Em sua 13ª edição, que se inicia nesta terça-feira (17), a CineBH - Mostra Internacional de Cinema de Belo Horizonte destacará a presença do cinema brasileiro no exterior. Num ano de grande performance de produções nacionais em importantes festivais internacionais, não faltará assunto para os seis dias de programação gratuita, com exibição de 85 filmes de 11 estados brasileiros e cinco outros países.
A CineBH abarca ainda a programação paralela Brasil CineMundi, encontro entre produtores e realizadores de diferentes nacionalidades, com o fim de tirar projetos do papel. Um dos convidados da sessão de abertura, no Cine Theatro Brasil Vallourec, é o produtor Rodrigo Teixeira, cuja RT Features, sediada em São Paulo, assina longas de sucesso no Brasil e no exterior.
Aos 42 anos, Teixeira consolida uma carreira que começou com produções nacionais como O cheiro do ralo (2006), Heleno - O príncipe maldito (2011), Alemão (2014), Tim Maia (2014) e logo extrapolou fronteiras. Em 2012, o brasileiro produziu Frances Ha, de Noah Baumbach, e depois o terror A bruxa, de Robert Eggers.
Em 2017, ele coproduziu Me chame pelo seu nome, de Luca Guadagnino, premiado com o Oscar de melhor roteiro adaptado. Em 2020, poderá voltar à premiação da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, mas, desta vez, com um filme brasileiro. A vida invisível, dirigido pelo cearense Karim Aïnouz, foi escolhido pelo Brasil para tentar uma vaga na disputa de Melhor Filme Internacinal.
É o longa de Aïnouz que abre hoje a CineBH. A estreia em circuito está prevista para 31 de outubro. A vida invisível venceu a mostra Um Certo Olhar, do Festival de Cannes, em maio passado. No festival francês, Teixeira esteve presente com dois outros longas: The lighthouse, de Robert Eggers, e Port authority, de Danielle Lessovitz, no qual divide a produção com Martin Scorsese. O Brasil obteve em Cannes também o Prêmio do Júri da mostra competitiva, para Bacurau, de Kleber Menconça Filho e Juliano Dornelles.
O bom momento dos filmes brasileiros no cenário internacional se deve, na avaliação do produtor, à soma de “investimento e aprimoramento dos mecanismos de incentivo ao audiovisual brasileiro”. Ele observa, no entanto, que “agora enfrentamos a possibilidade de retroagir”, já que as políticas públicas para o setor estão sendo revistas, no sentido de reduzir o volume de recursos envolvidos e acrescentar filtros temáticos para a seleção de projetos beneficiados.
“O resultado é engraçado. Nem sei quando tivemos um ano tão vitorioso nos principais festivais mundiais, com prêmios importantes, justamente num momento em que as respostas do governo não têm sido as melhores. Não dá para entender o que está acontecendo”, diz. Neste mês, o governo federal apresentou ao legislativo uma proposta para reduzir em 43% os recursos do Fundo Setorial do Audiovisual para 2020 – de R$ 723 milhões para R$ 415 milhões. O valor seria o menor desde 2012. Ao longo de seus nove meses de governo, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) já cogitou inclusive extinguir a Agência Nacional do Cinema (Ancine), órgão que gere o fundo.
''Existe um preconceito do público por falta de entendimento. Fala-se muito do uso do dinheiro público, sem nem entenderem como se prestam contas, quão rigoroso esse sistema é para quem produz. É uma tentativa de ataque à classe artística, mais pela sua proximidade com a esquerda do que pela qualidade das produções. Só conhecem o entretenimento de massa norte-americano, que ocupa um espaço enorme, até pelos recursos que tem. Por isso, formação de público é onde deveríamos investir mais''
Rodrigo Teixeira, produtor
Diante da desarticulação das políticas de incentivo, Rodrigo Teixeira reafirma a importância da atividade pelo viés econômico e a necessidade de ampliação do público no mercado interno. “O primeiro ponto é deixar de falar ‘cinema brasileiro’ como gênero. Não é ‘cinema brasileiro de terror’. É terror. Isso já cria um preconceito na largada. É preciso educar, mostrando que fazemos cinema de qualidade, plural, com filmes de gênero, ou seja, terror, ação, ficção, além da comédia, drama, ou do político-social”, diz ele.
Na avaliação do produtor, “existe um preconceito do público por falta de entendimento. Fala-se muito do uso do dinheiro público, sem nem entenderem como se prestam contas, quão rigoroso esse sistema é para quem produz”. Essa desqualificação se configura, na avaliação de Teixeira, como “uma tentativa de ataque à classe artística, mais pela sua proximidade com a esquerda do que pela qualidade das produções. Muitas pessoas nem sequer conseguem avaliar um filme, por não haver no país formação adequada de plateia. Só conhecem o entretenimento de massa norte-americano, que ocupa um espaço enorme, até pelos recursos que tem. Por isso, formação de público é onde deveríamos investir mais”.
Nesse sentido, Teixeira elogia Bacurau, que classifica como “um case de sucesso”, pelos bons resultados de bilheteria apresentados no país: “Mais de 300 mil espectadores em três semanas, para um filme de nicho, é maravilhoso. Por aí conseguimos vencer”.
A expectativa é que A vida invisível trilhe um caminho parecido. “Os dois (Bacurau e A vida invisível) fizeram história em Cannes. Agora é a vez de A vida invisível, que pode ser extremamente popular. É um filme que conversa com um público muito diverso e, quanto mais gente assistir, o potencial do boca-a-boca será gigante”, diz o produtor sobre o longa estrelado por Carol Duarte, Julia Stockler e Gregório Duvivier, com participação especial de Fernanda Montenegro.
Sobre a possibilidade de o longa conseguir uma indicação ao Oscar, Teixeira deixa claro que não está poupando esforços. “O trabalho é bem feito e temos uma chance boa. Os norte-americanos com quem conversei entenderam a importância disso no país e vão fazer de tudo para que o filme chegue lá.”
Em sintonia com seu objetivo de estabelecer uma ponte entre produtores e diretores, a CineBH promoverá o encontro de Rodrigo Teixeira com a equipe da Filmes de Plástico. A expectativa é que seja anunciada hoje uma colaboração entre eles. A produtora de Contagem, responsável por Temporada, de André Novais Oliveira, e No coração do mundo, de Gabriel Martins e Maurílio Martins, que também circularam com destaque em festivais internacionais, receberá uma homenagem no CineBH por seus 10 anos de atividades.
Coordenadora-geral da Mostra Internacional de Cinema de Belo Horizonte, Raquel Hallak enfatiza a preocupação do evento em contemplar a complexidade do momento atual do cinema brasileiro. “Vamos propor uma reflexão sobre essa internacionalização e também sobre como enfrentar os desafios nesse momento. Colocaremos em discussão, com filmes, debates, painéis, comitivas do audiovisual mundial, essa nossa produção maciça no exterior e essa contradição no país, não só pelo desmonte das políticas públicas, mas pela falta de espaço no mercado interno, sem cotas, sem mecanismos que assegurem uma maior exibição”, diz ela.
Hallak conta que fez “uma pesquisa que registra 166 filmes brasileiros selecionados para mostras competitivas e festivais importantes no exterior, entre 2015 e julho de 2019”. Ela avalia que “desde o Cinema Novo, nunca houve uma presença tão marcante e, ao mesmo tempo, um momento tão desafiador no Brasil”.
Até o próximo domingo (22), várias produções, entre curtas e longas, serão exibidas gratuitamente no Palácio das Artes, Sesc Palladium, Cine Theatro Brasil Vallourec, Teatro Sesiminas e MIS Cine Santa Tereza. Os filmes estão separados em mostras temáticas, incluindo uma dedicada ao público infantil e outra com produções oriundas do programa Brasil CineMundi, voltado para o acerto de coproduções internacionais. A agenda ainda reserva momentos de formação profissional, com workshops, debates, masterclass e oficinas. A programação completa está disponível em da CineBH.
FIQUE DE OLHO
Raquel Hallak, coordenadora-geral da CineBH, aponta oito filmes que são destaque na programação da mostra 2019
Danças macabras, esqueletos e outras fantasias, de Pierre Léon e Rita Azevedo Gomes
Por el dinero, de Alejo Moguillansky
Nightmare cinema, de Mick Garris, Joe Dante, David Slade, Ryuhei Kitamura, Alejandro Brugués
A vingança de Jairo, de Simon Hernández Estrada
A noite amarela, de Ramon Porto Mota
Os príncipes, de Luiz Rosemberg Filho
Animal indireto, de Daniel Lentini
Diz a ela que me viu chorar, de Maíra Buhler
13ª Cine BH - Mostra Internacional de Cinema de Belo Horizonte
Desta terça (17) a domingo (22), no Palácio das Artes (Av. Afonso Pena, 1.537, Centro), Sesc Palladium (Av. Augusto de Lima, 420, Centro), Cine Theatro Brasil Vallourec (Av. Amazonas, 315, Centro), Teatro Sesiminas (Rua Padre Marinho, 60, Santa Efigênia) e MIS Cine Santa Tereza (Rua Estrela do Sul, 89, Santa Tereza). Entrada gratuita, sujeita à lotação das salas