São dezenas de atrações, entre bandas e artistas solo ou com convidados especiais, ocupando dois ou três palcos, simultaneamente. Os ingressos podem custar até mais do que uma centena de reais, mas, para parte do público de grandes festivais de música, o melhor está longe dos principais holofotes.
Nos últimos anos, a música eletrônica e as discotecagens ganharam espaço e importância em eventos voltados para outros ritmos. Com uma base de fãs fiel e propostas conceituais que agradam a curadores e produtores, o gênero se firma como alternativa para muita gente que prefere trocar um show pela vibração festiva e dançante.
No último sábado (31), o Festival Sarará, na Esplanada do Mineirão, fiel à sua proposta de ecletismo musical e celebração da diversidade, reuniu nesta edição as rimas de Djonga, com participação especial de Mano Brown; Baco Exu do Blues, o canto de Letrux com Marina Lima, Duda Beat com Pabllo Vittar, a melodia do Lagum, a potência das guitarras do BaianaSystem e o headliner Gilberto Gil.
Sem contar outro palco menor, dedicado a artistas independentes locais em início de carreira. Porém, a megaestrutura montada para receber 35 mil pessoas ainda reservava um espaço ocupado por duas propostas musicais “mecanizadas”, que já possuem sua história na capital mineira.
Durante 12 horas de programação, a Tenda Despertar, armada em uma área distante dos palcos principais, alternou entre as discotecagens dos coletivos Alta Fidelidade e 1010. O primeiro foi formado em BH há 10 anos pelos DJs Fael, Garrell, Deivid e Kowalsky.
A proposta abraça vários ritmos musicais, com hits do funk, soul, reggae, rock, disco, rap, brasilidades, reproduzidos sempre com discos de vinil. Mensalmente realizada como uma “festa” em casas noturnas da cidade, a proposta ganha outra proporção quando sai para um campo aberto, como o do Sarará.
“Gostamos muito desse tipo de pista. Se, por um lado, é diferente das festas mais intimistas, esse espaço aberto e o tipo de energia nele nos permite tocar músicas com mais grave”, afirma Richard Garrell.
Segundo ele, o repertório não se diferencia tanto. “O que muda é a proporção do timbre, que vai variar nesse tipo de sistema de som, com grave maior. Para montar o set e escolher os discos, pensamos no espírito do festival e em focar num som que tenha a ver com essa pista. O Sarará é muito legal, porque é muito diverso”, diz o DJ, que neste ano foi atração do MecaInhotim .
O resultado são músicas muito conhecidas do público numa batida intensa o suficiente para fazer quem está na pista esquecer que há uma banda ou um cantor no palco a alguns metros dali.
Quando a 1010 assume as pick-ups, a vibração fica mais intensa. No entanto, a proposta vai muito além do “tunts tunts”. Criado em 2015, o coletivo é um dos expoentes da cena eletrônica contemporânea de BH, assim como o Masterplano.
Além de celebrar os ritmos mecanizados, como house (mais suave) e techno (mais intenso), com o trabalho de seus DJs residentes e artistas convidados em algumas ocasiões, o coletivo tenta promover o respeito e a representatividade, ocupando espaços urbanos da cidade.
Poder participar de um grande festival de música é “uma realização” para os envolvidos, que têm como principal objetivo “criar espaços para a música eletrônica fora dos clubs”, onde, segundo eles, “prevalece uma lógica heteronormativa”.
O maquiador Mayson Mak com a amiga Roberta Lopes: %u201CAqui é minha origem, é de onde venho e onde me encontro%u201D - Foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A.Press
“Estar no festival é totalmente diferente dos nossos eventos nas ruas, mas é tudo sobre alcançar espaços. Somos uma festa que começou debaixo de um viaduto e hoje estamos no maior festival de Minas, mostrando o lado B da música eletrônica e do underground de BH, que fica apagado o ano inteiro. É o sonho de pessoas periféricas, de pessoas trans e travestis, que formam nosso público. É muito bom o festival nos dar esse protagonismo”, diz Arthur Cobat, produtor e criador do 1010, que também esteve no MecaInhotim.
Frenético na pista de dança, o público confirma os discursos. Afonso Fernandes, redator de 25 anos, preferiu a discotecagem do Alta Fidelidade ao show do Lagum, no momento em que a banda mineira estava no palco principal.
“Não sou tão fã da banda e essa batida aqui me agrada mais. Mas transito entre as duas áreas, de acordo com O que está rolando”, disse. Como a Tenda Despertar ficava sob a sombra do estádio, também foi um reduto para quem procurava fugir do sol escaldante da tarde, como fez a estudante de artes visuais Letícia Rodrigues, de 21, que acabou gostando e ficando.
Se uns transitam de acordo com os interesses momentâneos, outros tinham o palco eletrônico como seu destino principal no festival. É o caso da produtora de eventos Roberta Rocha, de 23. “Aqui o som é melhor do que em qualquer outro lugar do festival. A 1010 é minha prioridade”, disse. É o mesmo para a atendente Roberta Lopes, de 38.
“Tanto o público quanto a música são melhores aqui (na Tenda Despertar). Os DJs estão arrasando. Até fui ver um show no outro palco, mas preferi ficar aqui, pela 1010 e pela Alta Fidelidade.” Amigo dela, o maquiador Mayson Mak, de 25, disse: “Meu propósito no festival é a 1010. Até tenho acesso ao camarote open bar, mas aqui é minha origem, é de onde venho e onde me encontro”.
CENA
A conexão com esse público e a proposta conceitual tornam o eletrônico atraente para os festivais. Victor Diniz, um dos sócios responsáveis pela curadoria do Sarará, entende que a inclusão de coletivos como a 1010 casa muito bem com a proposta do evento. “BH tem a sorte de ter uma cena muito legal de coletivos que ocupam ruas e levam o techno para fora das boates. Somos fãs da Masterplano e da 1010. Então é um jeito legal de ampliar e trazer um público mais jovem, que não está tão ligado nas bandas autorais e ainda prestigiar essa cena específica, pois trazer esse movimentos das ruas está no DNA do Sarará”, afirma. “Além disso, embora seja um evento paralelo para uns, é uma surpresa para outros. Muita gente acha que jamais curtiria uma rave e acaba conhecendo e gostando. Construir essas pontes também é nosso objetivo aqui”, argumenta.
Neste mês de setembro, o Rock In Rio novamente dedicará um de seus palcos ao eletrônico, mas desta vez com muito mais força. Chamado New Dance, o palco terá 65 metros de extensão, 24 de altura e um telão de 560 metros quadrados de LED. Por ele passarão alguns dos principais DJs do mundo, como Alesso, Tropkillaz, Vintage Culture e Infected Mushroom.
Mas também haverá espaço para a nova geração, com representação especial para Minas Gerais, com a DJ Barja, o duo Breaking Beattz e o DJ KVSH, que esteve na edição deste ano do Lollapalooza, em São Paulo. O Rock In Rio será realizado nos dias 27, 28 e 29 de setembro, e em 3,4,5 e 6 de outubro.
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