Eles fazem turnês, concertos, lançam discos, dão canja em apresentações de colegas e ainda arrumam tempo para ser professores. Artistas mineiros com carreiras consolidadas têm se destacado também dentro da sala de aula, em um curso que se tornou referência no país – o bacharelado em música popular da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). A graduação, a segunda do gênero no país (o primeiro curso surgiu na Unicamp), está completando 10 anos. A iniciativa fez parte do Reuni, programa de apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais Brasileiras, instituído em 2007, no segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva.
Bem antes disso, em 1994, o flautista Mauro Rodrigues começou a implantar projetos de música popular na Escola de Música da UFMG, com respaldo e aceitação dos professores da vertente erudita, segundo ele diz. “As escolas de música no Brasil têm a tradição de seguir o modelo europeu. Mas, a partir do Reuni, a gente vislumbrou que era possível, sim, criar um curso todo dedicado à música popular aqui em Minas, porque algumas disciplinas já estavam sendo ofertadas como optativas”, conta. Na avaliação do professor, “o curso formou e tem formado uma geração de músicos excepcionais”. Prova de seu sucesso é que “temos recebido alunos não só de Minas, como de outros estados do Brasil e até de outros países”.
O bacharelado conta atualmente com 10 professores. Assim como Mauro Rodrigues, os demais – André “Limão” Queiroz, Cléber Alves, Clara Sandroni, Fernando Braga, Wilson Lopes, Rafael Martini, Pablo Camisão Melo de Souza (coordenador do curso), Michel Maciel e Pedro Mota – aliam a carreira acadêmica e a musical. “É uma linha muito tênue que separa o músico profissional do professor. As duas coisas andam juntas”, diz Rodrigues, que tem entre seus trabalhos mais conhecidos a Suíte para os orixás, ao lado do baterista Esdra “Neném” Ferreira.
Para Limão, dar aulas é uma consequência da busca pela evolução de sua performance. “A preparação da minha aula passa pela minha preparação como músico. Minha didática é toda em cima disso. Quando você compõe uma música, quando participa de uma turnê, quando estuda algo, tudo isso se transforma em material de ensino. É uma coisa só e uma via de mão dupla”, assegura.
Os músicos/professores afirmam que até o estímulo e a satisfação com as duas atividades são similares. “A música é um legado que a gente tem a obrigação de passar adiante, seja tocando, dando aula, ou as duas coisas. A gente aprende muito ensinando também. Acho que, mais do que uma faculdade, a escola de música é um ponto de encontro, de compartilhamento de experiências. A coisa que mais me alegra nessa minha trajetória de professor é o contato com o pessoal mais novo, meus alunos. Poder transmitir alguma ciosa e também aprender. É uma troca constante”, diz Rodrigues.
O violonista e guitarrista Wilson Lopes afirma não ter dificuldades para conciliar sua agenda de diretor musical e arranjador dos discos e shows de Milton Nascimento com sua vida na UFMG. Professor desde 2010, ele até criou no curso de música popular duas disciplinas sobre a música de Bituca. “Tem a 'Milton I' e a 'Milton II', uma por semestre. Neste ano, estou unindo o útil ao agradável. Como estamos com a turnê Clube da esquina pelo país e exterior, trabalho precisamente essa temática com os meus alunos. No fim do semestre, eles vão fazer uma réplica do show do Milton”, conta.
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Quem passa pelo bacharelado também tem a oportunidade de fazer parte da Gerais Big Band, que é uma matéria obrigatória nos últimos quatro semestres (o curso tem oito semestres no total). Coordenada pelos professores e músicos Cléber Alves e Rafael Martini, a orquestra é uma oportunidade para jovens artistas terem essa experiência de um grande grupo. “Vira e mexe, temos projetos com músicos convidados, como Nelson Ayres, Vittor Santos. Os alunos ainda têm a oportunidade desse contato”, cita Cléber Alves, que participou do nascimento do bacharelado.
“Eu estava na Alemanha, fazendo um curso de música popular. Mauro (Rodrigues) tinha essa intenção há algum tempo e me chamou. Muitos colegas meus na Europa sempre me perguntavam se não teria como fazer um intercâmbio no Brasil para estudar música popular aqui. O bacharelado da UFMG, assim como outros que surgiram pelo país, veio preencher essa lacuna. É um privilégio BH ter uma graduação como essa, ainda mais em uma universidade pública”, avalia Alves.
Além de dar aulas do instrumento em que é especialista – no caso de Cléber Alves, o saxofone – os professores ministram outras disciplinas, como improvisação, rítmica, arranjos, produção musical. O saxofonista afirma que a prática é um dos pontos mais importantes do aprendizado e se recorda de que, quando estava na Alemanha, os professores faziam questão de levar suas turmas para tocar em clubes de jazz. “Desde os primórdios aqui na UFMG havia essa demanda de levar os alunos para lugares externos. Assim a garotada começa a entender o mercado fora da escola. Sempre que posso, faço questão de assistir aos concertos dos meus alunos e vice-versa”, conta.
Mesmo não acompanhado diretamente um artista, como é o caso de Wilson Lopes com Milton Nascimento, Cléber Alves tem uma programação intensa. “Tenho um trabalho instrumental como compositor há anos. São vários projetos. Já lancei quatro discos. A gente sempre está se apresentando em vários cantos, não apenas sozinho, mas com amigos. Mesmo assim, consigo me dedicar muito à vida acadêmica, porque é uma responsabilidade enorme. E te digo que o fato de ter um corpo docente tão qualificado vem atraindo alunos de vários lugares. E isso é muito bacana.”
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