Ang Lee gosta de experimentar novas tecnologias. Em As aventuras de Pi, que lhe deu o segundo Oscar de direção, todo o cenário e os animais eram digitais. Em A longa caminhada de Billy Lynn, sobre um soldado que volta para casa depois de lutar na Guerra do Iraque, ele utilizou 120 quadros por segundo (em vez dos tradicionais 24) e 3D.
Lee volta a recorrer ao mesmo recurso em Projeto Gemini, mas com algumas complicações. Por exemplo, um Will Smith de 23 anos de idade criado pela combinação de captura de performance e animação. “Quero deixar bem claro que não é rejuvenescimento, como tantos outros filmes têm feito”, explicou o cineasta em entrevista coletiva em Los Angeles, sem citar exemplos como Capitã Marvel e O irlandês. “Nós criamos um novo personagem, um jovem Will Smith”, completou. O próprio ator enfatizou a diferença: “Não sou eu, é alguém recriado. É como os personagens de O Rei Leão.”
Mas é um pouco mais complexo ainda do que isso. Porque Ang Lee, mesmo gostando de tecnologia e efeitos visuais mirabolantes, é basicamente um ator de drama – seu outro Oscar de direção foi por O segredo de Brokeback Mountain, afinal. “O filme é um thriller de ação com um pouco de ficção científica, mas no fundo é um drama”, explicou o cineasta.
Will Smith interpreta Henry Brogan, matador que se vê caçado por outro matador: a versão mais jovem de si mesmo, um clone que atende pelo nome de Junior. “Precisava ser uma pessoa. Não um robô, mas um ser humano de verdade, um personagem realista, não apenas para um filme de ação, mas para um drama”, disse Lee. “Eu me identifiquei muito com Henry. Se você pudesse viver duas vezes e encontrar sua versão mais jovem, o que diria para ele? Qual seria o seu futuro, como viver com sua própria trajetória? Essas questões existenciais estão escondidas no entretenimento, o que é empolgante para mim. Então, esse clone precisava ter alma e emoção.”
Para Will Smith, os papéis representaram um desafio como poucos em sua carreira.
Quando contracenou consigo mesmo, primeiro filmou todas as cenas de Henry com outro ator – que estudou o Will Smith aos 20 e poucos anos – fazendo o papel de Junior. Depois, com a parafernália de captura de performance, Will Smith fez a parte de Junior. Cenas de luta, inclusive, ocorreram assim, mas com um dublê fazendo a parte de Junior, pois o rosto seria recriado pelos artistas da Weta Digital.
Para Ang Lee, todo o processo é diferente. “É como percebemos as pessoas na vida, não é um ator com suas motivações”, lembrou. “A maneira de interpretar os personagens com essas tecnologias é não atuar, mas usar o instinto. Meu modo de dirigir também precisa mudar. Preciso fazer com que os personagens fiquem vivos, reais. Se o ator atuar, dá para ver que está atuando. É preciso sentir as profundezas da vida, da emoção, e isso vai atingir o público. O ator precisa ser real, complicado, sutil, maduro. Tem de ser um ator melhor. Mas a recompensa é bonita.”
Will Smith disse não temer que o ator fique obsoleto. “Ainda se trata do coração e da alma humanos. Um computador nunca vai ser capaz de reproduzir os erros humanos e o embargo na voz”, ressaltou.
Ang Lee admite: não sabe ainda se seu experimento deu certo, mas houve um aprendizado em relação a Billy Lynn. “Ali foi minha primeira experiência com a cadência mais rápida, foi como se tivesse de trocar de religião”, contou.
O diretor espera que o público e outros diretores abracem essa nova maneira de fazer cinema. “Há um novo território a ser explorado. Ele vai trazer pessoas de volta às salas de exibição, em vez de assistirem a filmes na televisão ou no iPhone. Porque num filme com essa tecnologia, você não está vendo a história de alguém, mas vivenciando a história. É uma experiência imersiva, e acredito tremendamente nela”, conclui. (Agência Estado)
Entrevista
Will Smith, ator
“Ang Lee assume todo o peso”
Você disse que, aos 23 anos, não poderia interpretar papéis como o que vive em Projeto Gemini. Por quê?
Para Ang Lee, era algo muito pessoal. Em nossas conversas iniciais, ele falou muito de si mesmo para me fazer entender o que estava tentando captar entre esses dois personagens. Aos 23 anos, nem sequer compreenderia o que ele estava tentando dizer, a reflexão de pensar em quem você é, o que fez, ver uma versão similar de si mesmo indo pelo mesmo caminho e lutar contra o arrependimento.
O filme usa muitos espelhos. É uma metáfora?
Sim, gosto muito da ideia de que você guarda as sementes de seu próprio pesadelo. Que nós criamos o nosso pior inimigo.
Que tipo de comentário político e social o filme faz sobre corporações e o governo?
Para mim, é menos sobre o governo e a política e muito mais sobre a arrogância do ser humano, a insanidade de querer ser Deus, controlar a natureza e achar que tem o direito e o dom da criação.
Quais eram suas expectativas antes de começar a trabalhar com Ang Lee?
Existe uma diferença entre o ator e o astro de cinema. O astro precisa carregar o filme nas costas. O astro precisa dizer para todo mundo relaxar, fazer isso e aquilo para chegarmos até a semana de estreia. Mas quando se trabalha com um diretor como Ang Lee, você é apenas um ator. Ele assume todo esse peso. Então, é um alívio trabalhar sabendo que alguém tem o controle da situação. Isso faz com que você se abra mais na sua interpretação.
Parceria de talento e ciência
Criar animais com o nível de fidelidade de O Rei Leão é um desafio e tanto. Imagine criar digitalmente um rosto humano com suas emoções. Foi isso o que fizeram especialistas em efeitos visuais de Projeto Gemini. “É um ser humano completamente digital”, enfatiza Bill Westenhofer, supervisor de produção. “Não pegamos o Will Smith maquiado e o rejuvenescemos no computador.” Havia razões para isso não ser feito no filme. Uma delas é que há cenas de luta entre o Will Smith velho e o Will Smith novo. “Com 120 quadros por segundo, dá para ver toda a maquiagem. Era preciso ir mais fundo”, explica.
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