Por que não vivemos? pode ter a perspectiva desalentada “da dimensão de um certo fracasso”, mas também a de um “chamamento para viver agora, com toda potência”. Assim o diretor Marcio Abreu explica o questionamento que dá o nome ao novo espetáculo da Companhia Brasileira de Teatro.
Uma adaptação da primeira peça de Anton Tchekhov (1860-1904) protagonizada pelo personagem Platonov, a montagem estreia nesta sexta-feira (18), no CCBB, em Belo Horizonte, onde cumpre temporada até 18 de novembro.
Esse texto de Tchekhov foi descoberto e publicado somente em 1923, quase 20 anos após sua morte. A partir do final do século 20, a obra teve diversas montagens na Europa. Em 2017, ela foi encenada na Broadway com Cate Blanchett e Richard Roxburgh liderando o elenco. Essa primeira adaptação brasileira, assinada por Nadja Naira e Giovana Soar, estreou em julho no Rio de Janeiro, e teve temporada em Brasília, em setembro. Agora, é a vez da capital mineira.
Conforme sugere o título, essa versão brasileira é centrada em dilemas existenciais que não se prendem a nenhuma época ou local. “A obra do Tchekhov, de um modo geral, tem uma atualidade em si. É um autor que se tornou clássico justamente por trabalhar formas e ideias de narrativas que se deixam afetar pelo movimento do tempo e pelas questões que realmente importam na humanidade, ao longo das épocas. A adaptação desse texto tem a ver com o que já fazíamos na Companhia Brasileira de Teatro, por trabalhar com o princípio de gerar acontecimentos e uma potência em cena que envolve participação ativa do público como um elemento integrante da experiência”, afirma Marcio Abreu, que fundou o grupo teatral em Curitiba, há 19 anos.
O jovem professor Mikhail Platonov está presente na narrativa como membro de uma aristocracia em decadência. Porém, no centro da história está uma jovem viúva, que recebe Platonov e outros membros de seu círculo social numa festa em sua propriedade rural. Abreu conta que a peça é dividida em três partes. “O primeiro ato é muito próximo do público. Personagens vão chegando, se apresentando e criando uma espécie de convivência, numa preparação para a festa. São amigos que não se encontram há um tempo”, descreve.
Ainda segundo o diretor, “a segunda parte é mais sensorial, contemplativa, no sentido de acessar o torpor, o delírio depois dessa festa, uma zona inconsciente desses personagens, suas memórias, desejos”. A terceira e última parte, segundo ele, “é um ato mais despojado de efeitos e da ilusão do teatro, mais desnudado, no qual atores e público compartilham uma percepção mais crua do desenrolar da história”. Abreu observa que “todas as palavras que estão em cena são do texto original”, cuja tradução foi feita por Pedro Augusto Pinto e Giovana Soar.
PASSIVIDADE
O papel da jovem viúva Ana coube à atriz Camila Pitanga, que, com ele, realiza um antigo desejo de se juntar à Companhia Brasileira de Teatro. “É uma viúva que representa uma aristocracia decadente. Por um lado, ela evoca uma liberdade, com seus desejos e seus pensamentos, sem nenhum pudor de botar na roda o que pensa. Mas, por outro, é bastante presa a um lugar da mulher, a uma estrutura patriarcal, do negócio, da renda, do dinheiro. Ela é escrava desse jogo. Eu me identifico com ela no fato de colocar isso em xeque. Essa peça foi escrita numa época em que Tchekhov queria questionar essa passividade, essa falta de posicionamento. Isso é algo sobre o que podemos pensar nos dias de hoje”, afirma Camila.
A atriz chama a atenção para a forma como a peça leva essas ideias ao público, com o recurso da interatividade. “Acho que o elo de aproximação é os personagens serem comuns. Não são especiais ou virtuosos. Independentemente de sua origem social, questionam existencialmente essa apatia e essa angústia sobre seu tempo. É um contato forte entre o que foi escrito há mais de 100 anos e o que vivemos hoje. Isso aproxima demais na relação palco-plateia, pela forma como é contado. Não estamos protegidos no palco, distantes da plateia. Em algumas cenas, ela é convidada a subir lá também. Há uma mistura que quebra essa hierarquia. Conseguimos uma franqueza de estar presentes em momentos reflexivos e festivos da peça, com uma convivência que acho muito interessante pelo que vivemos hoje. Independentemente das crenças partidárias, é preciso aprender a conviver, a olhar, a escutar. E esse espetáculo cumpre isso”, afirma Camila. Além dela, integram o elenco Cris Larin, Edson Rocha, Kauê Persona, Rodrigo Bolzan, Rodrigo Ferrarini, Rodrigo dos Santos e a mineira Josi Lopes.
Apesar de a estrutura narrativa apresentar uma trama, Marcio Abreu enfatiza que o mais importante não é a história, mas sim as questões que aparecem nas relações entre os personagens. “O enredo não está em primeiro plano. Nenhuma peça de Tchekhov é sobre um assunto. É uma peça em que as pessoas que ali estão, as vozes, a convivência delas em situações específicas fazem aparecer temas atuais. Como as mulheres se posicionam no mundo e como a voz feminina pode gerar transformações importantes. A perspectiva de se relacionar com rupturas na vida de padrões enrijecidos e como você se transforma para mudar o mundo. Esses são temas importantes na adaptação. São questões que a obra inteira do Tchekhov abordou”, afirma.
TRANSIÇÃO
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Adaptação de Platonov, de Tchekhov, por Marcio Abreu, Nadja Naira e Giovana Soar. Direção: Marcio Abreu. Com Camila Pitanga e a Companhia Brasileira de Teatro. A partir de sexta-feira (18) até 18 de novembro, de sexta a segunda, às 19h30, no CCBB BH (Praça da Liberdade, 450). Ingressos: R$ 30 e R$ 15 (meia). Clientes Banco do Brasil têm 50% de desconto em até 2 ingressos. À venda no site Eventim e na bilheteria local (funciona de quarta a segunda, das 10h às 22h). Duração: 150 minutos. Classificação indicativa: 16 anos. Mais informações: (31) 3431-9400.