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Estado de Minas Artes visuais

Fotografia experimenta alta valorização e chama a atenção do mercado

A fotografia artística experimenta tendência de valorização e atinge preços tão altos que curadores começam a se preocupar com a possibilidade de saturação do mercado. Assunto foi debatido na 13ª SP Foto, que termina neste domingo (25)


24/08/2019 04:00 - atualizado 24/08/2019 09:46

Índia da população Zo'é passando urucum para colorir o corpo (2009), de Sebastião Salgado
Índia da população Zo'é passando urucum para colorir o corpo (2009), de Sebastião Salgado (foto: Sebastião Salgado/Galeria Mario Cohen/Divulgação)

São Paulo – Mais do que imitar, a fotografia retrata a vida em forma de arte. É o que fica claro nos corredores da 13ª edição da SP Foto, em cartaz até domingo (25), em São Paulo, reunindo coleções de 33 galerias, nacionais e estrangeiras. Assinadas por artistas em ascensão ou por nomes consagrados, como o do mineiro Sebastião Salgado, as imagens mostram a diversidade de linguagens que consolidaram a prática como atividade artística de valor conceitual e monetário, além da óbvia capacidade de documentar a realidade.

Todas as imagens estão à venda, por cifras que podem chegar à casa das centenas de milhares de reais. Que a fotografia atingisse um patamar de valorização semelhante ao de artes mais tradicionais era impensável há algumas décadas.  Em 2002, o publicitário Mario Cohen foi pioneiro no país, ao abrir uma galeria com seu nome totalmente dedicada ao tema, sob a perspectiva de “fine art”. Ele mostra parte de seu grande acervo ao público da SP Foto, incluindo registros já conhecidos feitos por Sebastião Salgado em 2009 da tribo Zo'é, uma das mais remotas da Amazônia, e uma fotografia inédita, chamada Índia se maquiando, de 2016.

O galerista explica que, em suas primeiras décadas, entre 1850 e 1910, a fotografia era comercializada “a peso”. “Comprava-se um quilo de fotografia, e a maior parte delas eram cenas da natureza ou da paisagem urbana”, diz Cohen. Segundo ele, apenas quando o MoMA, em Nova York, criou um departamento específico para o formato, logo após a Segunda Guerra, é que a fotografia começou a ser reconhecida como arte. Na América Latina, essa mudança veio apenas nos anos 2000.

“É um processo que está crescendo e amadurecendo rapidamente. É difícil comprar, mas, em alguns casos, muitas fotografias custam mais que pinturas importantes. Um Sebastião Salgado pode custar R$ 300 mil, R$ 400 mil, dependendo do tamanho”, exemplifica Cohen, que manteve os preços do acervo de sua galeria sob consulta e não os revela à reportagem. Além de expositor, ele também foi um dos palestrantes da SP Foto. Na quinta-feira (22), participou da mesa com o tema “O sucesso pode estragar a fotografia?”.

“Esse título é provocador, mas eu o interpreto da seguinte maneira: a vida de um artista, mesmo dos grandes, é difícil de manter. Alguns, quando atingem um sucesso comercial, abrem mão de continuar criando e, invariavelmente, isso significa uma queda. Essa é minha leitura, de que é necessário desejo e incentivo para continuar a se reinventar”, opina Cohen, que dividiu a mesa com Barbara Tannenbaum, curadora do Cleveland Museum (EUA).

Pela primeira vez no Brasil, Tannenbaum diz que veio “aprender sobre a fotografia brasileira, que tem uma contribuição reconhecida para a arte da fotografia no mundo”. Segundo ela, “fotografia era uma arte de segunda classe até os anos 1970 e 1980”. A mudança desse cenário se deu por uma série de razões, como o acesso a novas tecnologias, que permitiram imagens mais sofisticadas e o consequente surgimento de um mercado interessado nelas, com preços em constante elevação. Porém, em especial, ela aponta como fatores determinantes a criação de departamentos de fotografia pelos grandes museus do mundo, além da inclusão da fotografia nos cursos ligados à arte nas universidades, já que, antes, o tema só era ensinado no jornalismo.

Homem subindo árvore gigante, de Sebastião Salgado
Homem subindo árvore gigante, de Sebastião Salgado (foto: Sebastião Salgado/Galeria Mario Cohen/Divulgação)


MERCADO 

No entanto, apesar da tendência de valorização da fotografia artística, Tannenbaum alerta para as consequências da escalada de preços nesse mercado. “A fotografia continuará importante, com museus colecionando e preservando. Há uma revolução digital, com o vídeo muito sedutor para as gerações mais jovens, mas você não pode tê-lo com objeto, para exibi-lo como um troféu em sua casa. Não há o sentimento de possuí-lo. Por isso a fotografia continuará cumprindo seu papel e ainda fazendo dinheiro por muitos anos, mas, se tudo fica caro demais, o mercado encontra outra mídia que seja mais barata agora para torná-la cara depois. Isso me preocupa um pouco”, diz a norte-americana.

Os preços das fotos expostas na SP Foto variam entre R$ 2 mil e R$ 250 mil, segundo a curadora Fernanda Feitosa. Entre as mais valiosas, um retrato em preto e branco de David Bowie feito pelo alemão naturalizado australiano Helmut Newton, em 1984, do catálogo da galeria MaPa. Além dele, outros nomes consagrados da fotografia mundial estão presentes, como o brasileiro Christian Cravo, o britânico Martin Parr e a norte-americana Francesca Woodman (1958-1981), que se matou aos 22 anos, cujo autorretrato, exposto pela galeria Mendes Wood DM, pode ultrapassar os R$ 100 mil. No entanto, Feitosa destaca a média de preços (em torno de R$ 15 mil) como uma oportunidade para quem deseja começar uma coleção.

O objetivo da curadoria, diz Feitosa, é formar um novo público para a arte fotográfica no Brasil, a partir de uma exposição plural, com palestras gratuitas e visitas guiadas disponíveis. “Surgem todas as temáticas possíveis. Mostramos o passado, com os pioneiros da fotografia moderna e do fotojornalismo, para dar um panorama histórico ao público. Também entram experimentações, reforçadas pela tecnologia atual, com digital e tridimensionais. Em relação á arte, temos uma gama enorme, com narrativas e trabalhos que versam sobre vários temas da nossa sociedade. Temos registros ambientais, por exemplo, e a preocupação em discutir temas urgentes e atuais, como religião, segregacionismo, pertencimento. Isso permeia o que está aqui.”

Na semana em que as atenções do mundo se voltam para a Amazônia, em razão das queimadas na região, os olhares sensíveis para ação humana sobre a natureza local ganham notoriedade especial na feira fotográfica. É o caso do paulista Caio Reisewitz, representado pela Galeria Luciana Brito, com seu projeto Altamira, que registrou as transformações ocasionadas pela construção da Usina de Belo Monte, no município paraense. “Essas imagens falam justamente sobre esta semana – o desaparecimento, essa falta de ação que a gente tem. As fotos que apresento aqui trazem uma dupla coincidência. Altamira, que fotografei antes e depois da construção da Usina de Belo Monte, é hoje um dos municípios mais afetados pelas queimadas. E essas fotos são uma interpretação minha sobre o desaparecimento da imagem e do lugar, uma mata ainda intacta que fotografei lá”, diz Reisewitz, citando uma de suas fotos, produzida com uso da técnica de solarização, segundo ele, para expressar esse sentimento. “A fotografia tem um poder forte de representar uma realidade, esse imediatismo e essa capacidade de chocar e trazer questionamentos.”

*O repórter viajou a convite da SP Foto




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