Em dezembro de 2018, a escritora mineira Bruna Kalil Othero, de 24 anos, recebeu a notícia de que estava entre os 25 vencedores do prêmio 100 Anos da Semana de Arte Moderna, realizado pelo Ministério da Cultura. Concorria com o livro de poemas Oswald pede a Tarsila que lave suas cuecas. Menos de um mês depois, o MinC foi extinto.
“Acho que foi o último prêmio do ministério (pelo qual ela levou R$ 40 mil). O centenário da Semana de Arte Moderna será daqui a três anos, mas tive a impressão de que resolveram agilizar, já pensando em como ficariam as políticas públicas. Uma das coisas importantes a serem ditas é que artista não vive de vento, precisa de apoio das instituições”, comenta Bruna, que lança nesta quinta (31) seu livro premiado (agora editado pela Livramento), na galeria Mama Cadela.
Oswald pede a Tarsila... é o terceiro volume de poemas de Bruna, mestranda da Faculdade de Letras da UFMG. Outro título dela também será lançado hoje: Carne, sua primeira incursão em prosa. O livro-objeto, com apenas 50 exemplares, nasceu do projeto de conclusão de curso de letras de Octavio Cardozzo. Dentro da caixa, que se assemelha a uma embalagem de lasanha congelada, há um marmitex. A “quentinha” traz textos de Bruna em formato cartão. Em vez de contos, ela prefere chamá-los de ficções.
“Não são contos no sentido tradicional, são mais experimentações muito radicais em prosa”, comenta. A partir da temática carne – “que tem muitos significados, da carne humana, do bicho” –, a autora versa sobre poder e violência. O grupo Mulheres Míticas fará performance durante o lançamento.
“Acredito na literatura como encontro entre várias artes, não é só no papel e no livro”, comenta Bruna, que fez um ensaio fotográfico para divulgar o lançamento. Em uma das imagens, ela aparece nua, segurando o celular, fazendo as vezes do Abaporu, o icônico quadro de Tarsila do Amaral. “Como escritora contemporânea, tenho de usar vários suportes, seja em imagem, vídeo e performance. Uma foto também é literatura.”
Ao comentar sua imersão no universo dos modernistas, Bruna admite que teve de “não ter respeito” por monstros sagrados. Virou do avesso Drummond, Mário de Andrade, Manuel Bandeira, Pagu, Oswald e Tarsila, autores que sempre admirou. “A gente fica com medo de mexer nos panteões da literatura. Mas se eu quiser realmente fazer uma poética de ruptura, provocar questionamentos, preciso forçar um certo limite. Todos os autores, personagens do livro, nem sempre aparecem em forma de homenagem.”
Ao mesmo tempo em que envereda na literatura, Bruna atua como pesquisadora. Seu objeto de mestrado é a pornografia em Hilda Hilst. “A linguagem do cru, muito rasgada, me interessa. A prosa dela é muito doida, não tem personagem direito, a linearidade é confusa. Acho isso mais interessante na literatura contemporânea do que um livro certinho”, conclui.
Lançamento dos livros Carne (R$ 65) e Oswald pede a Tarsila que lave suas cuecas (R$ 35), com performance do grupo Mulheres Míticas.
Nesta quinta-feira (31), às 19h, na Galeria Mama Cadela, Rua Pouso Alegre, 2.048, Santa Tereza. Entrada franca.
O matriarcado de pindorama
queimamos sutiãs
manchamos quadros de sangue
menstrual
fomos às ruas gritar
no vácuo
tarsila do amaral quando pintou-se a si
de manto vermelho
não pensava que
anos depois
viraria propaganda da boticário.
. Poema de Bruna Khalil Otero