Jornal Estado de Minas

Elia Suleiman roda o mundo em busca de sua Palestina


O cineasta palestino Elia Suleiman veio ao Brasil em outubro passado, quando foi homenageado com o Prêmio Humanidade pela Mostra de São Paulo. Suleiman teve direito a uma retrospectiva de seus filmes e apresentou o mais recente deles, O paraíso deve ser aqui, que recebeu o Prêmio Especial do Júri no Festival de Cannes, em maio, e agora entrou em cartaz no circuito comercial brasileiro. Em BH, está em cartaz no Cine Belas Artes (Sala 3, 19h30). O filme tem a participação do ator mexicano Gael García Bernal.



Suleiman faz o próprio papel, o de um cineasta que viaja pelo mundo falando sobre a Palestina e buscando financiamento para a próxima produção. De um produtor francês, ouve a pérola: "O filme não é suficientemente palestino". Mas se é dele, com ele, um filme já é palestino por natureza. Com base numa decisão da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, o diretor ganhou o direito de concorrer ao Oscar, embora a Palestina não seja reconhecida como país. Suleiman pode dizer: "A Palestina sou eu".

Em Belém, Paris ou Nova York, o Suleiman de O paraíso deve ser aqui é sempre um observador do absurdo do mundo. Ele quase não fala. Olha, e nisso seu cinema se aproxima de outros artistas também considerados inclassificáveis – o francês Jacques Tati, criador do emblemático M. Hulot, o georgiano Otar Iosseliani, cuja obra em grande parte se desenvolve na França.

Suleiman é um autor de filmes considerados políticos, mas relativiza essa afirmação. "Faço filmes para compartilhar o prazer pelas imagens, não em prol da educação política. Sempre acreditei que o diretor que se coloca na posição de quem vai ensinar está destinado ao fracasso. Não sou professor, sou um artista. E tenho outra crença: nenhum filme termina com a palavra ‘Fim’."



O ideal é que ele continue com o espectador e, para atingir seu objetivo – criar uma imagem que o público tenha prazer em compartilhar –, Suleiman vale-se de uma narrativa episódica. O repórter arrisca uma pergunta durante a entrevista que o cineasta lhe concede: os esquetes são tão independentes que poderiam ser mostrados em outra ordem, não?. "Acredite, chegar ao filme como está me deu muito trabalho. É uma questão de ritmo, mais que de linearidade narrativa. Mas se acha que poderia montar de forma diferente, vá em frente. Tente!"

CAFÉ 

Um homem (o protagonista) acompanha a movimentação de policiais sentado num café, em Paris. Briga com um passarinho que invade seu apartamento. Assiste, meio perplexo, à movimentação das pessoas tentando achar cadeira vaga num parque. Tanques e helicópteros invadem Paris. Por quê? Famílias num supermercado vão às compras armadas. Policiais comparam os respectivos óculos de sol, e os gestos concentram o foco, até que se percebe, no banco de trás, uma mulher amordaçada. O mundo é absurdo, e Suleiman sabe disso.

Mas há uma sutil diferença em relação a filmes anteriores, como Intervenção divina e O que resta do tempo. "Cresci numa família muito amorosa. Não apenas meus pais, meu irmão mais velho também era protetor. E a gente, apesar de tudo, se divertia muito. Sempre fui muito curioso. Gosto de olhar, reparar, mas sinto que hoje experimento uma melancolia maior pelo estado das coisas." O repórter aproveita a deixa. O israelense Amos Gitai também esteve na Mostra de São Paulo, também foi homenageado. E eles são amigos, apesar das diferenças. "Já fomos mais (amigos). Vou lhe confessar uma coisa, e talvez o surpreenda. Está cada vez mais difícil encontrar um espaço para diálogo na sociedade israelense sob o premiê Benjamin Netanyahu. Essa direita não quer saber do outro. Infelizmente, Amos é uma exceção em Israel. Provavelmente, com seu discurso de tolerância, é um interlocutor tão isolado quanto eu."

De volta ao filme, e ao personagem, Suleiman admite que a melancolia crescente também é acompanhada de uma dose de desespero. "O que sinto, e tento passar, é que ele está mais frágil, num mundo de instituições cada vez mais hostis. Escrevi o roteiro e, na hora de filmar, percebi que o fato de ele ser um observador fragilizado deveria dar o tom, ser o próprio conceito. Mais do que qualquer outro filme, ou personagem meu, sinto que estamos nos agarrando na esperança."



É um filme de estrada, de deslocamentos entre países, cidades. Mas, curiosamente, Suleiman, em cena, está quase sempre parado. É metafórico. Essa Palestina que busca, e quer colocar na tela, Suleiman carrega com ele. Para demonstrá-lo, cria duas belíssimas cenas, na abertura e no encerramento. Uma encenação religiosa sobre a paz que termina em manifestação de violência. No final, outra manifestação – uma mulher que retira o véu, e jovens numa festa, confraternizando, inclusive um par gay. A Palestina de Suleiman é esse sonho. Um paraíso que abriga toda a diversidade. É um belíssimo filme. (Agência Estado)