Jornal Estado de Minas

CINEMA

Lília Cabral diz que 'Maria do Caritó' valoriza a autoestima da mulher

Durante cinco anos, Lília Cabral adorou fazer a peça Maria do Caritó, de Newton Moreno. É a história da virgem prometida, a solteirona que vive fazendo promessa ao santo para arranjar marido e poder sair da cidade onde o pai, mancomunado com um político corrupto e com o padre, a mantém virgenzinha da silva, com aquele fogaréu consumindo suas entranhas. Lília queria levar Maria para a tela dos cinemas, mas hesitava.


“Havia feito a peça O divã e depois o filme (de José Alvarenga Jr.), mas tinha receio de que as pessoas dissessem: 'Ih, lá ela. Faz a peça, depois o filme. Quer tirar o sumo do próprio sucesso'. Achava que poderia ser chato.” Moreno, o criador da personagem, brinca: “É conversa, ela estava louca para fazer o filme e eternizar a Maria. Pra mim, foi ótimo, porque terminei coassinando (com José Carvalho) o roteiro”. A direção do longa-metragem, em cartaz em BH, é de João Paulo Jabur.

Maria do Caritó é outra dobradinha vitoriosa da Globo Filmes com a Paris Filmes.
O divã fez alguns milhões de espectadores, mas eram outros tempos, quando filmes brasileiros de comédia começavam a virar blockbusters. Agora, raros são os longas e artistas que ultrapassam o milhão – Paulo Gustavo, Mônica Martelli. Mas Lília põe fé.

“Vou repetir o que disse quando fui vender o projeto numa reunião na Globo Filmes. A história é bonita, e o filme se inscreve na tradição circense, nordestina, de obras como Auto da Compadecida e Lisbela e o Prisioneiro. Elas têm uma riqueza muito grande, evocam nossas mais caras tradições. E a Maria é perfeita nesta fase de afirmação das mulheres. Depois de muitas peripécias, ela vai descobrir que não precisa de santo nem marido para ser se libertar.
Precisa é de coragem e confiança”, afirma a atriz.


Aos 62 anos, a paulistana Lília segura bem a personagem que, na ficção, é mais nova do que ela (tem 50). A atriz costuma ser assediada por cirurgiões plásticos e dermatologistas que querem dar uma “melhoradinha” em seu rosto.
 
“Algum dia, talvez faça alguma coisa aqui (puxa com os dedos a região dos olhos), mas tenho medo. Vejo tanta gente que fica com a cara diferente. Poxa, as pessoas me conhecem, sabem como é a minha cara. Não quero, de repente, virar outra Lília e ser apontada: 'Olha o que ela fez, a louca'.”, avisa. Aliás, Lília não vê nada demais em ser sessentona. “Pode ser sorte, mas não têm me faltado bons papéis”, comenta.

Agora mesmo, ela faz a mãe de Paulo (Emílio Dantas) na minissérie em 12 capítulos de Jorge Furtado, Todas as mulheres do mundo, que homenageia Domingos Oliveira, que morreu em março. “O texto é uma delícia, o Jorge escreve superbem, a diretora (Patrícia Pedrosa) é muito talentosa e o meu 'filho', o Emílio, é um doce.
Acho que o público vai gostar.”

 
Com carreira marcada por grandes papéis e muitos sucessos, às vezes ocorrem reveses inesperados. Lília não se furta a reavaliar a novela O sétimo guardião, de Aguinaldo Silva, que talvez tenha sido o maior fracasso recente na faixa das nove da Globo.
 
“A gente tinha uma expectativa muito grande, pois Aguinaldo é autor de excelência reconhecida, a emissora reuniu um elenco super, parecia que tudo ia funcionar, mas o realismo fantástico não deu liga com o público. As tentativas de ajustes não deram certo e aí, meu amigo, degringolou”, diz, fazendo com a mão o gesto da ladeira abaixo.

VILÃ
 Lília, que fez e faz tantas mulheres fortes, gostou de interpretar a vilã Valentina? “Ah, mas não era uma vilã de verdade. Era uma mulher que fazia maldades, que nem a avó de Páginas da vida, lembra? Não tinha paciência com a neta, não gostava. É ruim, mas é humano. Dá para entender. Mas tenho vontade de fazer, sim, uma vilã, daquelas bem danadas. Deve ser divertido. Para variar, libertar-se de todas as amarras morais.”

Ao se lançar no projeto do novo longa-metragem, Lília tinha bem clara uma coisa: “A gente não ia poder simplesmente passar a peça pela câmera.
Você sabe, você viu no palco. Não é a mesma coisa. A Maria (do Caritó) está lá inteira, mas o filme tem muito mais. O Newton, o Zé (roteiristas) e o João (diretor) criaram outra coisa, um mundo mais rico e complexo – a cidadezinha, o circo. O circo, achei maravilhoso. Aquela ambientação, a pantomima. Fazer a palhaça foi divertido, pois aquilo que parece simples, na verdade, tem um ritmo, uma mecânica muito precisa. Não tem nada mais patético do que o palhaço que não faz rir. E a gente tinha a Juliana (Carneiro da Cunha, grande atriz de teatro e cinema), o que foi um privilégio.”

Mas por que refazer Caritó no cinema? “Porque a gente está vivendo este momento de afirmação das mulheres, e a peça e o filme são sobre isso. A Maria sonha, apanha da vida, decepciona-se, mas o importante é a descoberta que ela faz de que não é preciso depender de ninguém.
O amor é lindo, é necessário para uma vida melhor, mas é preciso cultivar o amor próprio. Gostar da gente mesma é um tema universal”, conclui Lília Cabral.
.