A noite foi de estreia – não de uma obra, mas de uma função. Matheus Coelho, Lucas Araujo, Gesiel Vilarubia e Mariana Menezes regeram, pela primeira vez, os 90 músicos da Orquestra Filarmônica de Minas Gerais, na quinta-feira (26) passada. Os quatro jovens maestros foram escolhidos pelo diretor artístico e regente titular da Filarmônica, Fabio Mechetti, entre os 15 alunos da edição 2019 de seu Laboratório de Regência, para se apresentar numa Sala Minas Gerais com 1.136 lugares ocupados – nessa noite especial, os ingressos tiveram distribuição gratuita ao público interessado. Ao final, todos foram aplaudidos de pé.
O laboratório ofereceu, durante três dias, ensaios e aulas práticas e teóricas. O primeiro a mostrar o resultado da experiência foi Gesiel Vilarubia, natural de São Bernardo do Campo (SP), que comandou a orquestra na execução da peça Os prelúdios, poema sinfônico nº 3, de Franz Liszt, com duração de 15 minutos. Antes de cada trecho, o maestro Mechetti apresentou ao público o jovem regente e as características do programa que ele conduziria.
Gesiel tem 32 anos. Começou a tocar trompete aos 9 e com 17 deu início aos seus estudos formais com a música. Também violonista, aos poucos foi se direcionando para a regência. A peça que ele regeu no concerto na Sala Minas Gerais é baseada no texto do poeta romântico francês Alphonse De Lamartine (1790-1869).
"São momentos contrastantes, mais intensos ou mais bucólicos, em geral com uma natureza melódica extremamente romântica. Ter contato com esses compositores e poder recriar essas obras com a orquestra é algo que não tem preço. Foi a necessidade de me expressar de uma maneira mais significativa que me fez buscar a orquestra", conta.
Após a apresentação, Gesiel disse que aproveitou o momento. "Fiquei realmente entusiasmado, e o público recebeu muito bem. Para mim, é um divisor de águas. Vou continuar trabalhando com regência, não quero parar. Esse foi um passo importante de muitos outros que virão."
Na sequência, Lucas Araújo, de 28, nascido em Ribeirão Pires (SP), apresentou os 10 minutos da Abertura festival acadêmico, op. 80, de Johannes Brahms. "Dificilmente temos a oportunidade de coordenar uma orquestra profissional quando somos jovens maestros, ainda mais um conjunto de tanta qualidade. O laboratório é uma experiência ímpar, maravilhosa, não existe nada parecido no país. Podemos entender com funciona o ambiente de uma orquestra profissional, desde o horário de chegada, a preparação, até os ensaios", disse ele, que se interessou pela música influenciado pela vivência com a família na igreja.
Com 10 anos, Lucas começou a tocar trombone; aos 15, percebeu mais claramente sua aptidão para a regência, e com 20 iniciou os estudos de maneira efetiva. "O que mais me encanta na arte da regência é ver a música saindo de seu gesto."
No palco, ele deu vida à obra alegre e circunstancial do compositor alemão nascido no século 19. Ao encerrar sua participação, Lucas se mostrou, antes de tudo, grato. "Eu me senti agraciado pela tamanha generosidade da orquestra conosco. Vi nos olhos dos músicos que estavam dispostos a fazer música comigo. Esta não é uma profissão – é uma vocação."
O terceiro a se apresentar foi Matheus Coelho, de 24, nascido em Campo Grande (MS), que regeu O morcego: abertura, obra de Johann Strauss, peça de nove minutos. Matheus dispensou a partitura para reger a célebre valsa.
"A Filarmônica de Minas Gerais está entre as mais importantes da América Latina. São poucas as oportunidades para jovens regentes. Quando comecei a estudar regência, um amigo me contou sobre esse projeto e fiquei empolgado. Para mim, é a realização de um sonho que venho cultivando há muito tempo", conta.
Matheus estuda música desde os 13. O início foi com o clarinete. "A música me abriu fronteiras e novas visões sobre minha carreira e o mundo. Seu valor está em tocar uma parte da sociedade difícil de acessar, algo muito ligado à educação, não só no ponto de vista artístico, intelectual, da alma." Depois do concerto, só satisfação. "Foi uma experiência muito emocionante. Não é todo dia que vivemos isso."
Mineira de Uberaba, Mariana Menezes, de 30, encerrou o concerto com O aprendiz de feiticeiro, de Paul Dukas, a famosa composição da trilha sonora do filme estrelado da Disney Fantasia (1940).
"É uma obra com muitos efeitos, uma orquestração complexa, de momentos inesperados, fortes e impactantes", descreve a regente. Para ela, foram dias intensos, de aprendizado e crescimento. "O maestro é criterioso, direto, identifica nosso ponto fraco e oferece a solução. Conseguimos chegar a um resultado muito bom em pouco tempo. É um sonho estar à frente desses músicos fantásticos."
Mariana iniciou seus estudos na música aos 5, no Conservatório de Uberaba. Com 13, já sentia vontade de ser regente e, assim, montou seu primeiro coro. "Eu me encanto pelo fato de que o regente não faz a música sozinho, é algo compartilhado. Não apenas pelos gestos. Gosto muito quando consigo transmitir minha energia para os músicos e receber a deles de volta. Isso me faz vibrar", afirma a maestrina, que também dispensou a partitura.
Antes de subir ao palco, Mariana comentou que tinha receio de não corresponder às expectativas. No final, disse que estava feliz e animada e agradeceu a chance. "Fiquei muito emocionada. É uma sala esplêndida. Os músicos estavam comprometidos. Agradeço a gentileza do maestro de nos ensinar com paciência e por ter dedicado tanto tempo para nós. Uma grande alegria", comemorou.
Essa foi a 11ª edição do Laboratório de Regência, pelo qual já passaram 137 jovens maestros de diversos estados brasileiros. Fabio Mechetti conta que, logo que começou sua carreira como maestro, constatou uma dificuldade para regentes conseguirem desenvolver e praticar sua atividade.
"Eram poucas as janelas de oportunidade. Bem no início da história da Filarmônica, fiz questão de abrir esta semana de laboratório para, justamente, dar a jovens regentes brasileiros que estão despontando a chance de trabalhar com uma orquestra profissional e do nível da Filarmônica”, diz.
A principal vantagem do laboratório para os participantes, segundo o maestro, é ter a chance de “realizar um concerto em diálogo direto com os músicos profissionais, já que muitos se formam sem ter experiência prática, o que pode complicar a pretensão de carreira no futuro. O laboratório, mesmo em poucos dias, é uma experiência valiosa, intensa e propositada. A regência é um instrumento para fazer da música veículo de transmissão de valores e pensamentos eternos".
A advogada Sandra Mara Sampaio, de 35, estava na plateia ao lado do marido, Cristiano, e dos filhos pequenos Camila e Artur, que tiveram o sono embalado pelo concerto. Ela conta que foi a primeira vez que teve contato com a música clássica. "Todo mundo fala que é maravilhoso e viemos comprovar. É muito bom para os maestros mostrarem tudo que aprenderam", disse.
Santina Maria, de 54, é fã de carteirinha da orquestra. A servidora pública está sempre presente nos concertos da Filarmônica. "Um projeto excelente. É uma profissão muito difícil, então temos mesmo que valorizar e incentivar." Os estudantes Larissa Tainá, de 14, e Nicolas Henrique, de 13, foram ao concerto juntos com a turma de judô, que congrega aproximadamente 20 pessoas. O grupo estava animado. "É diferente de tudo que já vimos."
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