“Pura emoção”. Assim Dinalva Andrade Martins descreve o show de Daniela Mercury na Virada Cultural de BH, realizado em julho. Do palco, ela podia ver o imenso público que foi à Praça da Estação ver a baiana cantar. De certa forma, Dinalva também foi estrela daquela noite. Lá embaixo, um grupo de 20 surdos dançava, tirava fotos e curtia tudo – todo mundo de olho nela. Especialista em Língua Brasileira de Sinais (Libras), Dinalva traduzia para eles as letras das canções.
“Entrei no clima e dancei até. Ao mesmo tempo, ia passando tudo o que estava acontecendo ali para eles. Os surdos vibraram. Além da diversão, tive aquela gostosa sensação de dever cumprido”, conta Dinalva.
Durante a Virada, não só os artistas chamaram a atenção. Nas laterais dos palcos, tradutores de Libras deram um show a parte. Dinalva, por exemplo, teve um fim de semana puxado: além de Daniela, apresentou-se com Veronez e Odair José, na Rua Guaicurus, além de acompanhar o bloco Chama o Síndico, a Orquestra Royal e a cantora Xênia França.
“É um trabalho pleno. Podemos ver a realização estampada no rosto dos surdos que lá estão. Embora não escutem os sons, eles sentem a intensa vibração. E contam também com a imagem, que é um outro tipo de recepção”, explica a especialista. Formada em Libras e teatro pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), foi ela quem montou a equipe de seis intérpretes que trabalharam na Virada Cultural.
Dinalva é do ramo. Já subiu ao palco ao lado de Erasmo Carlos, do cantor Rubel e de vários rappers. Aprendeu a traduzir para os surdos aquelas letras quilométricas do hip-hop. Em 12 de setembro, estará no Cine Theatro Brasil Vallourec participando da quarta edição da Mostra Cine Brasil de Teatro e Música.
“Faço isso há dois anos. Atuo em diversos eventos, fiz até piquenique literário. Escrevi uma peça para cegos e surdos, Memórias de Ana, que apresentamos recentemente e deve voltar ao cartaz em 2020”, orgulha-se.
Tudo começou quando ela, estudante de teatro, encantou-se pela língua de sinais. “Foi mesmo por causa da acessibilidade, confesso. Fiz os cursos básico e intermediário de Libras, iguais aos outros de qualquer língua. Depois, durante três anos, fiz o curso para intérprete de Libras”, conta.
Dinalva estudou no Centro de Extensão da Faculdade de Letras da UFMG, onde Libras é apenas uma das línguas ensinadas.
A especialista mantém a página “BH em Libras” no Instagram e no Facebook. Entusiasmada com seu ofício, avisa: “No dia 25, começo a ministrar curso de Libras na Associação dos Surdos de Contagem”.
DESAFIO Durante o show de Djonga, que levou 40 mil pessoas à Praça da Estação, Jonnathan Galvão enfrentou o desafio de traduzir em gestos a “metralhadora de rimas” do mineiro, um dos rappers mais importantes do Brasil.
“Foi tudo muito legal. Com certeza, consegui passar para os surdos o que estava acontecendo no palco. Por ser rap, confesso que não foi fácil, mas acredito que cumpri bem o meu trabalho”, orgulha-se. Durante a Virada, Jonnathan também subiu ao palco com Moraes Moreira e participou de dois espetáculos infantis no Parque Municipal.
De acordo com ele, há uma espécie de “pacto” entre o tradutor e seu público. “A gente se posiciona e o próprio surdo, ao nos ver, aproxima-se do palco.”, explica. “No momento em que estamos fazendo a tradução simultânea, passam várias coisas pela cabeça, principalmente quando é música, pois precisamos, por meio do nosso corpo, traduzir o que ocorre através da expressão facial e corporal”.
PESQUISA O trabalho do tradutor de Libras não se limita ao palco. Jonnathan Galvão não conhecia o repertório de Djonga. Antes da Virada, ele pesquisou as letras do rapper na internet.
“Tive menos de um dia para escutar as músicas. Às vezes, também temos dificuldades com o retorno (do som, que permite ouvir o que o artista está dizendo), pois ele nem sempre está de acordo. No caso do Djonga, tivemos um bom retorno. Mas como é rap, fica muito difícil, pois as músicas são rápidas.”
O ideal é que o trabalho seja repassado com antecedência ao especialista em Libras. “Há produtores de teatro que nos mandam antes um vídeo e o texto chega uma semana antes da estreia. Aí posso estudar o material. Pesquiso os sinais, faço ensaios em casa. Agindo assim, já estou mais preparado no dia do espetáculo”. Porém, no caso da Virada Cultural, foi tudo simultâneo – ou seja, na hora.
Galvão conta que a profissão é cheia de desafios, sobretudo na área cultural. “É uma coisa nova, tanto para os artistas quanto para os produtores. Enfrentamos muitos problemas, como pedir para acenderem uma luz pra gente, a necessidade de um bom retorno, coisas assim”.
Quando se interessou por Libras, ele teve dificuldade de descobrir onde poderia aprender a língua de sinais. “Na época, havia pouca orientação, mas encontrei a Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (Feneis), no Bairro Cruzeiro, onde estudei. Curiosamente, muito tempo depois, descobri que tenho uma prima surda.”
Atualmente, Jonnathan Galvão trabalha com palestras, peças de teatro, conferências e em salas de aula.
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