, em São Paulo, Gil dá nome também à coreografia criada a partir de sua música.
A cenografia de Paulo Pederneiras também traduz a admiração que a companhia de dança mineira tem pelo artista baiano, que completou 77 anos no mês passado. “É um tapete amarelo, alto. Passa pela ideia de reverência que temos. E o amarelo luminoso tem a ver com o sentimento que eu tenho por ele”, afirma o diretor-artístico do Corpo, que mostrou ontem à imprensa os 40 minutos da coreografia – sem figurino, luz e cenografia finais.
Embora Belo Horizonte seja a segunda cidade a receber Gil – de 27 de agosto a 1º de setembro, no Palácio das Artes, com ingressos entre R$ 50 e R$ 130, já à venda – será a primeira a contar com a presença de Gilberto Gil no teatro. As apresentações serão em programa duplo com Sete ou oito peças para um ballet, a coreografia de 1995 com música de Philip Glass em parceria com o grupo Uakiti.
“Para ele também foi uma experiência muito importante, uma oportunidade de revisitar a própria obra”, diz Paulo Pederneiras. Segundo o diretor artístico, Gil teve total liberdade para criar a música do espetáculo. “Não tínhamos grande proximidade, ele conhecia o Corpo por vídeos e ficou muito tocado e contente com o convite. Normalmente, quando convidamos um compositor, todos perguntam se a gente tem alguma ideia ou conceito sobre o espetáculo, e eu disse que não. Preferimos a influência livre do compositor, com toda a sua carga emocional e maneira de pensar. Sempre foi assim no Corpo”, diz Paulo.
Gil optou por fazer uma música inédita que é, ao mesmo tempo, um apanhado de toda a sua obra. Ele incluiu trechos de canções como Toda menina baiana, Andar com fé e Realce e melodias que passeiam pelos ritmos afro, rock, bossa, samba, jazz e reggae, todos presentes em sua carreira. Na guitarra, teve a companhia do filho Bem, como tem sido frequente em seus trabalhos mais recentes, caso do disco Ok, ok ok, de 2018. Em cena, os bailarinos se movimentam de acordo com essa mistura sonora, com passos igualmente inspirados numa pluralidade de influências.
RECADO
Autor da coreografia, Rodrigo Pederneiras conta que, tão logo o convite foi aceito por Gilberto Gil, o músico lhe mandou um recado: “Vou te dar muito trabalho”. “E deu”, assegura o coreógrafo. “Gil foi abrindo a picada, e eu fui caminhando atrás. Ele quis dar uma referência da obra dele, mostrando coisas novas, é uma trilha desenhada”, afirma Pederneiras, que descreve a abstração da trilha como o grande desafio no processo criativo. “Nos ballets que têm o nome do compositor, tivemos Lecuona (2004), que tem aquelas letras derramadas e apaixonadas, Nazareth (1993), que era uma coisa de época, assim como Bach (1996). O Gil, não. Não sabia por onde pegar, é mais abstrato.” Um caminho foi recorrer a elementos de Gira, o espetáculo anterior da companhia.
Apesar da dificuldade conceitual, Rodrigo observa que a presença de trechos conhecidos dos sucessos do cantor facilitou o trabalho. “Foi um grande barato, porque dá mais força, mais chão. E os bailarinos identificam essas músicas conhecidas e me dão muito material. O grupo inteiro se envolve muito em todos os espetáculos, mas, com essas chamadas de músicas mais conhecidas, o envolvimento é mais espontâneo e mais forte, porque traz delícia, traz lembrança, já que todo mundo já conviveu com elas.” Segundo Rodrigo, Gil já viu e aprovou o resultado.
Se a musicalidade e a coreografia são complexas, o cenário tem uma estrutura minimalista, resumindo-se ao enorme tapete amarelo. O figurino dos 20 bailarinos também tem base negra e elementos coloridos que remetem à brasilidade. Já a iluminação é apontada por Paulo Pederneiras como um dos aspectos mais trabalhosos. A ideia do diretor foi “um moving light, como o de um show, em que a banda fica parada. No nosso caso, temos movimento suficiente no palco”. Segundo ele, são necessárias 10 horas de trabalho para a produção de sete minutos da luz do espetáculo.
Apesar da satisfação e do entusiasmo com a produção prestes a estrear, os irmãos Pederneiras demonstraram preocupação com a conjuntura do financiamento à cultura no país. Com mais de 40 anos de história, prestígio internacional e um projeto social voltado à formação de bailarinos, o Grupo Corpo tem a Petrobras como sua principal patrocinadora. No entanto, o contrato se encerra no fim deste ano e ainda não houve nenhuma conversa para a renovação, segundo Paulo Pederneiras.
“Acompanhamos com medo, receio e preocupação, mas até agora não sofremos impacto direto”, afirmou o diretor-artístico no grupo, salientando que “é complicado não poder planejar a médio e longo prazos”. Paulo observa que “as instituições brasileiras são muito permeáveis a mudanças, coisa que não acontece em outros países”. E dia que “no caso do Corpo, fazemos contrato com dois anos de antecedência. Sem saber qual vai ser o seu orçamento, é sempre difícil”. Por outro lado, ele elogiou a relação com a atual Secretaria de Estado de Cultura e Turismo, citando que o governo estadual é um dos patrocinadores do espetáculo, por meio da Lei de Incentivo à Cultura.
Gil
Espetáculo do Grupo Corpo. De 27 de agosto a 1º de setembro, no Palácio das Artes (Av. Afonso Pena, 1.537, Centro). De terça a sábado, às 20h30, e domingo, às 19h. Ingressos: Plateias I e II: R$ 130 e R$ 65 (meia-entrada); Plateia Superior: R$ 100 e R$ 50 (meia-entrada), à venda na bilheteria do teatro e no site Ingresso Rápido. Mais informações: (31) 3236-7400.