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Estado de Minas

Nascido há 100 anos, Isaac Asimov tem muito a ensinar ao século 21

Mestre da ficção científica alertou para os desafios da tecnologia e a complexa relação do homem com a máquina. Seu livro 'Eu, Robô' virou filme e Apple TV anuncia a série 'Fundação'


postado em 11/01/2020 04:00 / atualizado em 10/01/2020 15:44

Will Smith no filme Eu, Robô, inspirado em livro de Isaac Asimov que aborda a complexa relação entre o homem e a máquina(foto: 20th Century Fox/divulgação)
Will Smith no filme Eu, Robô, inspirado em livro de Isaac Asimov que aborda a complexa relação entre o homem e a máquina (foto: 20th Century Fox/divulgação)
Há 100 anos, nascia em Petrovich, na Rússia, o escritor e bioquímico Isaac Asimov (1920-1992). Autor de cerca de 500 livros entre romances, contos, ensaios e obras de divulgação científica, ele foi, ao lado de Arthur C. Clarke e Robert A. Heinlein, um dos três grandes nomes da chamada era de ouro da ficção científica, nos anos 1950. Atual ainda hoje, o trabalho do russo-americano, que vem ganhando diversas reedições, previu dilemas cada vez mais relevantes em um mundo tecnológico como o nosso.

Asimov nasceu em 2 de janeiro de 1992. Cinco anos depois, sua família se refugiou nos EUA. Ele escreveu seus primeiros contos no final da década de 1930 em revistas pulp – Astounding, de John W. Campbell, e Amazing stories, de Raymond A. Palmer. Desde o princípio de sua carreira, o autor já se destacava pela visão menos pessimista que imprimia a temáticas habituais na ficção científica.

Responsável por criar as Três Leis da Robótica, Asimov não inventou os robôs. A ideia de seres autômatos já existia desde o século 19, em contos como O homem de areia (1816), de E.T.A Hoffman, The Bell-Tower (1855), de Herman Melville, e O feitiço e o feiticeiro (1899), de Ambrose Bierce.

Durante o século 20, robôs foram explorados exaustivamente pela literatura e pelo cinema. Sobre essa tendência, Asimov escreveu: “Tornou-se muito comum, nas décadas de 1920 e 1930, retratar os robôs como inventos perigosos que invariavelmente destruiriam seus criadores. A moral dessas histórias apontava, repetidas vezes, que há coisas que o homem não deve saber. No entanto, mesmo quando era jovem, não conseguia acreditar que se o conhecimento oferecesse perigo, a solução seria a ignorância.”

A defesa incondicional da ciência e da busca pelo conhecimento marcaram a carreira de Asimov. O que o tornava diferente de outros escritores que, na época, trataram de robôs foi dar a complexidade e as nuances que o assunto pedia. Em seu primeiro conto sobre o tema, Robbie (1940), os elementos já estavam todos lá: seitas antirrobôs protestam contra a existência dessas máquinas, ao mesmo tempo em que uma criança não consegue superar a perda de seu robô cuidador. Asimov destaca tanto os lados positivos quanto os negativos. Robbie é carinhoso com a protagonista, mas a insatisfação dos trabalhadores ao perder seus empregos é completamente justificada.

"Não tenho medo de computadores. Tenho medo da falta deles"

Isaac Asimov, escritor


ESCRAVO 
O termo robô foi cunhado pelo pintor e poeta checo Josef Capek. Robota significa trabalho forçado em sérvio – sua raiz é rab, escravo. A palavra foi usada pela primeira vez pelo irmão de Josef, Karel Capek, na peça A fábrica de robôs, justamente no ano em que Asimov nasceu. A questão trabalhista dessa temática fica clara no diálogo da peça entre a presidente da Liga da Humanidade, uma espécie de sindicato, e o gerente da fábrica de robôs: “Que tipo de trabalhador você pensa ser o melhor?”, ele pergunta. “O melhor tipo de trabalhador? Suponho ser o honesto e dedicado”, ela responde. “Não. O melhor tipo de trabalhador é o trabalhador mais barato. O que tem menos necessidades.”

Estudo publicado pela Universidade de Oxford em 2013 mostrou que 47% dos empregos nos Estados Unidos correm risco de se tornar obsoletos devido às máquinas. Atento a questões que vêm recebendo atenção hoje em dia, Asimov já alertava para o perigo quando o matemático Alan Turing abria caminho para a computação contemporânea – e, consequentemente, para a mecanização do trabalho em curso no século 21.

Asimov aprofundou essas questões ao tratar do direito robótico e de questões existenciais, sem negligenciar a discussão ética, social e trabalhista envolvendo inteligências artificiais nos livros As cavernas de aço (1954) e O sol desvelado (1957), que mesclam tramas policialescas em cenário futurista. Suas histórias nesse nicho inspiraram filmes como O homem bicentenário (2000), de Chris Columbus, e Eu, Robô (2004), dirigido por Alex Proyas.

AS TRÊS LEIS DA ROBÓTICA

1 – Um robô não pode ferir um humano ou permitir que um humano sofra algum mal 
2 – Robôs devem obedecer às ordens dos humanos, exceto nos casos em que tais ordens entrem em conflito com a primeira lei
3 – Um robô deve proteger sua própria existência, desde que não entre em conflito com as leis anteriores

Obra inspira filmes e seriado da Apple TV

Nem só de robôs se faz a obra de Isaac Asimov, que explorou imensa variedade de temas. Em 1966, a trilogia Fundação foi eleita a melhor saga de fantasia e ficção científica de todos os tempos – é seu trabalho mais ambicioso. Expandido nos anos seguintes para uma série com sete livros, a obra narra a queda de um império de proporções galácticas, inspirado na forma como o historiador Edward Gibbon descreveu a queda de Roma.

Em meio a esse cenário espacial, o sábio Hari Seldon (uma espécie de alter ego de Asimov) cria a psico-história, ciência capaz de prever o futuro com precisão unindo elementos de psicologia, matemática e ciências sociais. Com isso, dá origem ao Plano Seldon, uma tentativa de impedir que a humanidade entre na era de barbárie sob os escombros civilizatórios do império. Tramas episódicas se passam com séculos de distância, envolvendo personagens diferentes a cada época. Com a saga da Fundação, que será adaptada em uma série da Apple TV, Asimov voltou seu olhar para os dramas da expansão espacial.

O conto O cair da noite (1941), filmado em 1988, trata de um planeta que orbita seis sóis e está sempre iluminado. Quando um raríssimo eclipse múltiplo mergulha esse mundo em sua primeira noite, a população só tem a razão científica para salvá-la da superstição. O embate entre civilização e barbárie – sempre resolvido pela ciência – é o principal tema da obra de Asimov. No Brasil, o filme, dirigido por Paul Mayersberg, ganhou o título Planeta infernal.

Seja falando sobre a irracionalidade da tecnofobia, seja narrando aventuras espaciais, Asimov sempre se preocupou com o obscurantismo, tratando-o como a principal ameaça à humanidade. Talvez por isso, em uma entrevista célebre de 1988 sobre a internet, que ainda engatinhava, ele tenha deixado de lado visões apocalípticas e optado pelo otimismo ao exaltar a democratização da educação que os computadores poderiam trazer. Seria interessante ouvir o que Asimov diria do anti-intelectualismo que se propagou pelo mundo graças à internet neste século 21. 


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