Jornal Estado de Minas

Dicionário explica a república brasileira desde a proclamação até hoje

Óleo sobre tela 'Proclamação da República' (1893), de Benedito Calixto, pertencente ao acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo - Foto: Cia das Letras/Reprodução

Entre 1835 e 1836, Belém do Pará foi governada pelos cabanos, como eram chamados aqueles que viviam em cabanas próximas a rios. Durante julho e novembro de 1839, Laguna, em Santa Catarina, foi a cidade-sede da República Juliana, um estado federado à República Rio-Grandense, instituída três anos antes.

Em 1950, camponeses no Norte de Goiás criaram um movimento de resistência armada contra a expropriação da terra nos povoados de Formoso e Trombas – a experiência comunitária foi até 1964, quando o golpe militar a desmantelou.

Tais movimentos populares, em diferentes regiões do Brasil, foram reprimidos, resultando em mortes e prisões. Mas, no período de tempo que duraram, representaram também experiências republicanas.
 
“No sentido mais estreito, república é a boa gestão da coisa pública. No sentido mais largo, é uma comunidade de cidadãos. Se você pensar no Brasil de hoje, república é uma espécie de rascunho sem forma, uma palavra oca, sem significado.
 
Só que, ao mesmo tempo, temos uma história muito forte sobre a tradição republicana”, afirma a historiadora e cientista política Heloisa Murgel Starling, professora titular da UFMG.

Ao lado da historiadora e professora titular da USP Lilia Moritz Schwarcz, sua parceira em diferentes publicações que procuram pensar o Brasil, Heloisa organizou o Dicionário da República (Companhia das Letras).
 
Recém-chegada às livrarias, marcando os 130 anos da Proclamação da República (15 de novembro de 1889), a obra reúne 51 textos de 50 especialistas em filosofia, história, ciência política, antropologia, direito, sociologia e jornalismo.

“Você tem muitas obras que contam a história do período republicano no Brasil, mas nada (até então) que discutisse a questão da república”, afirma Heloisa a respeito do ineditismo do livro. Os textos, objetivos, acessíveis, são apresentados como verbetes.
 
Cada um trata de um tema, seja de ordem mais conceitual (origens, matrizes, princípios), seja com focos mais factuais (diferentes movimentos e constituições).
A leitura é fluida, pois o livro se distancia do hermetismo que em geral é característica dos  ensaios acadêmicos.

- Foto: Reprodução “Qualquer pessoa interessada no assunto vai poder apreciar o livro sem reclamar, sem falar que o 'povo da universidade é muito chato'. Não há sentido hoje em você produzir conhecimento e ele ficar preso à universidade”, afirma a professora.
 
Para a obra, as organizadoras buscaram especialistas de todo o país. Há textos de pensadores como Kenneth Maxwell (Conjuração Mineira), Marilena Chauí (Liberdade: Vida ética e ação política) e José Murilo de Carvalho (Pensamento republicano no Segundo Reinado).

“Todos os que estão no livro têm trabalhos publicados sobre o tema. Mas, além dos grandes nomes, chamamos também gente muito jovem que está começando a produzir de maneira mais intensa. É um arco interessante, que renova”, diz Heloisa. O conteúdo vai até os tempos atuais, com o chamado fim do primeiro ciclo da Terceira República (iniciado com a Constituição de 1988).

CONJURAÇÃO 

O conceito de república desembarca no Brasil no século 18.
“Ele vai animar uma série de movimentos, inclusive o das Minas, já que havia a ideia da república dentro da Conjuração Mineira (1789)”, diz Heloisa, lembrando que a república foi proclamada no Brasil pela primeira vez em Pernambuco, em 1817.
 
Na segunda metade do século 19, ela comenta, a ideia começa a sofrer “uma espécie de deflação.” Tanto que, quando a república é instalada, em 15 de novembro, “ela chega vazia da tradição do conteúdo revolucionário. passa a ser vista como uma forma de governo, sem significado.”

Para a historiadora, tal pensamento não mudou muito ao longo desses 130 anos. “Em um país de desigualdade tão grande, muita gente deixou de lado o pensamento republicano para se concentrar na democracia. A república vai definir o que queremos como bem comum: meio ambiente, educação, saúde. Já o princípio da democracia é a igualdade. Não é possível ter hoje uma república sem democracia, mas também não é possível ter uma democracia sem república”, observa.

O dicionário é um caminho para clarear tais questões. “Se você pensar na tradição, uma coisa que animou todos os personagens que pensaram a república foi a ideia de construir um projeto de Brasil e imaginar o futuro. O país está vivendo uma situação sem precedentes dentro de sua história.
Pela primeira vez, não existe um projeto para o país. Com isso, os brasileiros não estão vendo futuro. Diante de uma situação tão nova e sombria, espero que o livro nos ajude a pensar sobre isto.”

Dicionário da República
. Organização: Lilia Moritz Schwarcz e Heloisa Murgel Starling
. Companhia das Letras (520 págs.)
. R$ 99,90


AUTORES DEBATEM

Um debate com Heloisa Starling, Newton Bignotto, Júnia Furtado e Pauliane Braga (todos autores de textos do livro) vai marcar o lançamento de Dicionário da República em Belo Horizonte. No próximo dia 12 (terça-feira), às 19h30, no Conservatório de Música da UFMG (Avenida Afonso Pena, 1.534, Centro), o livro será lançado na programação do projeto Sempre um Papo. Além desses, outros autores mineiros que integram a coletânea também autografarão a obra: Paula Lima, Gabriel Pancera, Helton Adverse, Marcela Telles e Bruno Viveiros. O evento tem entrada franca.


- Foto: Reprodução
TRINCA DE ASES

Incansáveis, Heloisa Starling e Lilia Schwarcz são organizadoras de outro título recém-lançado. Em Três vezes Brasil (Bazar do Tempo, 200 páginas, R$ 58; foto), as duas trabalharam na obra de três referências da historiografia brasileira – Alberto da Costa e Silva, Evaldo Cabral de Mello e José Murilo de Carvalho.
A partir de ensaios, entrevistas, cronologias e bibliografias, a obra apresenta um panorama crítico da atuação desses historiadores.


.