Jornal Estado de Minas

Diretor une documentário e ficção em filme sobre tragédia de Mariana


Ativista socioambiental, o cineasta paulista André D’Elia dedicou três anos à preparação do filme O amigo do rei, que aborda o rompimento da barragem do Fundão, em Mariana, ocorrido em 2015. Com estreia nesta quinta-feira (8), o longa tem um formato híbrido entre o documentário e a ficção. Em sua porção documental, o título tenta se aprofundar nas causas e consequências do acidente, intercalando entrevistas e registros factuais. A ficção fica por conta de uma trama satírica em torno do personagem que dá nome ao filme – o deputado Rey Naldo (Luciano Chirolli), que, de forma caricata, se relaciona com lobistas e outros políticos para favorecer os “amigos” das mineradoras nas estruturas de poder e fiscalização.

Nesta década, D'Elia lançou Ser tão velho cerrado (2018), A lei da água (Novo Código Florestal) (2015) e Belo Monte: anúncio de uma guerra (2012), trilogia documental sobre ameaças ambientais. Para abordar a tragédia mineira, o diretor diz ter feito uma  “pesquisa profunda”, tendo partido do contato com promotores do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) no contexto do projeto de informação ambiental Mar de Lama Nunca Mais. Ele faz questão de ressaltar no filme, contudo, que “as ideias e pensamentos apresentados não representam necessariamente o ponto de vista do MPMG”.

O diretor ouve especialistas na indústria da mineração para apontar fatores técnicos que levaram ao rompimento da barragem, assim como falhas de fiscalização por parte do estado e a irresponsabilidade das mineradoras no intuito de intensificar sua atividade para alargar o lucro. “Tentamos mostrar os impactos e falar sobre uma legislação que pudesse melhorar a forma como o governo faz essa mediação da atividade mineradora”, diz D'Elia.

TESTEMUNHOS Com imagens registradas por ele e por colaboradores, a edição inclui testemunhos comoventes de moradores da região de Mariana atingidos pela lama, relatando a dor, os prejuízos e também preconceitos e ataques sofridos em razão do processo indenizatório. O roteiro ainda segue pelo Rio Doce, mostrando danos irreversíveis para comunidades que dependiam do manancial, como tribos indígenas e agricultores, além de populações desabastecidas em Governador Valadares, chegando até o litoral capixaba, onde a destruição também afetou muitas comunidades.

“Minha primeira preocupação foi que todas as pessoas que participaram tivessem sua voz registrada.
Tive um respeito, justamente para honrar a participação dos atingidos. Eram muitas histórias; eu não poderia julgar quais eram as mais importantes. Claro que a montagem tenta tornar isso mais instigante para o público, mas eu mantive (todas), por acreditar que não poderia descartar determinadas falas”, afirma. Uma primeira versão do filme  tinha quatro horas de duração. O corte que chega hoje às salas tem 2h20min, duração incomumente longa para um documentário.

A inclusão da figura do deputado Rey Naldo, segundo D’Elia, veio “da necessidade de representar o sujeito responsável pelo que aconteceu”. Ele afirma que, desde que começou a seguir de perto a história do desastre, “sempre aparecia uma desculpa. Como o próprio filme mostra, a pessoa jurídica é uma ficção.
Senti a necessidade de representar num personagem, que é o sujeito empresarial político e corrupto diluído na sociedade brasileira, que está aí desde o tempo colonial. Queria dar uma cara para isso”. O diretor conta ter baseado diversas cenas do personagem ficcional em situações que testemunhou em Brasília, como conselheiro da Fundação Mais Cerrado.

O amigo do rei alerta para a possibilidade da repetição da tragédia, tanto em sua vertente documental, por meio da fala dos especialistas, quanto na ficcional, que encena o rompimento de mais uma grande barragem, em consequência da atividade irresponsável e ilícita do personagem. O filme ficou pronto antes de 25 de janeiro deste ano, quando ocorreu a tragédia de Brumadinho. André D'Elia conseguiu incluir menções à catástrofe na  cena final. “O povo tem que saber que o que ocorre em Minas é muito grave. Têm informação, mas não se atentam. Meu objetivo era mostrar isso.
Rompeu Mariana e o que aprendemos?”, indaga o cineasta.
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