Jornal Estado de Minas

'5x comédia' ri de grandes temas e de pequenas tragédias do cotidiano

Luis Miranda vive a arrogante e embebedada Madame Sheila - Foto: Renata Caldeira/Divulgação
Bebendo na fonte do humor para pensar sobre a realidade, com uma visão descontraída de aspectos sociais e comportamentais, o espetáculo 5 X comédia chega a Belo Horizonte para duas apresentações, neste sábado (7) e domingo (8), no Grande Teatro do Palácio das Artes.
 
Trata-se de uma nova versão da montagem que se tornou popular na década de 1990. Em 1995, 5 X comédia teve textos de Mauro Rasi, Pedro Cardoso, Hamilton Vaz Pereira, Vicente Pereira e Luis Fernando Verissimo. Na atual versão, assinam a dramaturgia Antonio Prata, Jô Bilac, Pedro Kosovski, Julia Spadaccini e Luis Miranda.
 
No elenco, Bruno Mazzeo, Deborah Lamm, Katiuscia Canoro, Lucio Mauro Filho e Luis Miranda. Os atores encarnam personagens que satirizam diferentes características da sociedade moderna, em performances divididas em cinco esquetes. Cada ator teve liberdade para criar, o que resultou em universos diferentes em cada esquete. 

“As histórias compreendem desde personagens da fantasia, como a Branca de Neve, um pai de primeira viagem, uma figurante que quer ser atriz, um homem desempregado e estressado que tenta meditar, até uma madame pernóstica", conta Monique Gardenberg, que assina a direção ao lado de Hamilton Vaz Pereira.
 
Na lista de temáticas estão ainda referências ao novo feminismo, à intolerância que desafia os limites entre civilidade e barbárie e ao desenho animado Peppa Pig.
Todos os assuntos vão surgindo em citações que aparecem aqui e ali.

Ainda na galeria dos temas, Monique cita menções a redes sociais e ponderações sobre o uso da tecnologia, que muitas vezes se torna uma prisão para o indivíduo, na medida em que se desligar completamente acaba sendo algo não muito simples. Também são feitas críticas sobre relações de consumo, em um conjunto de cenas que colocam ainda na balança os sucessos meteóricos da internet, quase sempre não firmados em um talento real, mas, antes, fruto de um senso de oportunidade ou modismos.
 
"Não trabalhamos o humor depreciativo, a não ser a autodepreciação e o autodeboche. Não fazemos brincadeiras que reforçam estigmas, que oprimem quem já está oprimido. É um humor inteligente, não apelativo. O intuito é levantar questões acerca dos rumos da sociedade, dos padrões contemporâneos de comportamento, por meio do humor. Afinal, rir de nós mesmos ajuda a fazer o outro rir de si mesmo", afirma Monique. 
 
Hamilton Vaz Pereira descreve a versão atual como corajosa. "Quem viu lá atrás pode querer comparar, e isso é um perigo.
Mas a nova montagem não se amedronta. É o que se percebe nos textos que recebemos e na vitalidade que está sendo mostrada por cada intérprete", diz o diretor. O escritor e roteirista Antonio Prata comparece com Nana, nenê, seu primeiro texto para o teatro.
 
O quadro expressa o desespero de um clarinetista com a experiência de ser pai. Na pele de Rodrigo, Bruno Mazzeo é um homem enlouquecido entre escalas de mamada e métodos para fazer o bebê dormir. Julia Spadaccini assina Branca de Neve, esquete em que a personagem interpretada por Debora Lamm batalha para se desapegar da vida de princesa. Em Milho aos pombos, de Pedro Kosovski, Katiuscia Kanoro é uma eterna aspirante ao posto de atriz. Lucio Mauro Filho é o protagonista de Bola branca, texto de Jô Bilac. 

Lucio Mauro Filho faz personagem que tenta meditar em meio ao caos - Foto: Renata Caldeira/DivulgaçãoEle interpreta um homem que, em meio ao caos urbano, tenta meditar por conta própria e usa para isso um aplicativo.
Mas não consegue se concentrar. Quando inicia o processo de meditação, muita coisa lhe toma a atenção – ou recebe mensagens, ou o interfone toca, ou a vizinha aparece para discutir o rodízio na garagem, ou recebe uma entrega de comida por engano e até uma agência de emprego telefona.
 
"Ele descobre que o buraco é mais embaixo. É um personagem com quem o público se identifica, e as pessoas acabam rindo de si mesmas", comenta o ator. Na opinião do ator, a discussão é atual e pertinente. "Vivemos uma eterna expectativa sobre o que vem dos aparelhos eletrônicos, algo que deixa qualquer um maluco. Se acontece alguma coisa com o celular, por exemplo, ficamos quase órfãos. 

Uma das ideias é fazer as pessoas se colocarem a favor ou contra tanta informação. Recebemos uma enxurrada de notícias, e é quase impossível se desligar e ter tranquilidade. Somos tomados por uma onda de agressividade, pela cultura do ódio, algo totalmente destrutivo. E muita gente busca fazer frente a isso pela religiosidade, pela espiritualidade e mesmo pela meditação", comenta. 

Ainda que sejam máquinas muito úteis, nas palavras do ator, em outra ponta o uso da tecnologia deve respeitar limites, encontrar equilíbrio, "senão a gente vira robô".
Lúcio Mauro Filho classifica o humor como o recurso mais poderoso para a crítica, e não somente no teatro, mas também em outras vertentes da arte. "A graça é poderosa, porque desarma. Se você chega sério, carrancudo, o outro do lado logo se arma. A graça quebra isso, surpreende, estabelece um canal de comunicação."  

"Não por acaso, assistimos, nos últimos anos, a um boom de comediantes no Brasil que se sustentam pelo humor. Haja vista a peça que, mesmo em um país em crise, completa três anos de sucesso. O povo gosta de rir e rir é cada vez mais necessário", avalia Lúcio. Luis Miranda encena um esquete de própria autoria. Madame Sheila é uma personagem criada por ele há 20 anos, à época para performance no projeto Terça Insana. É uma mulher excêntrica, que vive em um mundo de ostentação. 

A socialite chega da França, e julga muito do que encontra no Brasil, como o forte calor e as mulheres seminuas, o que ela considera deselegante. Sheila aprecia uma boa taça de champanhe e, à medida que a conversa se desenrola, vai ficando embriagada.
"Chego a uma dicotomia: tanto o rico quanto o pobre perdem a classe quando se embriagam", observa o ator.  

O esquete de Madame Sheila, segundo Luis Miranda, alfineta a sociedade de consumo, os milionários e o jet-set, evidenciando fatos da vida pública, política e social que estão na ordem do dia. Ao chegar à cidade em que a peça será apresentada, ele pesquisa elementos do local que possam ser engraçados e adicionados ao texto-base.
 
"O Brasil é tão explorado por ricos e milionários, é tanta pressão, maldade, injustiça, descaso, que o artista precisa se posicionar de alguma maneira. É nosso papel. E o humor faz isso com leveza, sem agredir ninguém", conclui. Daniela Thomas e Camila Schmidt são responsáveis pelo cenário, a iluminação fica a cargo de Maneco Quinderé e o figurino é de Cassio Brasil.
 
5X comédia
De Antonio Prata, Jô Bilac, Pedro Kosovski, Julia Spadaccini e Luis Miranda. Direção: Monique Gardenberg e Hamilton Vaz Pereira. Com Bruno Mazzeo, Debora Lamm, Katiuscia Canoro, Lucio Mauro Filho e Luis Miranda. Sábado (7), às 21h, e domingo (8), às 19h, no Grande Teatro do Palácio das Artes (Avenida Afonso Pena, 1.537, Centro). Ingressos: Plateia I: R$ 60 e R$ 30 (meia); Plateias II e superior: R$ 40 e R$ 20 (meia), à venda na bilheteria do teatro pelo site Ingresso rápido.
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