Este ano, o cinema brasileiro viveu momentos gloriosos no cenário internacional. Especialmente na França, onde conquistou o Prêmio do Júri no Festival de Cannes, com Bacurau, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, e venceu a mostra Um Certo Olhar, com A vida invisível, de Karim Aïnouz. Por outro lado, completaram-se duas décadas da última vez em que um longa nacional (Central do Brasil, de Walter Salles) disputou o Oscar de melhor filme em língua estrangeira, categoria que neste ano passou a se chamar melhor filme internacional.
Apesar do sucesso obtido no exterior por Bacurau, o escolhido para tentar recolocar o Brasil na premiação hollywoodiana foi A vida invisível. Com o encerramento do prazo de inscrições à disputa na Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, na última terça-feira (1), é hora de medir a dificuldade da corrida por uma vaga.
Noventa e três países inscreveram seus filmes. A primeira peneira selecionará 10 títulos, dos quais sairão os cinco finalistas, a serem anunciados no dia 13 de janeiro. Uma presença é dada como certa na lista final: o sul-coreano Parasita, vencedor da Palma de Ouro. Em 2017, o sueco The square, e no ano seguinte, o japonês Shoplifters também venceram em Cannes e foram indicados ao Oscar. Pela reação da crítica internacional, no entanto, o favoritismo de Parasita se compara ao de Roma, de Alfonso Cuarón, no ano passado, que já era dado como vencedor antes mesmo de os demais concorrentes serem anunciados.
A comédia de humor negro do sul-coreano Bong Joon-ho venceu a Palma de Ouro por uma decisão unânime do júri, algo bastante incomum. Uma vez confirmada a escolha de Parasita, a briga de A vida invisível por uma das quatro vagas restantes se dará com concorrentes de diferentes continentes. Vindo do Oriente Médio, de onde saíram indicados a várias edições do Oscar, o palestino It must be heaven, de Elia Suleiman, também exibe uma conquista importante em Cannes: levou o prêmio concedido pela Federação Internacional de Críticos de Cinema (Fipresci).
ALMODÓVAR
A Europa apresenta bons candidatos em potencial, como o espanhol Dor e glória, drama quase biográfico de Pedro Almodóvar estrelado por Antonio Banderas, e o russo Beanpole, de Kantemir Balagov, que levou o troféu de melhor diretor na mostra Um Certo Olhar. O representante francês é Os miseráveis, de Ladj Ly, que dividiu com Bacurau o Prêmio do Júri. Apesar do título familiar, homônimo do romance de Victor Hugo, o drama, que originalmente era um curta, aborda conflitos contemporâneos da periferia parisiense envolvendo polícia, imigrantes e manifestantes. Teve boa repercussão.
Ainda tomando Cannes como termômetro, outro forte concorrente vem da África: o senegalês Atlantics, da cineasta Mati Diop, vencedor do Grand Prix em Cannes. O longa sobre o romance sobrenatural protagonizado por uma menina de 17 anos chamada Ada (Mame Bineta Sane) teve direitos adquiridos pela Netflix. Estará disponível no serviço de streaming em novembro, quando também deve chegar às salas de cinema brasileiras.
Porém, filmes que não passaram pela badalação da Riviera Francesa podem conquistar o júri da Academia de Hollywood. Um deles é o colombiano Monos, de Alejandro Landes, premiado em outros festivais internacionais, incluindo Sundance (EUA). Tocando na ferida aberta da atuação das Farc no país, a trama traz oito adolescentes integrantes de uma organização armada que vivem no alto de uma montanha e mantêm uma norte-americana como refém.
Além da Argentina, que levou a estatueta com A história oficial (1985) e O segredo de seus olhos (2010), a Colômbia, com O abraço da serpente (2015), e o Chile, com Uma mulher fantástica (2017), foram os países sul-americanos que disputaram a categoria nas duas décadas em que o Brasil ficou fora da briga.
A produção chilena levou o prêmio há dois anos, mas agora o país corre por fora, com Aranha, de Andrés Wood. Os argentinos inscreveram A odisseia dos tolos, comédia dramática dirigida por Sebastián Borensztein e estrelada pelo astro Ricardo Darín e seu filho Chino, fenômeno de público na Argentina.
TEIXEIRA
Embora não tenha o apelo de Parasita, A vida invisível está bem cotado. Além das credenciais conquistadas em Cannes, o filme conta com uma presença que pode ser importante nos bastidores: o produtor Rodrigo Teixeira. O brasileiro já viu um de seus trabalhos ganhar o Oscar. Em 2018, Me chame pelo seu nome, dirigido por Luca Guadagnino e produzido pela RT Features, levou o prêmio de melhor roteiro adaptado.
Ligado a produções brasileiras e internacionais, o carioca acredita na possibilidade de o drama baseado no livro A vida invisível de Eurídice Gusmão, da pernambucana Martha Batalha, trazer o Oscar para o Brasil. “O trabalho é bem feito, temos uma chance boa. Os norte-americanos com quem conversei entenderam a importância disso e vão fazer de tudo para que o filme chegue lá. Mas não temos como prever o resultado”, afirmou Rodrigo, ao participar da mostra Cine BH, na capital mineira, no mês passado.
Teixeira é um dos produtores de Ad astra, ficção científica estrelada por Brad Pitt em cartaz em BH, cotada para concorrer em algumas categorias. O carioca, aliás, não é o único Rodrigo com a possibilidade de representar o Brasil no Oscar. Seu xará, o Santoro, interpreta o protagonista de O tradutor, a aposta cubana ao prêmio de melhor filme internacional. O candidato italiano, O traidor, de Marco Bellocchio, também tem entre os protagonistas um artista do Brasil – a atriz Maria Fernanda Cândido.
Apesar dos 20 anos fora da disputa de melhor filme estrangeiro, o país brigou pelo Oscar. Tanto por meio da presença de um realizador brasileiro em uma produção norte-americana, como ocorreu com Carlos Saldanha, diretor de O touro Ferdinando, indicado a melhor animação em 2018, como com filmes genuinamente nacionais. O menino e o mundo, de Alê Abreu, disputou o prêmio de melhor animação em 2016. Dois anos antes, Cidade de Deus, de Fernando Meirelles, havia sido indicado nas categorias melhor direção, montagem, roteiro adaptado e fotografia.
FERNANDA
Curiosamente, A vida invisível tem um ponto em comum com Central do Brasil, o último brasileiro indicado a melhor filme internacional. Fernanda Montenegro integra os dois elencos – em 1999, ela disputou o Oscar de melhor atriz e perdeu para Gwyneth Paltrow. No longa que chegará aos cinemas do país em 31 de outubro, Fernanda interpreta a idosa Eurídice Gusmão. Carol Duarte faz o papel da personagem quando jovem.
Na comissão formada pela Academia Brasileira de Cinema para definir o representante do Brasil no Oscar, o longa de Karim Aïnouz levou a melhor sobre Bacurau numa disputa apertada (cinco votos a quatro). De acordo com a cineasta Anna Muylaert, presidente da comissão, a escolha de A vida invisível se justifica pelo fato de o filme ser mais viável mercadologicamente.
Três anos antes, Aquarius, segundo longa de Kleber Mendonça Filho, foi preterido por Pequeno segredo, de David Schürmann, numa decisão polêmica e cercada de acusações de retaliação contra Mendonça Filho, que havia protestado contra o impeachment de Dilma Rousseff no tapete vermelho de Cannes. Na época, a escolha do candidato à vaga no Oscar cabia à Secretaria do Audiovisual, subordinada ao extinto Ministério da Cultura. Desde então, a responsabilidade da definição passou para a Academia Brasileira de Cinema.