Natural do Rio de Janeiro, o artista Guerreiro do Divino Amor, de 36 anos, participante da sétima edição do Bolsa Pampulha, produziu durante a residência a obra Mausoléu superficcional superpálido, uma instalação distribuída em dois capítulos, interligados: um sobre Minas Gerais, que chamou de O mundo mineral, e outro sobre Brasília, denominado A cristalização de Brasília, em que explora a ideia de futuro como petrificação do passado.
Mausoléu superficcional superpálido dá sequência a um trabalho que Guerreiro do Divino Amor elabora há quase 15 anos, o Atlas mundial superficcional. Na série da exposição em BH, Guerreiro aborda a história do homem branco no Brasil, pensando como se edifica o imaginário branco no país.
"Com animações, imagens de arquivo, vídeos-colagens, colagens digitais e painéis de backlight animados, mostro personagens e lugares que remetem ao imaginário popular, com figuras simbólicas, como o Sagrado Coração de Jesus, e as telenovelas. Trabalho com alegorias, que, a cada novo capítulo, se materializam de uma forma diferente", descreve.
Divino lamenta o fechamento da exposição e o modo como foi feito. A abertura da mostra estava prevista para o último sábado (14) e ficaria em cartaz até 17 de novembro. Na sexta (13) anterior, a Prefeitura de Belo Horizonte anunciou que o Museu de Arte da Pampulha (MAP) seria fechado em razão de problemas elétricos e hidráulicos.
A Fundação Municipal de Cultura (FMC), que realiza o Bolsa Pampulha, afirmou que a exposição não seria aberta. No entanto, depois de negociações com os artistas ao longa da sexta-feira, decidiu-se que o vernissage seria relizado entre as 14h e as 18h de sábado, com o fechamento do museu logo em seguida.
"Muitas das obras são específicas, têm um vínculo com a instituição, com o espaço da Pampulha e do museu. E é uma verba pública. Essa seria nossa contrapartida, algo que a gente acrescenta para a população. Todo mundo trabalhou para isso. São artistas excelentes. Viemos fazer nossa contribuição para o debate, urgente e importante. É simbólico ser no Museu da Pampulha", afirma. “Espero que possamos reabrir”, diz.
'Muitas das obras são específicas, têm um vínculo com o espaço da Pampulha e do museu. E é uma verba pública. Essa seria nossa contrapartida, algo que a gente acrescenta para a população. Todo mundo trabalhou para isso. São artistas excelentes. Viemos fazer nossa contribuição para o debate, urgente e importante. Espero que possamos reabrir''
Guerreiro do Divino Amor, artista carioca
Cantora, escritora, compositora, performer e artista visual negra e travesti, a baiana Ventura Profana produziu a obra Tabernáculo da edificação, montada no auditório do MAP. "Minha obra estabelece uma congregação onde possamos crer na continuidade de nossas vidas, mesmo com a transfobia instituída socialmente como um dos pilares na lei dos homens", afirma.
No direcionamento de seu fazer artístico, Ventura investiga as implicações e manifestações evangelistas na formação sociocultural brasileira no último século, procurando entender a relação e a influência dos discursos neopentecostais relacionados aos dados sobre transfeminicídio no Brasil, país com altos índices de assassinato de pessoas trans.
"Segundo relatório feito em 2016 pela ONG Transgender Europe, o Brasil não é apenas um país com altos índices de transfeminicídio, mas sim campeão em assassinatos de pessoas trans, sobretudo negras. Minas Gerais é um estado com números alarmantes de violência e brutalidade contra travestis, porém pouco se discutem problemáticas como essa, apoiados numa cultura do 'comer quieto'. Só que, nesse caso, é matar quieto, censurar quieto. Cinismo mineral", afirma.
''Somos um grupo distante dos padrões impostos e esperados para o perfil de artista. Isso atesta a perda de espaço da branquitude, num dos principais programas de arte do país. Somos protagonistas de nossas próprias histórias, estamos reinventando nossos tempos. É ameaçador para quem visa manter o mundo como está. Tudo isso expõe a falsa integridade mineira. O tradicionalismo de Minas Gerais não dá conta de bancar esses passos cruciais para a restituição das nossas vidas, histórias, terras''
Ventura Profana, artista baiana
Ventura Profana considera que, dentro do conjunto apresentado na exposição, a maior parte dos trabalhos pontuam e evidenciam críticas e questionamentos sobre as estruturas sociopolíticas patriarcais heteronormativas derivadas de um sistema colonial doentio, para usar seus termos.
"Somos um grupo distante dos padrões impostos e esperados para o perfil de artista. Isso atesta a perda de espaço da branquitude, num dos principais programas de arte do país. Somos protagonistas de nossas próprias histórias, estamos reinventando nossos tempos. É ameaçador para quem visa manter o mundo como está. Está aí, na minha opinião, o principal motivo para a censura. Mulheres trans, negras, indígenas, quilombolas, bichas barranqueiras falando sobre si, sobre nossa ancestralidade, profetizando vida dissidente, homens pretos revisando o histórico de remoções e violências sobre o qual o próprio complexo da Pampulha foi construído. Tudo isso expõe a falsa integridade mineira. Tudo isso dentro de um dos principais monumentos de Niemeyer. O tradicionalismo de Minas Gerais não dá conta de bancar esses passos cruciais para a restituição das nossas vidas, histórias, terras", afirma.
O Bolsa Pampulha é um programa criado com o intuito de fomentar a integração entre as políticas culturais municipais, com o foco específico nas artes visuais, ao apresentar os frutos de meses de imersão criativa. Para a residência, foram escolhidos artistas para atuar na capital mineira no decorrer de seis meses. De Minas Gerais participam David de Jesus do Nascimento, Dayane Tropicaos, Sara Lana, Simone Cortezão e Desali. Do Rio de Janeiro vem Guerreiro do Divino Amor, da Bahia comparecem Alex Oliveira e Ventura Profana. Gê Viana representa o Maranhão e Sallisa Rosa, Goiás.