Joel Zito Araújo, mineiro de Nanuque, estreou seu documentário Meu amigo Fela no Festival Internacional de Documentários É Tudo Verdade, em abril. Recebeu o prêmio especial do júri na competição internacional. Depois disso, levou o filme a outro festival, na Nigéria, onde a acolhida foi muito favorável. Aplausos e mais aplausos. E o documentário, em cartaz em BH no Belas 3 (19h30), é ótimo. Joel Zito – seu nome é trabalho. Entre setembro e outubro, ele filmou sua nova ficção quase toda no Bixiga: O pai de Rita. Dois sambistas, apaixonados por música e mulheres, e um deles pode ser o pai da Rita. O nome evoca uma famosa composição de Chico Buarque ("A Rita levou meu sorriso/No sorriso dela/Meu assunto/Levou junto com ela/O que me é de direito"), e Chico de alguma forma estará envolvido na trama.
O músico nigeriano Fela Kuti morreu em 1997 e virou objeto de culto na Europa, nos EUA, na África. Um culto que agora está começando a chegar ao Brasil. Antes de falar sobre Fela, talvez seja preciso falar de Carlos Moore, o amigo cubano. Conheceram-se em Nova York. Tornaram-se próximos. Moore escreveu um livro, que chegou a oferecer a Spike Lee na expectativa de que ele se interessasse em transformá-lo em filme, mas sua agenda vive lotada. Não deu.
"Embora seja nosso berço, a África está muito distante. Temos uma visão muito estereotipada sobre ela ou então romantizada. Com Fela e Carlos (Moore), pude entender melhor essa conexão" "Houve uma geração de artistas muito fortes, com uma potência estética e política muito grande. Investigar a personalidade e a vida de Fela tornou-se uma prioridade"
Joel Zito Araújo, cineasta
Joel Zito não surgiu como nenhum plano B. Ele conheceu Carlos Moore em Salvador, na época em que lançava seu documentário A negação do Brasil, sobre a representação do negro na ficção audiovisual brasileira. Reencontraram-se na época de As filhas do vento, ficção de Joel também centrada na questão da negritude e do feminino na sociedade brasileira.
Tornaram-se amigos, Moore e ele. Muito conversaram sobre questões de raça e gênero. Ao longo da vida, Joel Zito já viajou umas 30 vezes à África. Há tempos, queria transformar essas experiências em filme. "Embora seja nosso berço, a África está muito distante. Temos uma visão muito estereotipada sobre ela ou então romantizada. Com Fela e Carlos (Moore) pude entender melhor essa conexão. Houve uma geração de artistas muito fortes, com uma potência estética e política muito grande. Investigar a personalidade e a vida de Fela tornou-se uma prioridade." Foram mais de quatro anos de trabalho. Joel Zito conta como foi difícil negociar os direitos – de imagens e músicas – e também como precisou de tempo na montagem.
"Principalmente quando trabalho com documentário, sinto que é preciso um tempo de decantação do projeto. Fiz uma primeira montagem, parei. Conversei com muita gente, no Brasil e no exterior, sobre o filme que estava fazendo, e queria fazer. Essa parada foi importante. Mais que isso, foi necessária."
RADICALIZAÇÃO Vale pesquisar um pouco. Olufela Olusegun Oludotun Ransome-Kuti, conhecido profissionalmente como Fela Kuti, Fela Anikulapo Ransome Kuti ou simplesmente Fela, foi um multi-instrumentista nigeriano, músico e compositor, pioneiro do gênero musical afrobeat, ativista político e dos direitos humanos. A partir de um determinado momento, renunciou ao nome Ransome porque evocava o passado colonial e a experiência da escravidão.
Denunciou o Exército nigeriano e sofreu perseguições. Vivia em comunidade com suas mu- lheres. No documentário, elas contam como as casas eram atacadas e elas, agredidas. Sua velha mãe foi lançada por uma janela e sofreu ferimentos letais. Tudo isso o radicalizou, na arte e na vida.
Adoeceu gravemente, recusou tratamento. O filme não deixa margem a dúvida. Pode ter ficado meio louco em razão de tanta pressão, mas era genial. Quem o vir tocar no filme só pode amar seu afrobeat. (Estadão Conteúdo)