“A época atual é de nostalgia, e os fotógrafos fomentam, ativamente, a nostalgia. Tirar uma foto é participar da mortalidade, da vulnerabilidade e da mutabilidade de outra pessoa”, escreveu Susan Sontag na célebre coletânea de ensaios Sobre fotografia (1977).
“A fotografia antiga tem o poder da suspensão. Os personagens estão envoltos em uma espécie de perfeição, nascida do distanciamento histórico. E o fato é que é quase um mistério o quanto o Chichico Alkmim (1886-1978) conseguiu extrair de humanidade de seus personagens, sobretudo trabalhadores. Ele fotografou o Brasil que fez o Brasil”, afirma o poeta e professor de literatura Eucanaã Ferraz.
Nascido em Bocaiúva e radicado em Diamantina a partir de 1910, Chichico Alkmim é um dos pioneiros da fotografia em Minas Gerais. Por quase duas décadas, foi o único fotógrafo na cidade, conhecida como porta de entrada do Vale do Jequitinhonha. Em seu estúdio e também fora dele, registrou batizados, casamentos, vistas de cidade, funerais e festas populares. Estima-se que tenha fotografado até 1955. Desde 2015, seu acervo, de 5 mil negativos em vidro, está em comodato com o Instituto Moreira Salles.
Consultor de literatura do IMS, Eucanaã assina a curadoria da exposição Chichico Alkmim, fotógrafo. Já exibida, nos dois últimos anos, nas unidades do Instituto Moreira Salles no Rio de Janeiro, em São Paulo e em Poços de Caldas, a mostra chega a Belo Horizonte nesta semana. No sábado (9), a exposição será aberta ao público na Grande Galeria do Palácio das Artes.
A coleção que será exibida reúne 251 imagens. “Garanto que elas são as melhores do acervo, pois olhei cuidadosamente todos os 5 mil negativos. A maior parte deles ninguém conhecia, pois o Chichico não era um fotógrafo que visasse à exposição. A fotografia era seu ganha-pão. Foi assim que ele viveu, criou os (seis) filhos, que ficou conhecido na sociedade”, comenta Eucanaã.
O primeiro estúdio do fotógrafo foi criado em 1913. Seu instrumento de trabalho era uma máquina de fole 13X18. O material fotográfico – inclusive os frágeis negativos de vidro – vinha do Rio de Janeiro e de São Paulo em lombo de burro e, a partir de 1914, de trem. Na década de 1930, eles passaram a ser adquiridos em Diamantina, na loja Foto Werneck.
No conjunto exposto, há divisões temáticas. Boa parte do material vem das fotos do ateliê. “Há todo um trabalho de composição dos personagens, de luz, de pose. As imagens mostram o que era a vestimenta, o mundo da joalheria, já que estamos falando de garimpo, ouro e diamante”, comenta. Uma outra parte é de imagens externas. “É como se ele levasse seu ateliê para o lado de fora, tanto que ele consegue uma harmonia espacial”, acrescenta.
CONSTRUÇÃO
Não havia distinção entre os fotografados. Frequentaram seu estúdio não somente membros da burguesia local, como também trabalhadores. “Tem a mulher branca da sociedade, o dono do garimpo, como também a mulher e o homem negros. Ao percorrer todas as classes sociais, do mais rico ao mais pobre, ele revelou um Brasil em construção”, acrescenta Eucanaã.
Há uma seção dedicada a fotos documentais, sobretudo para título eleitoral. Há grandes grupos humanos – de 30 a 150 pessoas, fossem estudantes, religiosos, bandas. E ainda uma pequena amostragem dos chamados anjinhos, como são chamadas as imagens de crianças mortas, “uma tradição da fotografia mundial, não só a mineira”, lembra-se o curador.
De maneira geral, Chichico fotografou anônimos. “Ele guardava os negativos, mas não os identificava, então a maior parte das datações apresentadas na exposição são aproximadas. Conseguimos isso em razão de várias coisas, como vestuário, penteado, maquiagem. Uma coisa que marca (o período) é a aparência do estúdio, pois sei quando é o primeiro e quando é o definitivo”, acrescenta Eucanaã. Também serão expostos cinco discos 78rpm, com as obras de compositores da época do Império, como Ernesto Nazareth, até canções do maranhense Catullo da Paixão Cearense.
O trabalho de Chichico como retratista começou a ganhar luz há 20 anos, quando suas fotos foram apresentadas na mostra Minas memorial e contemporânea, realizada no Museu da Imagem e do Som de São Paulo. Em 2005, é lançado o livro O olhar eterno de Chichico Alkmim, organizado por Flander de Sousa e Verônica Alkmim França, neta do fotógrafo. Houve ainda duas exposições em BH, com um material menor do que o que chega agora: em 2008, na galeria da Escola Guignard, e em 2013, no Memorial Minas Gerais Vale.
ACORDO EM DISCUSSÃO
Termina em janeiro de 2020 o acordo entre o Instituto Moreira Salles e o governo do estado de Minas Gerais para a cessão do edifício da Avenida Afonso Pena, 737, que atualmente sedia o Câmera Sete – Casa da Fotografia de Minas Gerais. Presidente da Fundação Clóvis Salgado, que administra o espaço cultural, Eliane Parreiras já iniciou uma conversa com o IMS para a renovação do contrato.
Entre 1997 e 2009, o IMS funcionou em BH no edifício histórico na Praça Sete. Quando a direção do instituto decidiu fechá-lo, a então Secretaria de Estado de Cultura entrou em campo e propôs o modelo de cessão, válido por 10 anos. Reinaugurado em janeiro de 2010 como Centro de Arte Contemporânea e Fotografia, há alguns anos se tornou o Câmera Sete, dedicado exclusivamente à fotografia.
Assim que assumiu a FCS neste ano, Eliane buscou retomar a parceria com o IMS. “Ela passa tanto pela discussão da renovação do contrato, e já há uma intenção das partes em fazê-lo, como também pela correalização de exposições”, diz ela. A vinda da mostra de Chichico Alkmim é um primeiro fruto desta reaproximação entre as duas instituições. “Já estamos discutindo o que poderíamos fazer para 2020, inclusive para marcar os 50 anos da FCS. Discutimos ainda a possibilidade de fazer ações na área de literatura”, afirma Eliane.
''A fotografia antiga tem o poder da suspensão. Os personagens estão envoltos em uma espécie de perfeição, nascida do distanciamento histórico. E o fato é que é quase um mistério o quanto o Chichico Alkmim (1886-1978) conseguiu extrair de humanidade de seus personagens, sobretudo trabalhadores. Ele fotografou o Brasil que fez o Brasil''
Eucanaã Ferraz, poeta e curador da exposição Chichico Alkmim, fotógrafo
Chichico Alkmim, fotógrafo
Exposição na Grande Galeria Alberto da Veiga Guignard, no Palácio das Artes – Avenida Afonso Pena, 1.537, Centro, (31) 3236-7400. Abertura para o público no sábado (9). Visitação de terça a sábado, das 9h30 às 21h; domingos, das 17h às 21h. Até 23 de fevereiro. Entrada franca.