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Estado de Minas

Mário Magalhães lança em BH sua biografia de 2018, 'Sobre lutas e lágrimas'

Jornalista e escritor participa nesta segunda-feira (16) do projeto Sempre Um Papo, na Sala Juvenal Dias, do Palácio das Artes


postado em 16/09/2019 04:00 / atualizado em 15/09/2019 18:00

O jornalista e escritor Mário Magalhães conversa hoje com o público do Sempre um Papo, em Belo Horizonte, a respeito de seu mais recente livro, Sobre lutas e lágrimas %u2013 Uma biografia de 2018(foto: Daniel Ramalho/Divulgação)
O jornalista e escritor Mário Magalhães conversa hoje com o público do Sempre um Papo, em Belo Horizonte, a respeito de seu mais recente livro, Sobre lutas e lágrimas %u2013 Uma biografia de 2018 (foto: Daniel Ramalho/Divulgação)

Foi sob o olhar retrospectivo a 2018 que o jornalista e escritor Mário Magalhães escreveu a “história de um país castigado por dores e inflamado por paixões” em Sobre lutas e lágrimas – Uma biografia de 2018 (Record).
 
A eleição de 2018 como biográfico faz reverência a 1968: O ano que não terminou, de Zuenir Ventura. E é para falar sobre esses dois anos que não terminaram que Mário Magalhães participa nesta segunda-feira (16) do Sempre um Papo, em Belo Horizonte. Mário Magalhães está em turnê pelo país para apresentar o livro, lançado há dois meses e já na terceira reimpressão. De Belo Horizonte ele seguirá para Belém.
 
“Meio século mais tarde, 2018 está longe de sedimentar suas tramas e seus traumas, o que impede exame retrospectivo isento de incertezas relevantes. Mas se sabe que suas consequências influenciarão decisivamente o país por tempo prolongado. Por isso, tão cedo não vai terminar. Daqui a 50 anos, o 2018 brasileiro talvez tenha o peso histórico que hoje conferimos a 1968”, escreve o autor.
 
Diferentemente da obra de Zuenir Ventura, que foi escrita 20 anos depois dos acontecimentos de 1968, o livro de Mário Magalhães, nas palavras do próprio autor, ganhou forma “no olho do torvelinho”, à quente, quando os fatos ainda se desdobravam. E é nesse 2018 que o medo da ideológica narrativa da “ideologia de gênero” e o “kit gay” inflamam a histeria da classe média; macacos são perseguidos e assassinados como se transmitissem a febre amarela; as vacinas são repudiadas; o feminicídio ganha mais argumentos; índios e jovens se suicidam e a intervenção militar no Rio de Janeiro anuncia o sonho de um governo impopular de concorrer à reeleição. Tanques e extermínios de jovens pretos de periferia ganham holofotes. São 43 capítulos, que contam, mês a mês, e por vezes, semana a semana, o desencadear cronológico dos fatos que constroem a biografia do ano que, como 1968, não terminou.

Ao relatar a história dos vencidos, contraposição à narrativa oficial dos vencedores, a escrita de Mário Magalhães combina gêneros múltiplos: reportagem, ensaio, artigo e crônica. E, para além da força dos fatos, busca na indignação o fôlego para a resistência ao obscurantismo. “É um livro indignado, em um tempo que exige indignação”, escreveu.
 
A inspiração para o livro – que tem por protagonistas Marielle Franco, executada em 14 de março; Luiz Inácio Lula da Silva, preso em 7 de abril em processo de lawfare; e Jair Bolsonaro, eleito em 28 de outubro – nasceu a partir das colunas semanais de Mário Magalhães para o site The Intercept Brasil, conforme o próprio explica na introdução. Algumas delas foram reelaboradas e inseridas na biografia de 2018 em capítulos cronológicos.
 
Dos 43 capítulos, oito são inéditos, entre eles Sintomas da doença, que relata a caçada a macacos. Com o título de O ano que tão cedo não vai terminar, no prólogo Mário Magalhães articula toda a trama do ano biográfico. E, assim como Zuenir Ventura em 1968: O ano que não terminou inicia a obra com o Réveillon da Helô (Heloísa Buarque de Hollanda); Mário Magalhães está na virada para 2018 com Marielle e sua esposa, Mônica. Começa assim, a biografia de um ano pesado, com o alento de uma história de amor. Leia a seguir a entrevista de Mário Magalhães ao Estado de Minas.
 
O sr. é o autor da biografia de Marighella, considerado um dos símbolos da resistência contra a ditadura militar no Brasil, que foi a referência histórica para o longa-metragem Marighella, dirigido por Wagner Moura. O lançamento era esperado para 20 de novembro e foi cancelado. O que está acontecendo? 
 
Desde o início deste ano o filme, que estrearia em novembro, marcando os 50 anos da morte de Carlos Marighella, vem enfrentando provação para chegar às salas de cinema do Brasil. E, por enquanto, foi derrotado. Em 9 de maio, o deputado federal Alexandre Frota, à época na base do governo Bolsonaro, afirmou em reportagem da Revista Piauí que o filme havia se transformado em questão de governo e de Estado no Brasil.
 
E, já no Festival de Berlim, o primeiro em que Wagner Moura apresentou o filme, as produtoras-executivas disseram que a distribuidora Paris Filmes estava resistindo a lançá-lo no Brasil. Meses mais tarde, Wagner Moura falou publicamente do temor da Paris Filmes em levar Marighella para o cinema brasileiro. O que está acontecendo em 2019 não é novidade para quem acompanhou 2018.
 
 
Inclusive no capítulo A censura de volta do ano biográfico de 2018 fiz o inventário do recrudescimento da censura na imprensa, nas artes, mas, principalmente a partir de 2017, quando o Santander Cultural interrompeu em Porto Alegre a mostra Queermuseu, nas artes, na imprensa, ou seja, a censura voltando a se alastrar pela sociedade. E agora, em 2019, o Itamaraty censurou, via embaixada no Uruguai, o filme sobre Chico Buarque.
 
A Câmara Municipal de Porto Alegre censurou a exposição de charges O riso é risco: Independência em risco. Teve a censura na Bienal do Livro do Rio. E lá, ainda, tivemos também censura em três curtas em exibição. Além disso,  assistimos à perseguição às universidades e à ciência, com corte de bolsas. E isso terá igual impacto na vida do Brasil como teve durante a ditadura, quando os cientistas perseguidos da Fundação Oswaldo Cruz, em Manguinhos, foram embora do país. Então é isso. Os acontecimentos decisivos de 2018 vão influenciar a vida brasileira por décadas.

Se 1968 e 2018 são anos que ainda não terminaram, qual será o legado dos dois anos biográficos para o regime de governo no Brasil nos próximos 50 anos? 
 
A história é uma roda gigante: vai e vem. Então, no século 20, depois do crash da Bolsa de Nova York, em 1929, regimes fascista e nazista se espalharam. No século 21, depois da crise financeira de 2008, governos fascistoides se espalharam. Até onde isso vai, não sei. Mas vai depender muito da capacidade dos cidadãos de se indignar contra o obscurantismo.
 
Lembro sempre que, quanto menos pessoas se calarem, menos tempo vai durar o regime de intolerância. Cito o Milton (Nascimento), gênio de alma mineira, cito a canção Menino, feita depois do assassinato do estudante secundarista Edson Luís, por policiais militares, em 1968: “Quem cala sobre teu corpo/Consente na tua morte/Talhada a ferro e fogo/Nas profundezas do corte”. 
 
Como explicar a adesão de tantos brasileiros, inclusive alguns de escolaridade superior, a um certo discurso delirante, revisionista, baseado em falsas premissas, profundamente intolerante e violento contra a ciência, a pesquisa, as artes, a expressão cultural, entre tantos outros?
 
Está em curso um choque entre civilização e barbárie. Mas uma base com este ânimo sempre existiu no Brasil. Basta lembrar o Movimento Integralista Brasileiro. Inclusive, mesmo depois de seu auge, na eleição de 1955, em que se elegeu Juscelino Kubitschek, o ex-integralista Plínio Salgado obteve 8% dos votos naquela eleição presidencial. No Paraná, ele teve um entre quatro votos.
 
Nesse confronto entre civilização e barbárie, é indispensável assegurar a pluralidade: a civilização não pressupõe pensamento único. Os ideais civilizatórios, iluministas e democráticas supõem a livre manifestação de ideias. Assim como é direito humano o acesso à informação, que lhe permite formar juízo por conta própria. A ascensão da extrema direita é muito estimulada pela crise econômica, que vai fragilizando a democracia. De qualquer maneira, sou ruim de prognósticos. Sou um contador de histórias. A isso me proponho.
 
Mas acho que, para se defender hoje a civilização contra a barbárie, é indispensável conhecer a história. E jamais naturalizar a barbárie, como dizer que o feminicídio é mimimi, defender a tortura, defender a execução, referir-se ao peso do ser humano em arrouba, defender o desaparecimento das minorias. Essas ideias estão no poder. E na defesa da civilização é preciso confrontar o poder. Quem calar vai consentir. 
 
 
Sobre Lutas e Lágrimas – Uma biografia de 2018
Mário Magalhães
Record (330 págs.)
R$ 49,90
O jornalista e escritor participa hoje do projeto Sempre Um Papo, às 19h30, na Sala Juvenal Dias do Palácio das Artes (Avenida Afonso Pena, 1.537, Centro). Entrada franca.
 


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