Na semana em que se completou um ano do incêndio do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, edificação também conhecida como Palácio de São Cristóvão, que serviu de residência para a família imperial brasileira, chega às livrarias a biografia de um dos mais destacados ex-moradores do edifício histórico – Dom Pedro II (1825-1891). Governante que permaneceu mais tempo no poder no país (49 anos), ele nasceu no palácio e viveu ali boa parte de sua vida.
O acervo do Museu Nacional contava com coleções pertencentes ao imperador, como a de múmias, e também de sua mãe, a imperatriz Leopoldina. “Boa parte da documentação que utilizei está no Museu Imperial, em Petrópolis, mas é lamentável que um lugar onde nasceram dois monarcas – Dom Pedro II e a irmã Dona Maria II, que foi rainha de Portugal, e ainda foi o ambiente onde boa parte da trajetória do império – tenha sido praticamente destruído. Infelizmente, pouca coisa restou”, lamenta o historiador Paulo Rezzutti, autor de Dom Pedro II – A história não contada: O último imperador do Novo Mundo revelado por cartas e documentos inéditos.
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Artistas e público desafinam em relação a xingamento a Jair BolsonaroBelo Horizonte é cenário de série oitentista do Canal BrasilLivro do cineasta Rafael Conde aborda a relação entre ator e câmeraPesquisador escreve biografia de 700 páginas de Jacob do BandolimSelton Mello: "Eu não sei quem é dom Pedro II"Peça de teatro acentua importância histórica da mulher de D. Pedro I'5x comédia' ri de grandes temas e de pequenas tragédias do cotidianoO historiador afirma que, entre as figuras históricas que biografou, Dom Pedro II é o dono da vida mais intensa. Aos 5 anos já era rei, pois Dom Pedro I abdicou do trono em 1831 e foi embora para Portugal deixando no Brasil quatro filhos pequenos. Aos 9, o imperador era órfão de pai e mãe. Num soneto escrito em 1850, quando tinha, portanto, 25 anos, Dom Pedro II abordou a conotação trágica de sua infância. “Coube-me o mais funesto dos destinos: vi-me sem pai, sem mãe, na infância linda”, escreveu.
No livro de Rezzutti, há comoventes passagens sobre esse período, como a que descreve a morte do pai do pequeno rei, em 1834. O menino imperador sabia que o estado de saúde de Dom Pedro I era grave e mandou algumas cartas ao seu “querido papá do coração”, querendo saber notícias. Ficou sem resposta.
A notícia da morte de Dom Pedro I lhe chega por meio de uma carta de Dona Amélia, sua madrasta. De acordo com a filha de uma das aias do Palácio de São Cristóvão, a informação sobre o falecimento do pai foi dada por três pessoas, simultaneamente, para as três crianças – Januária, de 12 anos; Francisca, de 10, e Pedro, de 9, que se encontravam em diferentes locais do palácio. Dona Paula Mariana, a outra filha, morrera pouco antes, aos 9 anos).
“Por um singular movimento instintivo, o príncipe e as princesas saíram dos aposentos em que se achavam, com o único fito de se procurarem reciprocamente. Encontrando-se logo, todos três se enlaçaram no mais amplexo mudo, até que torrentes de lágrimas e ais prorromperam dos amargurados peitos, com uma intensidade e afeto filial capaz de comover o mais empedrado coração que semelhante espetáculo presenciasse...”, relata um dos trechos da publicação.
“A infância e a juventude foram bem sofridas. Não só por essa questão familiar, mas com relação aos tutores, já que José Bonifácio, o primeiro deles, de quem ele se apegou muito, foi substituído. Dom Pedro II vai perdendo as referências mais importantes da sua vida e acaba se tornando uma pessoa mais fechada, insondável, como se fosse uma esfinge”, aponta o autor.
Outros escritores já se debruçaram sobre a trajetória do pai da princesa Isabel, inclusive quando o imperador ainda estava vivo. Paulo Rezzutti fez a opção por focar na personalidade do rei e fazer um mergulho em sua intimidade. O pesquisador diz ter tido acesso a documentos nunca antes consultados, como uma carta de Dom Pedro II para um escritor francês na qual comenta sobre a morte da imperatriz Teresa Cristina e fala das saudades que sentia da esposa.
Essa carta faz parte de um lote entregue em 2017 pelo presidente russo Vladimir Putin ao então mandatário brasileiro Michel Temer e hoje se encontra no Museu Imperial. Outra novidade é uma carta do Conde D’Eu, marido da princesa Isabel, à Condessa de Barral, uma das amantes de Pedro II, narrando os bastidores do 15 de novembro, quando se deu a Proclamação da República, e do banimento da família imperial do Brasil.
Além de revelar o conteúdo dessa carta, Dom Pedro II – A história não contada se ocupa de outros aspectos da movimentada vida amorosa do rei brasileiro. Segundo o escritor, embora fossem de conhecimento de outros autores, as cartas que D. Pedro II dirigiu às amantes e que se encontram na Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, nunca haviam sido reproduzidas na íntegra em um livro.
A biografia publica a correspondência, com cartas de várias mulheres para D. Pedro II e algumas dele para elas. Rezzutti observa que há missivas datadas do mesmo dia, ou dias próximos, para duas amantes diferentes, nas quais o missivista jurava a cada uma que não sabia o que era o amor antes de conhecê-la. “O livro desmitifica um pouco essa figura, mostrando que ele era de carne e osso, como qualquer um de nós.Tinha defeitos, qualidades, fraquezas e limitações, como todo ser humano. Dom Pedro I ficou com essa imagem forte de namorador, mas Dom Pedro II não ficou atrás. Só que era bem mais discreto que o pai”, afirma.
Apesar de muitos pesquisadores relacionarem o imperador à figura da mãe, não só por sua semelhança física, mas também por compartilharem o interesse pela cultura, as artes, a ciência, a história e a filosofia, a grande influência de D. Pedro II foi o pai, segundo Rezzutti. “A mãe morreu dias após Dom Pedro completar um ano. Ele tinha lembranças dela por meio de suas coleções, que ampliou, mas a proximidade maior foi com o pai, com quem conviveu até os 5 anos e rocou cartas durante mais três”, aponta.
Na correspondência entre pai e filho, “Dom Pedro I está sempre estimulando-o a estudar, dando conselhos políticos, mostrando qual caminho deveria seguir. O filho guardou essas cartas ao longo da vida e sempre as consultou. E ambos eram também muito ansiosos, apressados. Tinham muita coisa em comum”.
Com tendência cosmopolita, o imperador viajou muito, dentro e fora do país e se aproximou de intelectuais, pesquisadores e artistas estrangeiros, como o cientista francês Louis Pasteur (1822-1895) e o compositor alemão Richard Wagner (1813-1883). “Foi ele também que trouxe o telégrafo, o telefone e a fotografia para o Brasil. Era um cara antenado com tudo o que acontecia no mundo. Acho que o grande legado dele é o seu modelo de governo. Houve pouquíssimos como Dom Pedro II que colocaram o Brasil acima de tudo, dos partidos políticos, ao ponto de nomear ministros republicanos pensando no melhor para todos. O foco sempre foi o país”, diz Rezzutti.
Dom Pedro II – A história não contada. O último imperador do Novo Mundo revelado por cartas e documentos inéditos
Paulo Rezzutti
LeYa (576 págs.)
R$ 69,90
Lançamento do livro em Belo Horizonte nesta quinta-feira (5), às 18h, na Livraria Leitura do Pátio Savassi (Av. do Contorno, 6.061, Savassi). Às 20h30, no Teatro I do CCBB (Praça da Liberdade, 450), o autor ministra palestra sobre a princesa Leopoldina. Entrada franca.
PERSONAGEM DE NOVELA
Dom Pedro II estará na tela da Globo no primeiro semestre de 2020, quando estreia Nos tempos do imperador, na faixa das 18h. Com texto de Alessandro Marson e Thereza Falcão, a novela é uma espécie de continuação de Novo mundo (2017), dos mesmos autores e que abordou o primeiro reinado. O ator mineiro Selton Mello dará vida ao protagonista. Letícia Sabatella, Mariana Ximenes e Alexandre Nero também estão no elenco.