“O importante não é realizar, é fazer pulsar”, afirma o diretor Felipe Hirsch. Sem tal pulsação, nada feito. Em meio aos últimos ajustes da ópera Orphée, de Philip Glass, que estreia nesta sexta-feira (25), no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, Hirsch afirma que, caso a ópera não pulse no ensaio geral, “amanhã ela será outra coisa”.
Antes que a definitiva noite se espalhe em latino-américa, espetáculo dirigido por Hirsch que chega a Belo Horizonte neste fim de semana – com sessões sábado (26) e domingo (27), no Sesc Palladium –, foi totalmente modificada num período bastante curto. A peça estreou no início do ano, no Rio de Janeiro – a capital mineira é a primeira cidade a receber a montagem, após sua temporada carioca.
Encabeçada pelos atores Débora Bloch e Guilherme Weber, a peça começou a ser planejada durante o período eleitoral de 2018. “A montagem foi obrigada a mudar de rumo, especialmente por causa dos ataques confusos e arbitrários que os artistas sofreram naquele momento. Nós passamos a ser vistos como inimigos por parte do país”, comenta Weber.
Hirsch, que em trabalhos recentes vem atuando ao lado de criadores latino-americanos, desistiu de uma adaptação baseada em obra do quadrinista André Dahmer. “Estreamos este espetáculo (no Rio de Janeiro) 10 dias depois da posse do novo presidente. Durante todo o processo (de confecção da montagem) eu sabia que não poderia ficar atrás, ignorar as coisas na rua. Precisava de uma obra que, de alguma maneira, refletisse o estado de espírito do que acontecia no Brasil”, afirma o diretor.
Para construir Antes que a definitiva noite se espalhe em latino-américa (o título foi tirado de verso de Capinam para a canção Soy loco por ti América, parceria com Gilberto Gil) ele fez uma convocatória. Pediu a escritores latino-americanos que mandassem textos inéditos sobre o tema. Desta maneira, construiu o espetáculo a partir de seis histórias escritas pelos brasileiros Dahmer e Nuno Ramos, os chilenos Guillermo Calderón e Manuela Infante e os argentinos Pablo Katchadjian e Rafael Spregelburd.
COLCHÕES
Em um cenário único formado por uma série de colchões usados, o elenco desfia as seis histórias curtas. Além de Weber e Bloch, a montagem traz Jefferson Schroeder, Renata Gaspar, Blackyva e Nely Coelho interpretando as histórias curtas de diferentes gêneros – fábula, contação de histórias, autoficção – que são “uma sucessão de fragmentos, estilhaços”, segundo Weber.
Em um cenário único formado por uma série de colchões usados, o elenco desfia as seis histórias curtas. Além de Weber e Bloch, a montagem traz Jefferson Schroeder, Renata Gaspar, Blackyva e Nely Coelho interpretando as histórias curtas de diferentes gêneros – fábula, contação de histórias, autoficção – que são “uma sucessão de fragmentos, estilhaços”, segundo Weber.
Calderón, por exemplo, escreveu um texto que trata do assassinato de Caetano Veloso durante um regime totalitarista. Infante criou um coro grego para falar de uma menina gay assassinada no interior do Chile. “O cenário de colchões traz uma metáfora muito forte, pois mostra não só a instabilidade que eles promovem para os atores, já que têm gramaturas diferentes, como também carregam algo muito íntimo. Os colchões foram recolhidos de hotéis, hospitais, orfanatos – lugares de amor, mas também de tédio e desesperança”, acrescenta Weber.
Um dos criadores mais celebrados de sua geração, Hirsch, que durante 20 anos capitaneou a Sutil Companhia de Teatro, desde o fim do grupo é um dos nomes à frente do coletivo Ultralíricos. A primeira montagem desta formação foi Puzzle (2013). Desde então, ele encenou A tragédia e a comédia latino-americana (2016), Selvageria (2017), Fim (2019). Entre esses espetáculos, ainda houve Democracia (2018), que ele dirigiu no Chile. Entre os nomes que integram o coletivo estão Daniela Thomas e Felipe Tassara (que assinam a direção artística de Antes que a definitiva noite...) e Beto Bruel (desenho de luz), artistas que sempre trabalharam com Hirsch.
Nascida em Curitiba, a Sutil, que em sua história montou cerca de 30 espetáculos, se dividiu em releituras de clássicos (Goethe, Shakespeare, Eugene O'Neill) e textos de novos dramaturgos (Nicky Silver, Shelagh Stephenson e Paula Vogel). Havia uma pegada pop, algo que se tornou um fenômeno com A vida é cheia de som e fúria (2000), adaptação de Alta fidelidade (1994), o romance best-seller do britânico Nick Hornby.
Ainda que continue trabalhando com vários artistas da época da Sutil – Weber, cofundador da antiga companhia, é seu parceiro mais constante – Hirsch vem assinando, em épocas mais recentes, montagens de cunho político.
ARTE POLÍTICA
“Há uma diferença grande entre fazer panfleto e arte política. Não há necessidade de ser panfletário, juvenil, neste tipo de abordagem. A questão política é sempre levantada, às vezes mais obviamente; às vezes, não. Claro que, em momentos como este que temos vivido, tudo fica mais claro, às vezes exageradamente. Mas só depois de um tempo começamos a perceber a amplitude do que quisemos dizer”, afirma Hirsch.
“Há uma diferença grande entre fazer panfleto e arte política. Não há necessidade de ser panfletário, juvenil, neste tipo de abordagem. A questão política é sempre levantada, às vezes mais obviamente; às vezes, não. Claro que, em momentos como este que temos vivido, tudo fica mais claro, às vezes exageradamente.
Para Weber, depois do fim da Sutil Companhia, Hirsch entrou no grande tema que é a América Latina “e suas particularidades, com feridas que vêm das ditaduras recentes, da escravidão, das heranças do período colonial”.
Aos 47 anos, Hirsch é um dos mais prestigiosos e prolíficos encenadores de sua geração. Trabalha sem parar. Neste ano, além de dois espetáculos e da ópera Orphée, dirigiu o celebrado musical Lazarus, criado por David Bowie. Neste domingo (27), chega ao fim a temporada paulistana de Lazarus – não há previsão, por ora, de apresentações em outras cidades.
“O teatro é a minha casa, onde tenho meu porto seguro. Na verdade, um projeto começa com uma ideia. Algumas vezes é melhor fazer um filme, uma obra na Bienal. Gosto de me alimentar de todas as áreas. E, de fato, o próprio teatro é alimentado por todas as áreas”, comenta Hirsch, que tem também incursões no cinema.
Seu longa mais recente é Severina (2017), que mostra a relação de um livreiro e uma moça que rouba livros. O filme expressa a ligação de Hirsch com a América Latina. A história foi criada por um guatemalteco (Rodrigo Rey Rosa), rodada no Uruguai e protagonizada por atores argentinos (Javier Drolas e Carla Quevedo).
O próximo projeto também deverá manter esse tom. Hirsch está escrevendo um argumento com Guillermo Calderón – autor de roteiros de O clube (2015) e Neruda (2016), ambos do chileno Pablo Larraín. “Não temos nada definido, mas o que sabemos é que será um projeto de baixo orçamento, no máximo US$ 400 mil. Quero fazer filmes mais baratos e mais constantes, não um projeto a cada cinco anos”, diz.
Antes que a definitiva noite se espalhe em Latino-américa
Direção: Felipe Hirsch. Com Débora Bloch, Guilherme Weber, Jefferson Schroeder, Renata Gaspar, Blackyva e Nely Coelho. Neste sábado (26), às 21h, e domingo (27), às 19h, no Sesc Palladium – Rua Rio de Janeiro, 1.046, Centro, (31) 3270-8100. Ingressos: Plateia 1 – R$ 80, R$ 40 (meia) e R$ 32 (comerciários Sesc); Plateia 2 – R$ 70, R$ 35 (meia) e R$ 28 (comerciários Sesc); Plateia 3 – R$ 50, R$ 25 (meia) e R$ 20 (comerciários SESC). À venda no local e pelo site Ingresso Rápido.
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