Jornal Estado de Minas

Novo filme de Clint Eastwood mostra como herói americano virou vilão

Os atores Jon Hamm, Paul Walter Hauser e Kathy Bates com Bobi, mãe de Richard Jewell, e Clint Eastwood na estreia do longa em Los Angeles (foto: Matt Winkelmeyer/AFP)

 
Aos 89 anos, Clint Eastwood continua lançando, em média, um filme a cada 12 meses. Seu longa mais recente, O caso Richard Jewell, que estreia nesta quinta-feira (2) em BH, encaixa-se na galeria de obras sobre heróis comuns e incompreendidos – seja o Chris Kyle de Sniper americano ou o piloto Chesley Sullenberger de Sully.


 
Richard Jewell, vivido no filme por Paul Walter Hauser, foi o segurança tornado herói depois de encontrar a bomba plantada durante a Olimpíada de Atlanta, nos Estados Unidos, que matou duas pessoas e feriu 111. Se não fosse seu alerta, haveria muito mais vítimas. Porém, poucos dias depois do atentado, ele foi acusado de ser o terrorista e teve a vida destruída.
 
“Perguntei a Clint Eastwood por que ele quis fazer esse filme agora”, revela a atriz Kathy Bates, que interpreta Bobi, a mãe de Richard Jewell. “A resposta foi que era um filme que ele gostaria de ver e que se tratava de uma tragédia americana.”
 
 
 
Respeitadíssimo na indústria do cinema, Eastwood ganhou quatro Oscars. Porém, vez ou outra se envolve em polêmicas, seja por suas posições políticas conservadoras pessoais ou até mesmo pela temática de seus filmes – muita gente discorda que o sniper Chris Kyle tenha sido um herói, por exemplo.


 
Em O caso Richard Jewell, as reclamações vêm do retrato traçado por ele da repórter Kathy Scruggs, do Atlanta Journal-Constitution, responsável pela revelação de que Jewell passara de herói a principal suspeito na investigação do FBI.
 
 
 
Na trama, Scruggs, que morreu em 2001 e é interpretada por Olivia Wilde, parece trocar por sexo a informação do agente do FBI Tom Shaw (Jon Hamm) – personagem fictício, amálgama de diversos investigadores do caso.
 
O Atlanta Journal-Constitution protestou, mas Olivia Wilde, filha de jornalistas, declarou que jamais quis sugerir que Scruggs trocou a dica por uma relação sexual. De acordo com ela, a repórter tinha um relacionamento prévio com sua fonte.



DIAS Em 1996, quando o atentado ocorreu, o serviço de notícias de 24 horas, representado então pela CNN, estava começando a ganhar força. A Fox News seria fundada naquele ano. Na época da tragédia, a CNN, cuja sede é em Atlanta, amplificou a história publicada pelo Atlanta Journal-Constitution para o país e o mundo. Jewell foi de herói a vilão em questão de dias, apenas porque se encaixava no perfil do homem branco e frustrado – ainda morava com a mãe e tentou sem sucesso fazer parte da polícia.
 
“Os advogados envolvidos ficaram muito chocados com a velocidade daqueles fatos”, contou Kathy Bates. No filme, Jewell é defendido apenas pelo excêntrico Watson Bryant (Sam Rockwell). As coisas cresceram exponencialmente desde 1996, com o ciclo do noticiário cada vez mais veloz, num sistema formado pelos canais 24 horas, a internet e as redes sociais.
 
 
 
“Quanto tempo leva para um boato acabar com a carreira de um senador ou de outra pessoa?”, pergunta o ator Jon Hamm. “Esse constante estado de ‘te peguei!’ acaba prejudicando o debate, porque todo mundo fica aterrorizado de dizer algo que seja tirado do contexto, inclusive em situações como esta entrevista”, completa.


 
Indagado se tem medo de ser “cancelado” (excluído das redes sociais), Hamm responde: “Quem não tem? Parece ser tão arbitrário hoje em dia!”.
 
O ator também aponta o perigo do uso da expressão fake news. “Tudo pode ser chamado de ‘fake’, mesmo quando não é. Então, estamos neste mundo invertido, em que ninguém acredita em nada, e cada um tem suas crenças de acordo com o lado em que está e não ouve o outro”, afirma. “Mas acho que essa história tem apelo para ambos os lados, porque é sobre uma pessoa que foi colocada erroneamente numa lista.”

O CULPADO Por conta desse erro, o verdadeiro culpado, Eric Rudolph, cometeu outros três atentados terroristas. “Não entendo a cabeça de alguém que faz isso. Qual o sentido?”, questiona Hamm. “O filme faz um belo trabalho em mostrar a celebração, a excelência e o esporte e, do outro lado, alguém tão ferrado da cabeça que coloca uma bomba lá.”
 
Depois da onda dos atentados dos anos 1990, que incluíram o primeiro do World Trade Center e o do Federal Building em Oklahoma, houve o 11 de Setembro, em 2001. “Viver com medo é uma droga. É tão melhor viver sua vida em maravilhamento. Então, esse talvez seja o grande aprendizado do filme: vamos ser mais como Richard Jewell, vamos melhorar”, diz Jon Hamm.


 
A esperança de Paul Walter Hauser, que roubou a cena num pequeno papel em Eu, Tonya e faz agora seu primeiro personagem principal, é que o filme tenha impacto. “Acredito que histórias podem corrigir erros, influenciar a cultura e mudar corações e mentes”, diz.
 
Kathy Bates revela que repensou muito o propósito de sua carreira ao longo do tempo. “Não quero soar muito Poliana, mas o que me faz continuar é ajudar a criar a empatia de que todos precisamos.”

BOBI A atriz teve a prova de que isso vale a pena quando se encontrou com Bobi Jewell – seu filho Richard morreu em 2007, aos 44 anos. “Ela é uma mulher cheia de opinião, mas ficou com os olhos marejados quando conversamos. A dor da injustiça ainda está muito viva, mesmo depois desses anos todos. Foi bom vê-la andando no tapete vermelho na pré-estreia ao lado de Clint Eastwood”, diz Bates.
 
Uma placa em homenagem a Richard Jewell será inaugurada no local da explosão, o Centennial Park. É um passo adiante na recuperação da imagem de Jewell, ainda visto por muitos como o culpado. Daí a importância de cineastas como Clint Eastwood. “Ele faz cinema clássico, não sei se esse tipo de longa será feito daqui a 10 anos”, afirma o ator Sam Rockwell. Hamm emenda: “Especialmente num esquema de estúdio, com lançamento nos cinemas. Quase ninguém tem esse cacife ou a coragem, para ser mais preciso.” Uma coisa é certa: mesmo com ressalvas, filmes de Eastwood são necessários. (Estadão Conteúdo)