São números astronômicos e, curiosamente, somente o primeiro e terceiro filmes da série Velozes e furiosos registraram um público abaixo do milhão de espectadores no Brasil. O sétimo quase chegou a 10 milhões (9,858 milhões), o oitavo foi a 8,408 milhões. A série toda registrou 31,359 milhões de espectadores no país. Em todo o mundo, a bilheteria ultrapassou US$ 5,1 bilhões (R$ 19,5 bilhões). No início, o público ia ver Vin Diesel e Paul Walker. Quando Walker morreu, num acidente de carro, em 2013, houve até a suspeita de que Velozes e furiosos talvez acabasse. A homenagem ao ator feita no sétimo filme teve um efeito revigorante no público e originou spin-offs, ou seja, uma nova franquia criada a partir de uma já existente, como Velozes e furiosos - Hobbs & Shaw, em cartaz nos cinemas desde quinta-feira passada (1º).
O longa traz Dwayne Johnson e Jason Statham como parceiros. E todo mundo sabe que, em Hollywood, as duplas só funcionam se os parceiros forem disfuncionais. Basta citar Mel Gibson e Danny Glover em Máquina mortífera. Em certos momentos, Johnson e Statham parecem estar num thriller de Quentin Tarantino – não filosofam, como John Travolta e Samuel L. Jackson em Pulp fiction – Tempo de violência, mas falam, falam, falam... Faz parte da graça do filme de David Leitch, diretor de V de vingança, De volta ao jogo, Atômica e Deadpool 2, dizer bobagens, provocar-se. Não apenas Johnson e Statham, mas Statham e Helen Mirren, como sua mãe, que está presa, e Statham e Vanessa Kirby, a irmã, Hattie, o pivô da trama. E o filme ainda tem Ryan Reynolds, de Deadopool, outro campeão do besteirol, e Idris Elba, como Brixton. Na impossibilidade de ser 007, ele vira um vilão (quase) indestrutível, espécie de autoproclamado Superman negro.
OPERAÇÃO Como produto derivado da série criada por Rob Coen, Hobbs & Shaw prescinde da presença de Toretto e seus amigos. Já começa a mil, uma operação de resgate de um vírus com força suficiente para destruir a humanidade, derretendo o interior de pessoas. Hattie/Vanessa comanda o resgate, que parece bem-sucedido, até que entra em cena Idris Elba. Ele saiu do lado do “bem” para se juntar ao mal, uma organização que promete resolver os problemas da Terra e salvar o futuro, matando os fracos e turbinando brutamontes como Elba, que vira um robô meio cyborg. Para impedir que ele se aposse do vírus, Vanessa o (auto) injeta e vira uma bomba viral em potencial. O irmão, Statham, e Johnson são recrutados pela CIA para protegê-la, mas passam meio filme brigando, antes de se aliar pela boa causa.
Johnson, que tem uma filha, vive afastado da sua família à qual precisa voltar por conta da expertise do irmão Jonah/Cliff Curtis, com quem brigou. Em todo o mundo, o cara parece ser o único mecânico que pode consertar o maquinário capaz de expelir do corpo de Vanessa o vírus mortal. Por conta disso, a ação, depois de Londres e de algum rincão da Rússia, transfere-se para Samoa, onde houve, por um momento, a tentação de integrar outro Jason, o Momoa, à trama, mas o sucesso estrondoso de Aquaman tornou-o muito caro, o que não impede que a mãe, obesa e simpática, de Johnson seja chamada a promover a paz entre os filhos e a recitar a grande verdade que resume o conceito dessa aventura.
PROVOCAÇÕES Mais que a tecnologia, que forja super-homens como Idris Elba, o que importa é o coração. O amor, a família. Entre as provocações de Johnson está exibir o bíceps e dizer a Statham que é mais tatuado, dotado e que a irmã do “amigo” poderá escalar seu corpão à vontade.A pergunta que não quer calar: por que Velozes e furiosos faz tanto sucesso e personagens há pouco chegados à franquia, como Hobbs e Shaw, já estão arrebentando? Voltando ao primeiro filme, de Rob Coen, de 2001, que conta a história de policial (Paul Walker) que se infiltra no submundo dos rachas de rua, onde Toretto/Vin Diesel é rei, para investigar furtos. Entre corridas urbanas e pancadaria, o risco de Walker é ser desmascarado, e essa é quase toda a trama.
Nos filmes seguintes, a série incorporou mais violência, sexo, rachas – e mais tecnologia, além de elementos de ficção científica. Como Walker e Diesel, Johnson e Statham representam machos alfa que usam os músculos como as máquinas potentes para se exibir, ou exibir a virilidade. Shawn/Statham arrasa numa perseguição por Londres. e a marca de seu carro é revelada em close, que exibe a logo da McLaren.A defesa da humanidade é um mero pretexto, e o que importa é o exibicionismo do macho alfa. Não apenas – antes de ser Mulher-Maravilha, Gal Gadot já passeou pela série e, no capítulo atual, mãe e filha, Helen Mirren e Vanessa Kirby, além da mãe samoana, também são poderosas. Todo mundo bate e arrebenta, mas o nosso lado, do bem, o faz com o coração. A batalha decisiva é do velho tacape contra armamento de ponta. O que não faltam são piadas. Hobbs diz uma máxima que Hattie atribui a Bruce Lee. Não, é Nietzsche, ele corrige e acrescenta que, a par dos músculos, tem cérebro. No minuto seguinte, outra máxima. É Nietzsche, ela pergunta? Não. Bruce Lee. O importante é não se levar excessivamente a sério. A cultura pop ri de si mesma. (Agência Estado)